Capítulo 25

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              RAPHAEL VEIGA

— Em posição. — Eu acenei com a cabeça. João  tinha criado uma barricada com cones de aviso amarelo em uma seção do chão enquanto secava o lobby principal. Pegando dois deles, corri pelo corredor e deixei-os
a pouco mais de um metro de distância um do outro. — Nada de errar passes ou então a bola vai para a minha enfermeira favorita, Nina. — Eu pisquei para Nina, que balançou a cabeça enquanto sorria. — Nina usa
avental com pequenos jogadores de futebol aos domingos. Você os usou neste domingo, Nina?

Ela riu.

— Claro que sim. Tinha até os brincos combinando.

— Viu isso? Estou pensando que eu não deveria mesmo lhe dar a chance de ganhar essa bola, meu velho. Você usa brincos de futebol?

— Basta jogar a bola já, caramba. — João  deixou cair o esfregão e correu em direção aos cones.

Por meio segundo, considerei lançar a bola sobre a cabeça para que ele a perdesse, então me lembrei que ele provavelmente passou o domingo jogando damas com Marlene enquanto torcia por mim, então arremessei a bola para uma captura fácil em sua direção.

— Eu ainda consigo apanhar. — Ele agitou o punho enquanto caminhava.

— Sim, você conseguiu, tudo bem. Hemorroidas, artrite...

— Não me lembre. Tive isso também. O seu dia vai chegar. E eu mal posso esperar para ver o rosto de garoto bonito ter alguns bons sinais da idade.

Eu ri.

— Marlene está em seu quarto ou na sala de visitas?

— Acho que ela está em sua suíte. Sua neta bonita está lhe fazendo companhia novamente esta manhã. Eu não vou ter de interceder lá, vou?

Entre a vitória no domingo, que nos colocou em primeiro lugar, e o tempo gasto de comemoração dentro de Bruna na segunda-feira, eu pensei que nada poderia estragar meu humor. É uma merda que eu estivesse errado. Pensei em me virar e ir embora, mas era terça-feira, o dia que eu passava aqui
há anos. Anos durante os quais ela não tinha sequer dado a mínima se sua avó estava viva. Eu estava farto de permitir que ela interferisse em minha vida. Pelo menos desta vez, eu estava preparado para vê-la. Ou pelo menos achava que estava.

Yasmim  se virou quando a porta se abriu, e meu coração parou de bater.

Eu a odiava.

Eu a odiava pra caramba.

— Oi. — Ela sorriu, hesitante, e aqueles grandes olhos olharam para cima por debaixo de seus longos cílios.

Eu te odeio.

Levantei o queixo na direção dela como minha única resposta e caminhei para Marlene.

— Como está minha senhora favorita hoje? — Beijei-a na testa.

— Raphael. Você chegou bem a tempo. Pegue um bloco de papel.

Franzi a testa.

— A Roda da Fortuna está prestes a começar — explicou Yasmim. — Lembra como nós três fazíamos...

Olhei diretamente para aqueles olhos grandes.

— Eu sei quando os programas dela começam. E nós não vamos fazer isso.

Seu rosto brilhante vacilou. Isso deveria ter me feito sentir melhor, mas, em vez disso, causou o oposto.

— Você não quer jogar? — perguntou Marlene.

— Eu vou sentar e ficar fora deste.

Marlene pareceu desapontada, mas, no momento em que Pat Sajak apareceu na TV, seu rosto se iluminou de volta. Se ao menos todos nós tivéssemos algo que fizesse tudo ficar bem, mesmo que apenas por poucos
minutos...

Roubei um olhar fugaz para Yasmin. Ela costumava ser a minha Pat Sajak. Quando o primeiro enigma começou na TV, as duas entraram em um túnel do tempo. De volta aos tempos em que nós três sentávamos no grande sofá coberto de plástico da sala de Marlene. Tínhamos que escrever as nossas
escolhas antes que os competidores mostrassem a deles e manter o controle
de quanto nós ganhamos se eles adivinhassem a nossa carta. O que Marlene não sabia era que Yasmin e eu tínhamos secretamente jogado com favores sexuais. Quem ganhasse mais no final do show tinha que fazer tudo o que o outro estava no clima naquela noite. Na maioria das noites, deixei Yasmin vencer, apenas para que eu pudesse ouvi-la me dizer o que ela queria que eu fizesse com ela.

Eu te odeio.

Ao som da minha cadeira deslizando abruptamente pelo piso de cerâmica, Yasmin  deu um salto.

— Banheiro. — Foi tudo o que eu disse.

Recusando-me a perder o meu tempo com Marlene, fiquei um pouco mais, em silêncio, sentado e tentando evitar qualquer interação real com Yasmim. Quando chegou a hora do almoço, ajudei Marlene em sua cadeira de rodas e a levei para a sala de jantar.

— Eu tenho que ir. Tenho treino esta tarde.

— Vocês dois trabalham muito. — Na mesa habitual, o almoço de Marlene estava esperando por ela.

Tive a certeza de que ela estava confortável e me despedi antes de voltar para sua suíte e pegar meu casaco. Ouvi a porta abrindo, mas não me virei enquanto o vesti.

— Eu fiz cupcakes — Yasmin disse suavemente. — Veludo vermelho com cobertura de chantilly.

Eu olhei para fora da janela.

— Não estou com fome.

Ela deu dois passos em minha direção e parou. Eu podia ver seu reflexo na janela.

— Você quer que eu evite certos dias?

— Faça o que você quiser. Não faz diferença para mim.

Ela assentiu.

— Eu vi o jogo ontem. Sabia que você ainda comemora do mesmo jeito na linha final? Como quando estávamos na escola.

Eu odiava que ela pensasse que sabia muito sobre mim.

Eu a odiava. Ela não sabia nada sobre mim. Tive a certeza de que ela saberia antes que eu saísse pela porta.

— Eu celebrei dentro da minha namorada naquela noite, não na linha final.

Continua...

𝐎 𝐉𝐨𝐠𝐚𝐝𝐨𝐫,𝐑.𝐕Onde histórias criam vida. Descubra agora