Capítulo 05

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RAPHAEL VEIGA

— Vamos logo!

O esfregão de João  bateu no chão, e ele começou a se movimentar pelo longo corredor. Shannon, a enfermeira encarregada do turno diurno, passou, balançando a cabeça. Não foi a primeira vez que ela nos viu fazendo uma merda como esta... Jogamos desde antes de João  ter alguma dificuldade de caminhar. A cirurgia de quadril o derrubou há alguns anos. Tá Agora, meus passes eram mais do que uma bola, poderiam ser como uma bala.

— Ele tem 69 anos— Nina falou por cima do ombro. — Um dias destes, você vai causar um ataque cardíaco naquele doce velho. — Eu apeguei sorrindo enquanto ela continuou.

Quando João  chegou ao final do corredor, eu mandei a bola em espiral por dezoito metros até que caiu diretamente em suas mãos.

— Eu ainda consigo pegá-la. — Ele voltou na minha direção.

— Você nunca consegue. Eu coloquei a bola em suas mãos.

— Besteira. Você não joga bem merda nenhuma. Todo mundo sabe que um passe só é tão bom quando o receptor é bom.

— Eii,isso foi desrespeitoso!

Fingi drama.

— Haha! Oh não se ofenda...

Saí e parei no posto de enfermagem.

— Como foi a semana dela?

— Foi boa, de verdade — disse Nina. — Ela quer ir às compras. Diz que precisa de roupas de baixo novas, mesmo que tenha uma gaveta cheia delas.

— Então, o ajudante vai levá-la às compras.

— Você quer que eu consiga um ajudante que a leve para um passeio que irá lhe custar um extra de novecentos reais, mais o custo da roupa de baixo,mesmo que ela já tenha mais de quarenta.

— Isso vai fazê-la feliz?

— Eu acho que sim.

— Então, sim. Eu quero.
Ela sorriu.

— Vou agendar para esta semana.

Encontrei Marlene em seu quarto assistindo a uma reprise de um Progama de perguntas e respostas. O show estava mostrando um jogo, no qual você tinha que somar o custo total de um monte de itens diferentes para chegar a um certo total.

— Oi, Marlene.

— Shhh.

Ela tinha um bloco de papel e lápis, e sua mão trêmula estava furiosamente anotando os preços enquanto eles mostravam cada item. O apresentador levantou um galão de leite e eu furtivamente espiei em seu rabisco. Quinze centavos. Ok, então eu tinha uma ideia de em que ano nós estamos hoje.

Ela não estava feliz que seu total não estava ainda perto da resposta. Eu tentei fazê-la se sentir melhor.

— Eles sobem os preços apenas para tornar mais difícil para as pessoas.

— Eu acho que você está certo.

— Claro que estou. Eu estou sempre certo. E muito bonito também. —Abri o saco de papel que eu trouxe e desembrulhei o papel branco, revelando
o Reuben que ela queria na semana passada.

— Você foi no Heidelman.

— Sim. — Ou talvez tenha ido a uma franquia do Ben’s Kosher Deli que tomou conta do lugar há dez anos. Mas isso não era importante.

— Eu mal posso esperar para comer. Pode me passar meu estojo com os  dentes?

— Seus dentes já estão em sua boca, Marlene.

Ela levou um minuto e confirmou que eu estava dizendo a verdade com um toque da unha no dente da frente. Mesmo que sua mente estivesse em todo lugar, seus dentes eram quase sempre uma conversa semanal.

— Yasmin  veio me ver um dia.

— Isso é bom.

— Sim. Ela me disse o que fez.
Eu não fazia ideia do quê.

— Ah, sim. O que foi? Eu não consigo acompanhar todas as coisas que Yasmin  faz.

— A piscina. Você sabe. Vocês dois deveriam ter vergonha. Da próxima vez, a polícia não vai ser tão boazinha.

Ela nunca deixava de me surpreender como conseguia se lembrar claramente de alguma coisa que aconteceu há mais de dez anos, e ainda não se lembrar de onde colocou os dentes há cinco minutos. Era quase como se suas memórias mais recentes fugissem primeiro. Eu esperava que a minha memória do incidente da piscina nunca desaparecesse para mim. Foi a
primeira vez que vi Yasmin nua. E a noite em que percebi que a dor em meu  peito por causa da garota que eu chamava de Yasmin Selvagem me assustava demais. Não era dor. Era amor.

— Foi tudo minha culpa. Yasmin  tentou me convencer do contrário. Ela só pulou o muro para me tirar dali. Eu a joguei na piscina.

Marlene me olhou com ceticismo. Com razão. Ninguém em seu juízo  perfeito iria acreditar que Yasmim quer ser convencida a fazer qualquer coisa imprudente. A menina sempre se arriscava, sorrindo, enquanto eu ficava observando, esperando para parar o sangramento, quando ela se machucasse. Essa era a coisa mais bonita sobre ela. E também a mais feia.

— Este é o meu último aviso. Se vocês dois se meterem em mais problemas, eu vou separá-los. Vocês dois agem como um casal de inconsequentes.

Eu peguei metade de seu Reuben e prometi me manter fora de problemas. A ironia era que ela tinha ameaçado nos manter separados, mas,no final, ela foi a única coisa que nos manteve juntos.

Continua...

𝐎 𝐉𝐨𝐠𝐚𝐝𝐨𝐫,𝐑.𝐕Onde histórias criam vida. Descubra agora