A escola dos sonhos

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Ponto de vista: Maya

Nos sentamos no imenso refeitório da escola, depois do fim da primeira metade das aulas do dia.

E, mesmo somente depois de algumas horas,  já tinha me dado conta de que havia menosprezado completamente o potencial da ENS. Eu estava em êxtase. A estrutura das aulas, o conteúdo, o material, tudo era ainda muito melhor do que eu tinha imaginado.

Era por isso que eu estava comendo o meu almoço com um sorriso idiota no rosto, enquanto folheava o livro de história, a primeira aula que teríamos depois do intervalo.

Eu queria ler o capítulo antes, para não parecer desprevenida. Queria estar à altura daquela instituição de ensino tão impecável e ...

— Maya? MAYA?

O som da bandeja de Margot batendo na mesa justo a minha frente enquanto ela praticamente gritava o meu nome me fez despertar.

Eu estava segurando um garfo cheio de arroz no ar enquanto observava o livro de história como se fosse a sétima maravilha do mundo.

— Eu já disse que você é muito estranha? — Perguntou, se acomodando a minha frente enquanto fechava o livro e o afastava de mim.

Observei ela colocar o livro longe do meu alcance e suspirei, para logo em seguida abrir um sorriso, enquanto a encarava com entusiasmo.

— Você sabia que as inscrições para o clube de ciências abrirão em breve?

— Pelo amor de Deus, hoje é o primeiro dia de aula. Não tem mesmo forma de você ir mais de vagar?

— As vagas são limitadas! Temos que ficar de olho.

Revirou os olhos, como quem se rende quando fala com um lunáticos, e concordou, enquanto levava um pouco de comida a boca.

— Ok. Você venceu minha pequena nerd. Assim que as inscrições abrirem acamparemos na porta do clube até que nos deixem entrar, satisfeita?

Sorri, voltando a comer a minha própria comida, enquanto sussurrava feliz.

— Estranha, mas você me ama.

Estava prestes a fazer algum outro comentário, enquanto colocava em sua bandeja um chocolate de framboesa que tanto gostávamos como símbolo de agradecimento, quando o ambiente mudou completamente.

Ele parecia segurar a bandeja de comida com mais força que o necessário. Os grupos de alunos, já sentados nas diferentes mesas do refeitório, agora pareciam ter um único tópico sobre o qual falar. Observei que não somente as meninas coravam enquanto ele estagnava, por alguns segundos, no mesmo lugar.

Minha própria amiga a frente parecia ter esquecido completamente como levar o garfo a boca.

Desviei os olhos dela, incrédula, enquanto voltava a olhar novamente na direção da entrada da cantina.

Observei, enquanto ele caminhava em silencio até uma mesa vazia, seguido pelo grupo de garotos com os quais se sentava na sala de aula e que conversavam animadamente, parecendo completamente alheios ao efeito desconcertante que seu amigo parecia causar no ambiente.

— Isso é ridículo. — Comecei a dizer. Mas antes que eu pudesse completar a frase com argumentos, algo ainda mais irrisório aconteceu.

Uma menina magra, alta, pálida e de cabelos longos parou na mesa onde o grupo havia se sentado.

Nesse exato segundo, os múrmuros cessaram. Todos os incontáveis pares de olhos naquele lugar agora estavam prestando atenção na cena.

— Bernardo. — A voz dela denotava seu nervosismo. Ela parecia prestes a colapsar e parecia também armada de coragem ao mesmo tempo.

Vi a surpresa no rosto dele. Os fios lisos do seu cabelo caindo sobre seus olhos, causando distração, enquanto os segundos passavam. A observou quase como quem implora em silencio por algo. Ele não parecia confortável.

Como tinha conseguido sua atenção, a vi relaxar, suspirando fundo enquanto se armava de valor.

— Gostaria que deixasse de ignorar as minhas cartas e me desse uma chance.

Arregalei os olhos sem conseguir acreditar no que estava acontecendo ali. Ela tinha mesmo dito isso? Escutei Margot dar um gemido baixo a minha frente, levando a mão aos lábios como se alguém tivesse se declarado para seu futuro marido, bem na sua frente.

Aquilo tudo era tão absurdo que me pegou de surpresa. Contudo, eu parecia ser a única a achar aquilo, porque todos observavam atentos como se já tivessem visto essa cena inúmeras vezes antes. Quase como se tivessem fazendo suas apostas.

— Sinto muito. — O vi levantar da mesa, deixando a comida intacta na bandeja. — Mas não vai dar.

Enquanto ele saía, vi o peso dos ombros da menina caírem sobre seu corpo enquanto ela corria com passos apressados para longe dos comentários e murmurinhos que voltavam a inundar o ambiente.

Observei enquanto Margot voltava lentamente a atenção para a sua própria bandeja com um meio sorriso nos lábios.

A olhei estupefata.

— Não me diga que você...

Me olhou com os olhos brilhando e eu soube a resposta. Era tinha perdido completamente a cabeça.

— Um dia. — Disse enquanto voltava a comer. — Eu tentarei a sorte.

Cheguei em casa com um misto de sentimentos. Por um lado, eu estava nas nuvens porque a ENS era muito mais do que eu havia imaginado. Por outro, algo começava a me inquietar terrivelmente e esse "algo" não era uma coisa que eu pudesse descartar.

Tomei um banho frio, coloquei a minha roupa mais confortável, fechei a porta do quarto e observei o laptop na cama por breves segundos.

Ainda com o cabelo molhado e a toalha na cabeça, digitei o nome dele no Instagram.

"Bernardo Belmonte"

Poucas fotos. Poucos posts. Uma conta verificada com uma quantidade importante de seguidores.

Na descrição, não aparecia nada mais do que a legenda "Modelo profissional" e um e-mail da sua agência para contato. Era evidente que aquela conta não era administrada por ele, e sim por quem quer que tivesse o poder de administrar a sua carreira.

Os comentários nas fotos variavam entre pedidos de casamento, declarações de amor, conteúdo sexual (esse povo sabia que ele só tinha 16 anos?) e comentários maldosos sobre como era fácil ser famoso com um rostinho bonito.

Abri outra janela no navegador e digitei o nome dele no Google. A descrição do Wikipédia representava basicamente o que eu já havia visto na rede social.

16 anos, modelo, filho único, pais educadores. Participava de desfiles para marcas importantes em passarelas.

Não havia muitas entrevistas ou vídeos disponíveis, além dos trabalhos em desfiles. E nas poucas entrevistas que havia, era quase como se tentasse passar despercebido entre as outras pessoas que participavam.

Franzi a testa enquanto fechava o laptop e deixava o corpo cair na cama.

Eu tinha que descobrir uma forma de que Margot não fosse tragada por esse mundo. Porque o que quer que fizesse parte dele, simplesmente não fazia sentido. 

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