Prólogo

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Ponto de vista: Maya

Quinto encontro...

Meu coração pulsava forte. Eu estava transpirando e minha vista não parecia focar algo concreto em absoluto. Isso me deixava tonta.

Avancei, ainda transpirando, até o balcão da recepção e uma enfermeira me observou, colocando uma pasta cheia de papeis em cima dele.

— Por favor, poderia me indicar onde fica a emergência?

Me surpreendeu o fato de eu conseguir controlar o nervosismo que crescia inexplicavelmente no meu peito.

A mulher me fitou com tranquilidade e um meio sorriso amável. Eu tinha plena consciência do meu estado, e ser pega dessa forma, me fazia sentir desconfortável. Mas nem mesmo meu cabelo pegajoso, meu rosto transpirado e o ardor no meu peito pareciam importar naquele momento.

Droga, Bernardo.

Eu lidaria com isso depois. Antes, eu precisava encontrá-lo.

— Como é o nome do paciente?

Engoli em seco. Eu havia pronunciado esse nome inúmeras vezes entredentes ou em alto e bom som, para que ele escutasse. Mas agora, uma ansiedade estranha parecia chutar meu estomago enquanto seu nome saía da minha boca. Traguei o gosto amargo. Eu ia vomitar.

— Bernardo. — A observei ansiosa enquanto ela desviava os olhos para a tela do computador e digitava. — Bernardo Belmonte.

— Box vinte e dois. — Respondeu ainda sorrindo, enquanto pegava novamente a pasta que tinha deixado em cima do balcão e me dedicava um olhar simpático. — Siga o corredor, o encontrará justo antes do último box.

Assenti, murmurando um obrigado enquanto pousava a mão sobre o estomago e tentava a todo o custo frear a ânsia de vomito.

Caminhei pelo corredor perfeitamente branco e estranhamente silencioso passando de Box em Box, observando suas cortinas fechadas enquanto vozes baixas vinham de dentro delas como sussurros.

Parei em frente ao Box vinte e dois e aquela pontada incomoda pulsou uma vez mais no meu peito.

Que diabos...

Neguei veementemente, disposta a livrar-me do que quer que estivesse causando esse mal-estar, e abri a cortina abruptamente.

Havia uma marca roxa no pómulo direito, um corte nos lábios, um pequeno curativo na sobrancelha. Arranhões nas mãos e nas pernas. Sua camisa estava rasgada, os botões estavam abertos. Havia uma faixa branca que cobria toda a extensão entre seu peito e costas. Sua mão esquerda repousava sobre a faixa e somente esse minúsculo gesto parecia pedir imensamente dele.

Me observou um pouco surpreso. Eu não estava em melhores condições. Era como se tivéssemos colidido um com o outro, mas não da forma que costumávamos fazer.

Algo incomodo revirou meu estomago enquanto esse pensamento passava pela minha cabeça.

— Qualquer um diria que correu até aqui.

Eu tinha corrido. Mas não estava prestes a admitir isso, nem que isso valesse a minha vida.

— Quem seria insano de fazer algo assim quando a temperatura dessa cidade compete com a do inferno lá fora?

— Eu seria.

Senti como se o ar faltasse por milésimos de segundos. Dessa vez, não era o mal-estar, o que me fez sentir ainda pior.

Desviei os olhos dos seus. Essa era mais uma das mil coisas que eu não admitiria. Que ele fosse exatamente tudo o que diziam por aí... E que fosse muito mais que isso.

— Querido, o medico disse que...

Girei-me rapidamente em direção a cortina do Box e vi sua mãe parada na frente dela, ainda com um terninho do trabalho, uma bolsa e um celular na mão. Sorriu com educação ao me ver e se desculpou, enquanto entrava e seguia em direção ao filho.

— O medico disse que assim que eu terminar de preencher uns papeis podemos ir. Precisara ficar de repouso por alguns dias, mas não tem nada quebrado. Conversaremos sobre isso em casa, ok?

Voltou a me encarar sorrindo e se desculpando pela pressa, observando rapidamente que eu usava o mesmo uniforme da escola de Bernardo, enquanto deixava a bolsa na pequena cadeira ao lado da cama e voltava a sair, levando o celular consigo.

Eu não conhecia muito sua família. Não conhecia mais que de vista seus amigos. Eu não queria fazer parte de nada disso e, por algum tempo, eu consegui.

Eu não queria estar ali, mas não pude evitar. Por isso tinha tentado manter a distância. Porque ele era mais do que diziam, e isso era assustador.

Me observou estreitando os olhos, enquanto o silencio se prolongava. Não era um silencio incomodo. De alguma forma, aprendemos a lidar com ele sem saber. Seus olhos castanhos eram tão claros, que mesmo na luz precária daquele lugar era possível ver através deles. Se não fossem os arranhões e machucados visíveis, ninguém acreditaria no que tinha acontecido. Os fios pesados, castanhos e lisos do seu cabelo ainda caiam sobre seu rosto de forma quase harmónica. O que quer que tivessem tentado fazer para que desaparecesse minimamente essa falta de ar desconcertante que ele causava, não havia funcionado.

Eu ainda não podia respirar.

— Por que fizeram isso? — Perguntei, enquanto observava os machucados no seu rosto.

— Ela tem namorado. — Respondeu quase despreocupadamente. — Ele não ficou muito feliz ao me ver.

Assenti, enquanto aquela sensação amarga no estomago incrementava de forma quase insuportável.

— Vamos parar com isso. — Respondi desviando os olhos do rosto dele. Ver o que tudo aquilo tinha causado só fazia piorar aquela sensação desconhecida dentro de mim.

— Pode ser mais especifica?

Voltei a encará-lo sem entender a pergunta.

— Você já sabe... você não precisa mais fazer isso.

— Não isso. — Engoliu em seco e, por breves segundos, desviou os olhos dos meus. — O que vai acontecer com a gente quando eu parar?

Fitei-o sentindo que o ar faltava novamente dentro daquele lugar apertado.

Agora, por muito mais que alguns milissegundos.

Por algum motivo, eu já não sabia como voltar a respirar. 

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