Levou exatos três minutos e quarenta e três segundos para que um dos dois resolvesse falar alguma coisa. Como de praxe, Izuku tomou a palavra.
— Acho que precisamos parar de fingir que não tem nada de estranho entre... a gente. — Indicou-os enfaticamente, porque, com Shoto, as coisas funcionavam na gesticulação. — É claro que há um motivo plausível pra isso, mas sempre há um motivo pra tudo, né? T-Tudo bem que esse motivo em específico é, como posso dizer, importante, e acho que deveríamos começar por ele, mas, se você não estiver confortável e quiser optar por uma outra abordagem, também podemos...
— O beijo que eu te dei na véspera da sua partida — resumiu Shoto, imperturbável. — Esse é o motivo, certo?
Izuku havia esquecido o quão pragmático Shoto poderia ser, e quase engasgou-se com a própria saliva. Sentindo uma onda de calor dominar seu rosto, Izuku desviou os olhos e gaguejou um fraco:
— Isso.
Pela primeira vez Shoto demonstrou mais que impassividade: remexeu-se no lugar, pigarreou e, sem o olhar, disse:
— Peço desculpas se te ofendi.
— Não, não é que me ofendeu. E-Eu só acho que foi meio, sei lá, inesperado?
Shoto deu de ombros, sem concordar ou discordar, e Izuku apertou os punhos pousados nas próprias coxas.
— Você nunca disse nada, Shoto — disse baixo. — Como esperava que eu reagisse àquilo?
— Eu não sei. Eu só queria que você não me odiasse.
— Sabe que eu jamais...
— Isso é diferente, Izuku — ele o cortou, e Izuku reconheceu rara frustração em sua voz. — Por isso escolhi o último momento para...
Izuku esperou em um misto de temor e expectativa.
— Para?
— Mostrar que eu gosto de você.
Encarou-o. O que dizer? Os dois não se viam há meses, e de repente Shoto vinha e jogava o falecimento de Gertrudes e mais isso em sua cara?
Seu silêncio amortecedor lhes era uma novidade; Izuku sempre foi o falante da relação e Shoto, o ouvinte. Agora, porém, os papéis se inverteram, e não tinha ideia do que fazer. Provavelmente ciente disso, Shoto, encarando as janelas abertas no outro extremo do quarto, continuou:
— Eu guardo esses sentimentos há muito tempo, mas nunca tive coragem de te dizer, e a razão disso é óbvia. Eu apenas... Às vezes, eu tinha a sensação de que não era totalmente unilateral, mas já adianto minhas desculpas caso eu tenha me equivocado, e, é claro, peço seu perdão por ter te beijado sem a sua permissão e por não ter esclarecido as coisas antes. Não são coisas que eu faria sem perguntar. Estou envergonhado.
Izuku sabia que para Shoto fazer um discurso desses significava que ele realmente estava afetado com a situação, e por isso obrigou-se a ignorar o constrangimento e, de uma vez por todas, refletir sobre eles.
Conheciam-se desde pequenos. Izuku era três anos mais novo, então Shoto já estava lá em seu nascimento, e Inko dizia que quando Shoto tinha que ir embora era uma luta fazer o pequeno Izuku, que sempre abria o berreiro, se soltar da mão dele. Por muitos anos Izuku o viu como um irmão mais velho; Shoto era um garoto sério e responsável e nunca os metia em confusão — salvo a vez do selinho inocente, mas isso se deveu à ignorância de ambos na época. Com a chegada da puberdade, Izuku começou a estranhar os acessos de timidez e as ondas de calor nas bochechas quando nadavam juntos no rio ou quando se esbarravam nas ruas, reconhecendo nelas as mesmas reações de quando diante de meninas particularmente bonitas.
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Meninos Malvados | Bakudeku
FanfictionMidoriya Izuku se sente um peixe fora d'água em sua nova escola, principalmente porque "escola" é novidade em seu vocabulário. Ex-moradores do campo, Izuku e sua mãe enfrentam os desafios da vida urbana, que se revelam mais difíceis do que imaginava...