Ponto de vista Margot (Capítulo Bonus)
Caminhei no laboratório vazio, observando frascos e experimentos não terminados, enquanto uma imagem martelava na minha cabeça sem que eu soubesse o por que e sem que eu pudesse fazer nada para impedir.
Os intervalos no refeitório depois que Bernardo e Maya tinham assumido o namoro não eram exatamente como antes. Nossa mesa agora pertencia não somente a nós duas, mas também a Bernardo e seu pequeno e seleto grupo de amigos. Grupo ao qual seu melhor amigo de infância fazia parte.
Matheus era reservado. Geralmente mal-humorado e um nerd do mesmo calibre que Maya. Contudo, naquela semana esse silencio começou a me incomodar de uma forma que eu não conseguia explicar.
Seus incontáveis suspiros impacientes e seu desespero por estar em outro lugar no dia em que o encontrei na agência, não saiam da minha cabeça. E, de repente, eu comecei a encaixar as peças.
— A aula será no outro laboratório hoje. — Escutei uma voz atras de mim dizer, e me virei para a porta.
O observei pegar alguns livros encima da mesa e alguns frascos e me observar, como quem se pergunta o que eu ainda estava fazendo parada ali.
Por trás da grossa camada de vidro, seus olhos eram claros e seguros.
— Eu sei. Só queria ficar em silencio, por alguns minutos.
Assentiu, me observando com um pouco mais de atenção, enquanto escondia um sorriso sarcástico e negava dissimuladamente.
— Também esta sofrendo pela foto de ontem? — Perguntou, e demorei um pouco para entender o que ele queria dizer com aquilo.
Mas logo a imagem de Maya, com a cabeça apoiada no ombro de Bernardo na noite anterior, surgiu na minha cabeça. Os diferentes grupos de fãs dele haviam ido a loucura. Fazia muito tempo que Bernardo não expunha nada sobre sua vida privada, fosse onde fosse.
Eu teria enlouquecido como todas aquelas pessoas. Mas isso foi antes. Agora, ele era o namorado da minha melhor amiga. E eu não era esse tipo de pessoa.
— Não. — Respondi finalmente. Acho que já superei o seu amigo. — Completei, fazendo uma careta e me virando para observar o conteúdo duvidoso de alguns frascos na mesa atras de mim.
— Ótimo. Porque sem distrações, você já não parece tão no mundo da lua.
Me virei para encará-lo, sentindo o sangue começar a ferver. Será que não conseguíamos ter uma conversa civilizada? Deus sabe que eu tentei...
— Eu NUNCA tirei notas baixas na vida.
— Esteve no limite. — Sorriu desafiante, levantando a sobrancelha enquanto me observava bufar.
— Não entendo por que se importa tanto com as minhas notas. — Retruquei, começando a perder a paciência.
— Eu já disse. Estamos destinados a sentar um ao lado de outro até o fim do ano letivo. Estou obrigado a fazer todos os trabalhos com você. Eu preciso manter a minha média. — Desviou os olhos dos meus, encarando um ponto qualquer no chão. O sarcasmo desaparecendo da sua voz. — Preciso que me aprovem uma bolsa integral de estudos para o próximo ano. — Completou.
Ficamos em silencio por algum tempo. De repente, me senti muito estupida e algo desconfortável deu voltas no meu estomago.
— É por causa da situação na sua casa? — Perguntei, um pouco insegura. Não esperei que ele fosse responder. Ele não parecia confortável comigo.
— Sim. Meu pai tinha uma empresa, tudo estava indo muito bem durante muito tempo. Mas as coisas começaram a desandar lentamente e ficamos com muitas dividas. Esse ano a empresa faliu. — Engoliu em seco, colocando os livros e frascos de volta na mesa e caminhando na minha direção, afastando-se da porta, mesmo que estivéssemos sozinhos ali, como quem quer assegurar que ninguém mais estava ouvido. — Minha mãe tem três empregos agora e meu pai está fazendo alguns trabalhos freelancer, alem de trabalhar tempo completo na empresa de um amigo. Eles estão se matando para me manter na ENS, mas eu não posso permitir que deixem de viver para, alem das contas, conseguirem pagar a mensalidade exorbitante dessa escola. Por isso preciso dessa bolsa ou... pedirei transferência para uma escola publica no próximo ano.
Vi como seus sonhos desvaneciam por trás das lentes dos óculos. Matheus tinha um futuro certo. Ele sucederia. Faria grandes coisas, ajudaria a muitas pessoas. E a ENS era uma porta para isso.
Uma porta que se ele tivesse que fechar, talvez custasse seu futuro.
— Eu vou me concentrar mais. — Respondi, e seus olhos encontraram os meus, em dúvida. — Faça a sua parte que eu farei a minha. Serei a melhor dupla de estudo que você terá tido em toda a sua vida. — Assegurei porque eu sabia que podia cumprir o que estava dizendo. Eu sentia que devia.
Concordou, escondendo um sorriso enquanto abaixava a cabeça e voltava a mesa onde tinha deixado as coisas que tinha vindo buscar.
Comecei a segui-lo e o escutei dizer, antes que saíssemos pela porta, em direção ao corredor.
— Fico feliz que tenha superado.
— O que? Nossas diferenças?
— Não. — Respondeu, passando pela porta e seguindo pelo corredor. — Bernardo.

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10 encontros
Teen FictionMaya sempre teve claro o que queria conquistar na vida: ser uma cientista renomada e trabalhar em projetos importantes dentro de grandes empresas pelo mundo. Então, quando finalmente conseguiu ser aceita na melhor escola do Estado, sentiu que faltav...