Lembranças

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"Apresento a vocês, nossa mais nova
sócia majoritária e presidente da maior
indústria petrolífera da atualidade.
Katherine Cooper."

Exclamou o mestre de cerimônias quando meu corpo foi banhado por flashes.

Naquela fração de segundos, minha
ascensão ao cargo de presidente das
Indústrias, inicialmente fundada por meu pai, Charlie Cooper, foi o ápice de minha vitória contra Jair Messias Bolsonaro. Depois de longos anos de sofrimento, planejando estratégias perfeitas para um jogo perigoso movido por interesses e vingança, era aqui que eu me encontrava. Soraya Bolsonaro poderia ter morrido queimada ao
lado de seu marido corrupto e assassino,
responsável pelo incêndio criminoso
de seu lar há cerca de oito meses atrás.
No entanto, no mesmo dia em que a
Sra. Bolsonaro deixou seu posto de rainha, designou a coroa para um outro lado seu. Um lado tão inteligente, eficaz e poderoso como o anterior. Afinal, ninguém seria capaz de segurar o fardo pesado daquele reinado, seria? Nenhuma daquelas pessoas, poderiam suportar com tanta frieza o que Soraya havia vivido. Apenas eu, Katherine. E se estiverem curiosos com isso aconteceu; Eu posso explicar em como a mais nova presidente das Indústrias Cooper havia nascido, ou melhor, ressurgido.

"Me contorci lentamente, arrastando-me
sobre o assoalho escuro, sentindo aquela
pontada aguda na parte superior de minha costela, acompanhada do ardor em minha coxa esquerda. Um gemido de dor escapou de meus lábios, enquanto me esforçava para manter meus olhos abertos. Naquele imóvel, como se ele não estivesse recebendo totalmente os comandos necessários para me tirar dali. Talvez fosse efeito do medo e do desespero que me dominava naquele
instante, ou até mesmo, a pancada violenta que levei após a explosão do cômodo ao lado. Outro gemido de dor, seguido pela tentativa falha de me por sentada. Deitei novamente no chão, enquanto tentava focalizar minha
visão que se encontrava turva, embaçada. O clarão das chamas intensas tomava conta do quarto, consumindo todos os materiais ali existentes. O fogo se aproximava cada vez mais, fazendo-me observar atentamente como eu iria morrer. Era desesperadora a
sensação de ver a morte tão de perto, e não poder fazer nada para impedir.

- Não posso morrer...

Sussurrei com dificuldade, quando o ar contaminado me preenchia os pulmões.

- Não posso...

Meu corpo se sacudiu a medida que a tosse violenta me pegou. Eu estava sufocando naquele lugar. Fechei os olhos por breves segundos, ouvindo vagamente o estalar do fogo, sendo ofuscado por aquele zumbido que me deixava quase surda. No fundo de todos aqueles sons, eu ouvi os gritos de
pavor.

Virei meu corpo lentamente para o lado,
sentindo aquela dor insuportável. Minha
mão escorregou sobre a pele de minha coxa, sendo umedecida por um liquido escuro. Ergui a mão trêmula lentamente, dando-me conta da vermelhidão que escorria entre meus dedos até a palma.

Sangue.

- Isso é culpa sua, Soraya.

O homem grunhiu desesperado.

Minha respiração ofegante, fazia com que eu inalasse com mais vontade o ar contaminado daquele quarto. Por mais que minha cabeça trabalhava freneticamente, meu corpo não
parecia corresponder na mesma intensidade. As forças de meu corpo se foram, quando eu mais precisava delas. Me encontrei em desespero. A morte estava ali, vibrante, intensa, aproximando-se de mim de maneira
torturante. Eu estava mesmo morrendo? Era assim que tudo ia terminar?

- Não...

Murmurei, umedecendo meus lábios com a ponta da língua.

Um lado meu dizia que não me restavam
alternativas, eu estava resignada em deixar que o fogo me consumisse por completo. Era para o inferno que eu iria, não? Depois de uma vida regida por sentimentos tão inferiores nada e nem ninguém poderia me salvar agora. Durante todo aquele tempo, imaginei que em algum momento algo poderia dar errado, só não pensava que pudesse ser daquela forma. O jogo da vida havia me conduzido pelo sentimento de ódio e revolta, o meu fim não poderia ser
diferente, poderia?

"Você vai morrer comigo! Vai morrer
comigo, vagabunda."

O homem exclamou, fazendo com que meus olhos se enchessem de lágrimas.

Não eram lágrimas de tristeza, eu não
poderia me ver triste naquele momento.
Minhas lágrimas se resumiam a revolta. Eu iria cair, mas levaria o causador de tudo comigo.

- Você vai para o inferno comigo..

Sussurrei baixinho, mesmo sabendo que ele não poderia ouvir.

- Não pode lutar contra mim.

Murmurou mesmo em meio a um gemido de dor.

Eu fxei os olhos no teto, vendo o fogo se
espalhar cada vez mais. Ele se expandia em uma rapidez que me deixava completamente apavorada. As labaredas cresciam até o teto de gesso que ameaçava desabar por completo sobre nossas cabeças a qualquer momento. Os ruidos se intensificavam, dando sinais claros que, a qualquer momento tudo aquilo poderia desabar. Minha respiração se tornava lenta e cada
vez mais pesada, como se meu corpo
estivesse perdendo as forças. Aquela dor
era insuportável, deixava-me fraca e sem
esperanças para lutar.  Jair Messias Bolsonaro havia me derrubado.

- Como se sente, rainha? Como se sente
morrendo por minhas mãos?

Sua voz soou grossa, e sarcástica. Ele iria morrer, mas pisaria em mim o quanto fosse necessário antes de partir.

Um único suspiro deixou meus lábios
enquanto minhas mãos se fecharam em
punhos cerrados. Eu o vi se aproximando. Bolsonaro carregava uma expressão doentia, enquanto se esforçava para atravessar a Suíte com todos seus machucados. Minha respiração voltou bruscamente, fazendo-me fechar os olhos em puro impulso. Eu iria morrer.

- Você é fraca! Como Charlie foi!

Gritou.

Aquela pequena frase soou violenta e
intensa, sobrepondo-se a meus pensamentos. Como um tiro certeiro, provocando aquela dor imensurável por sua perfuração, mas diferente de todas as outras dores, aquela não me atingiria de uma maneira ruim. Pelo contrário, as palavras proferidas por Bolsonaro
vieram como um surto de adrenalina, e era somente isso que me faltava. Meus olhos se abriram em um único ato, fixando-se sobre as chanas vibrantes que consumiam tudo que restava. Ele não iria manchar Charlie com a minha derrota. Virei meu corpo de bruços, apoiando-me com as mãos no piso trêmulo. O fogo estava cada vez mais
próximo, as chamas queimavam sobre os
tecidos, cortinas e carpetes. Rangi os dentes, sentindo aquela pontada de dor em minha coxa. Eu suportei assim que meus olhos foram de encontro ao objeto prateado e reluzente a poucos metros de mim.

- Você não devia me subestimar, Bolsonaro.

Murmurei, arrastando-me pelo chão.

- Você está acabada, Soraya.

Ele riu ironicamente.

- Dessa vez o seu jogo acabou.

Dizem que momentos antes da morte
sua vida passa como um filme diante de
seus olhos. Desde o primeiro instante até
o último. Eu não sabia se aquele seria finalmente o meu momento de partir. Mas no interior de meus pensamentos toda minha trajetória passou como um flash. Minha chegada no orfanato, minha união com Damares, meu primeiro encontro com Charlie. Seu sorriso largo, acompanhado de seus olhos claros se materializaram em minha mente de maneira tão nítida, que eu poderia
jurar tê-lo visto. Você consegue, Soraya,
disse ele. No entanto, sua expressão tão
alegre e viva, se transformou em um rosto melancólico, opaco, morto. Trazendo consigo os olhos malignos do homem a poucos metros de mim. Aquela sensação de revolta inflou meu peito, arrancando-me o fio de felicidade que se instalou em meio àquela desgraça. Eu abri os olhos, voltando aquela realidade violenta que nos cercava. Minha
respiração pesada bombardeava meus
pulmões, assim como meu coração emitia fluxos intensos de sangue pelo meu corpo. Por alguns segundos, as imagens de Simone se fixaram em minha cabeça, lembrando-me de tudo que ainda poderíamos viver.

- Simone...

Sussurrei, arrastando o dorso da mão para limpar o sangue que escorria
próximo a minha boca.

Xeque Mate- Simoraya Onde histórias criam vida. Descubra agora