14. A culpa.

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As coisas estavam indo de mal à pior.

A fome e a sede que antes já eram um grande problema, tinha se tornado tão presentes nas nossas vidas que ninguém tinha mais força para nada. Inclusive, já faziam alguns dias que não encontrávamos nada para comer e até as minhocas estavam escassas.

Eu estava péssima, é claro. Não era porque eu não sentia a dor no estômago pela fome que os outros sintomas como visão escurecendo, fraqueza e irritação não me atingiam. E isso estava me deixando possessa. Porque, uma vez que eu não conseguia ficar em pé por mais de dez minutos sem vomitar ou cair, todos ficavam atrás de mim tentando me ajudar e me proteger, sendo que o que eu queria era poder ajudar eles.

Eu me sentia uma inútil e odiava me sentir assim.

- Eu vou sair com você. - Disse para Daryl quando ele passou por mim com sua besta empunhada, pronto para ir caçar.

- Não. - Daryl respondeu duramente. - Você vomitou duas vezes ontem. Eu não vou ficar com você por aí sabendo que você pode desmaiar e quebrar o pescoço em alguma pedra.

- Ótimo. Então eu vou sozinha. - Dei de ombros e saí andando, ignorando a visão cheia de bolinhas pretas e as pernas querendo me impulsionar para o chão.

Agora não é hora de ficar fraca.

- Você tá maluca? - Daryl me puxou nada delicado pelo ombro e me fez olhar para ele. - Você não tá em condições de sair. Para com essa síndrome de mulher maravilha e senta em algum lugar pra descansar!

- Eu quero fazer alguma coisa, Daryl. Eu não aguento mais ouvir a Judith chorando de fome, ou a Sasha e a Maggie chorando pelo luto. Nem mesmo você. - Falei em um tom baixo, não querendo que os outros escutassem.

- Eu vou trazer comida pra gente. E você não sabe do que tá falando. - Daryl retrucou. E devido ao tom alto que ele usou, todos passaram a olhar para nós.

- Eu sei que você começou a ir pra floresta sozinho porque não quer chorar na nossa frente. - Retruquei de volta, ainda tentando manter o tom baixo. - E eu não sei direito o porquê, mas sei que você não tá bem pra sair também.

- Isso não é da sua conta!

- Se eu vou desmaiar no meio da floresta também não é da sua conta! - Também não me importei em gritar. Daryl queria uma discussão? Ok. Ele teria uma discussão. - Você não é meu pai, Daryl, e os outros também não são responsáveis por mim. Eu vou tentar fazer algo de útil. Não vou ficar aqui sentada esperando alguém morrer de fome.

- Tá, que se dane então! Você quer arriscar sua vida na floresta? Pode ir, eu não dou a mínima! - Gritou Daryl e eu me surpreendi por não tentar machucá-lo.

Não que eu quisesse feri-lo, de qualquer forma, mas deixar que gritassem comigo era algo que eu nunca aceitei. E a voz louca era pior, ela não aceitava ignorância ou gritaria e também, normalmente, não teria aceitado o modo como Daryl me segurou pelos ombros antes. Então foi surpreendente ver que eu estava bem controlada. Um pouco magoada com as palavras de Daryl, mas ainda assim calma e pacífica.

- O que tá acontecendo? - Glenn se aproximou como o pacificador que era. Ele era um dos poucos que não tinha virado um poço de estresse e por isso servia como a voz da razão. E eu admirava muito ele por isso.

- Nada que me importe ou importe qualquer um aqui. - Gritou Daryl outra vez, gesticulando com o braço e olhando pra mim. - Não somos sua família, não é? Então vai, Alice! Faz o que você quiser. Vai!

- Eu vou. - Respondi duramente e dei as costas, ignorando quando Glenn tentou me convencer a ficar.

Logo no segundo seguinte, pude ouvir claramente a voz de Joel na minha cabeça dizendo o quanto eu estava sendo burra e irresponsável, mas apenas continuei andando.

𝐋𝐞'𝐑𝐨𝐮𝐱 - 𝐂𝐚𝐫𝐥 𝐆𝐫𝐢𝐦𝐞𝐬.Onde histórias criam vida. Descubra agora