Acabou

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Encarei meu reflexo no espelho do banheiro, notando as marcas violentas daquela noite. Ao abaixar o zíper do macacão industrial preto, recolhido de uma das salas de manutenção dos fundos da mansão Bolsonaro, notei as escoriações e queimaduras espalhadas por meu corpo. Com certa dificuldade, abaixei o restante da peça de roupa que agora descia por minhas pernas até o chão. Um gemido escapou por minha
boca, assim que o tecido grosso escorreu
pelo corte em minha coxa. Quase sem forças, sentei no chão do banheiro, enquanto apoiava na parede fria.

- Me atende, por favor. - Sussurrei ao clicar mais uma vez sobre o nome da policial no telefone celular. - Preciso que saiba.

Naquele instante, o incêndio da mansão
Bolsonaro não era mais um segredo. Equipes do corpo de bombeiro e carros da polícia circulavam atentamente pelas ruas de São Paulo a caminho do lugar destruido. Simone  sendo peça importante do departamento de polícia, com toda certeza, já devia ter sido informada. Sentia meu peito apertar
somente com a ideia de tê-la sofrendo por minha morte, eu sabia o quanto aquilo poderia deixá-la transtornada. A delegada carregava uma intensidade disfarçada por seu jeito descompromissado, que havia ido
por água abaixo a partir do momento que se uniu a mim em um objetivo único.

Vamos, por favor.. - Cliquei mais uma vez
sobre o seu nome na tela do celular.
"Oi, aqui quem fala é Simone Tebet. Eu
não posso atender no momento, mas deixe seu recado."

Eu não poderia deixar um recado, pessoas mortas não deixam recados, pensei. Tentei por mais vezes, todos os celulares, contando com Mailza e Damares, mas nenhuma delas atendeu.

- Inferno! - Exclamei ao afastá lo com força.

Suspendi meu corpo do chão, segurando
em todos os móveis que me serviam de
apoio, para seguir em direção ao interior
do boxe pequeno. Arfei baixinho quando
a água fria entrou em contato com minha
pele, escorrendo pela mesma de maneira
constante, e relaxante. Era bom sentir
algo de temperatura mais baixa depois
de tudo naquela noite. Perdi alguns bons
minutos debaixo do chuvero, enquanto
meus pensamentos trabalhavam em tudo
que eu precisava fazer daqui para frente.
Após o banho, procurei por minhas roupas guardadas em algum cômodo daquela casa alugada. Tratava-se do mesmo lugar que usávamos para armar nossos planos durante a madrugada em que Bolsonaro  dormia.

"Oi, aqui quem fala é Simone Tebet.
Eu não posso tender no momento, mas
deixe seu recado." - soou o telefone celular mais uma vez, arrancando-me um suspiro irritado.

Terminei os curativos em minha perna,
seguido por alguns em meus braços e
outros pela costela. Não era um dos meus
melhores momentos, constatei enquanto
encarava minha imagem no espelho. Com certo cuidado, passei os braços pelas mangas do casaco preto, para em seguida repousar o boné sobre minha cabeça. Após estar totalmente pronta, segui até a pequena dispensa no porão da casa, onde reuni todos os materiais que precisava no interior de uma mochila. Havia roupas, sapatos,
dinheiro e cartões.
 
Onde está isso?! - Exclamei um tanto
apressada, enquanto vasculhava as maletas repousadas na estante de ferro enferrujado.

Aqui!
-
Meus olhos foram de encontro aos
nomes desconhecidos, acompanhado de
nossos rostos familiares. Havia inúmeras
alternativas para uma nova identidade, e
dentre todas elas me familiarizei com uma.

- Katherine Soraya Cooper... - Sussurrei ao tocar suavemente sobre meu rosto impresso na pequena fota

Todos os documentos foram previamente
falsificados em minha última viagem a
Suíça. Enquanto Simone perdia longas
horas no caso Bolsonaro, eu me encontrava em um almoço de negócios com um dos melhores falsificadores do país. Naquele momento, era uma alternativa segura, visto que estava sobre os olhos atentos da delegada, que buscava ansiosamente por seu
culpado. Após guardar tudo que precisava, me vi saindo daquele lugar no interior de uma caminhonete simples estacionada na garagem da casa. Durante o caminho, ouvi as noticias anunciadas pelos locutores de rádio, que atualizavam os possiveis interessados na grande tragédia da mansão Bolsonaro.

Xeque Mate- Simoraya Onde histórias criam vida. Descubra agora