Terça-feira.
O sol estava alto. Eu sem forças para me levantar da cama. Quebra luz e cortinas fechadas, não consegui pregar os olhos, rolando de um lado a outro, estava me sentindo pequena, encolhidinha embaixo dos lençóis. Meu celular apitou uma mensagem e agarrada num fio de esperança o alcancei sobre a mesa de cabeceira.
Sol .
"Disse que estava muito doente, mas o chefe tá puto! Dá notícias por favor!"
"Tudo bem. Vou descolar um atestado."
Muito a contragosto me levantei. No espelho o reflexo tosco de um rosto inchado de tanto chorar, olheiras fundas e nariz vermelho de tanto fungar. Fechei os olhos, precisava tirar forças e não sabia de onde para resgatar a mim mesma daquele inferno.
Praguejei por estar me comportando como uma adolescente, coisa que não era há muito tempo.
Primeiro a gente nega, não acredita no que está acontecendo. Depois a gente simplesmente se culpa e começa a culpar o mundo inteiro por cada passo mal dado. Ainda antes de parar de culpar o mundo, vem a fase de sentir muita raiva da pessoa que nem ao menos nos deu a chance de explicar.
E então vem a auto piedade, misturada com indignação, raiva de si mesmo e uma coragem fingida de querer seguir em frente. Mas foi nessa fase que percebi que ela poderia estar sentindo o mesmo, pois eu, da mesma maneira, não lhe dei a chance de explicar coisa alguma e então sem dúvida ela me viu com a Pocah e a coisa seguiu ladeira abaixo.
O fato de ter apenas ido embora me dizia que ela pulou todas as etapas e foi direto para o seguir em frente, e o que eu poderia esperar de uma mulher como ela?
Peguei o resto de dignidade que tinha, respirei fundo e segui até uma Unidade de Atendimento 24horas, consegui um atestado de dois dias, inventei uma dor maluca e pronto, mas estava na cara que remédio nenhum poderia curar aquela dor no meu peito.
Voltei pra casa com o pensamento nas palavras de tio Bento.
"Nunca vi você querer tanto uma coisa".
Foi com essas palavras em mente que entrei na internet, em busca da Helena, ainda que ela seguisse adiante, eu precisava explicar o que aconteceu.
Mas ela havia retirado a página do seu anúncio, no número telefone que tinha, aquela maldita mulher dizendo que o número era inexistente, foi me dando um desespero, medo absurdo de perde-la pra sempre.
Era madrugada quando peguei o carro e fui para o Joá, parei na frente da casa do tal amigo, estava tudo escuro e silencioso, esperei por ela, esperei a madrugada toda, até o sol de quarta-feira me acordar invadindo o meu carro e me chamando pra vida.
Apesar do atestado valido para aquele dia, precisava voltar para o escritório, não havia retornado a nenhuma chamada da Sol que foi até meu apartamento e deu de cara na porta.Precisava pensar com clareza, caralho!
Eu não era mais uma garotinha que perdeu a namoradinha da escola! Eu sabia de todos os riscos e sabia que estava apaixonada por ela. Precisava me recompor ou a ausência da Helena me consumiria por completo.
Sol arregalou os olhos e a boca formou um grande O ao me ver.
- Mas que porra é essa? Vem cá! – me arrastou para o banheiro antes mesmo que eu colocasse a bolsa sobre a mesa – Caramba, eu liguei tanto pra você, fui no seu apartamento... aonde você se meteu? Minha Nossa, que estrago! Tio Bento me ligou, Gil me ligou, até o Arthur me ligou! Tua família tá louca atrás de você.
Seria cômico se não fosse trágico, Sol falando muito, tentando me maquiar, e as lágrimas apenas descendo, sem nenhuma lamentação, apenas elas, que saiam copiosas.
A recepcionista abriu a porta,levou um tempo pra assimilar a cena e avisou de uma entrega para mim.
Primeira coisa que pensei: flores, Helena me procurando para conversarmos, e quão grande foi minha decepção com aquele pequeno envelope pardo com meu nome apenas.
Minhas chaves.
Afundei na cadeira e o ar apenas se esvaiu. Fiquei com o envelope nas mãos sem saber o que fazer. Não havia um contrato que fizesse sentido, as letras se misturavam e me confundiam ainda mais a mente. Não conseguia ouvir nada que Sol falava, não conseguia ouvir nem a mim mesma.
Rodolfo apareceu na minha frente, falando suas bobagens devidamente ignoradas, se retirou, percebi quando bateu a porta e senti que todos me olhavam.
O telefone tocou, no visor seu ramal, mandou que fosse até sua sala.
Sinceramente, eu não sei o que ele falava, só via sua boca se mexendo com arrogância e minha mente só pensava que... eu perdi a Helena , perdi a única pessoa que amei.
Rodolfo ficou esperando uma resposta e não sei, estava tão sem paciência pra ele.
- Se o senhor está tão insatisfeito comigo, por que não me manda embora?
Sol ficou me olhando sem entender a minha cara, era um misto de alívio com as mesmas lágrimas de antes.
- E aí?
- Fui demitida
- O que?
Graças a Deus. Vou pra casa.
- Aviso prévio?
- Indenizado. Melhor assim, Sol , agora aquele filho da puta pode colocar um parente dele no meu lugar, o que vem querendo fazer há tempos. – Sol me abraçou forte.
- Mas você vai ficar em casa?
- Vou tentar remarcar uma entrevista pra sexta-feira, estarei bem até lá.
Caralho. – Sol coçou a cabeça, tentando disfarçar sua tristeza e seus olhos marejados.
Saí me sentindo livre, tranquila. Já com saudades de ter Sol ao meu lado perturbando minha vida a cada segundo, mas no geral, com toda a dor que a ausência da Helena me causava, me livrar do chefe escroto foi a melhor coisa naquele momento.
Precisava apenas resolver uma coisinha.
A mulher baixinha que atendia pelo nome de Vitória abriu a porta e desanimou em me ver.
- A senhorita...
- Lembra de mim, né?
- Lembro sim... Como conseguiu entrar?
- Deixaram o portão aberto.
- Sei... O que você quer? Ver minha identidade novamente?
- Não.Quero que por favor, Vitória, diga a ela que a amo. Que foi um mal entendido e que a amo.
- Ama quem? – ela parecia confusa.