Poupe suas lágrimas, ficará tudo bem
Tudo que eu sei
É que você está aqui comigo
(Here with me - D4vd): :
A morte é realmente como adormecer, deixar o corpo descansar profundamente. O que incomodava era ter sido enterrado num buraco vertical, dentro de um saco quente e desconfortável. Droga, não pôde sequer esticar o esqueleto naquele meio tempo. Já o trataram melhor antes, o deixando em caixões estofados, com flores perfumadas ao redor, essas coisas todas fúteis que a terra come.
Enfim.
Forçou o punho para cima, não precisava de muito cosmo para isso. Rasgou o saco e a terra acima de si, que caiu por seu rosto. Apoiou-se como pôde pelas bordas e saiu da cova. Saindo de um buraco - como um bebê! - havia nascido de novo.
– Você não podia ter ajudado não, garota? Uma pá teria me poupado um estresse. – diz.
Agathia, que esperava sentada na terra batida de outro túmulo, encarando o céu sem luar com uma expressão vazia, deu de ombros:
– Porque você foi perfeitamente capaz de se desenterrar sozinho.
– Argh, você está um saco ultimamente.
Lucca bate a terra das roupas, e começa a empurrar a terra de volta para o buraco, para não notarem que foi desenterrado.
– Que ceninha tosca você armou. – murmura a moça.
– Mas funcionou. Um dos cavaleiros de Atena está completamente desmoralizado. As pessoas não o vão querer rondando por aqui como ele fazia, e isso é bom pra você. Não deve ficar perto dos cavaleiros, eles podem acabar percebendo que agora você é uma de nós.
– Eu vou voltar para o Santuário.
Lucca curva a sobrancelha.
– Não vai, não.
– Vou. – repete ela – Não me importa essa Guerra Santa, tampouco Hades. Eu quero atingir pessoas muito específicas. Vou voltar e destruí-los por dentro.
– Sozinha você não conseguirá nada.
– Irei tentar o que puder. De toda forma, nós não morremos.
O espectro revira os olhos, talvez tenha sido um erro ter escolhido aquela garota. Ao invés de integrar a energia de sua estrela, ela estava sendo completamente dominada. A estrela da Desolação a controlava, e Agathia não se importava com nada, apenas em dirigir toda sua frustração para as figuras que, em sua cabeça, eram os símbolos culpados de tudo.
– O sangue daquele cretino realmente é perigoso. Irei alertar os outros.
– Faça isso. – concorda ela, e então joga uma máscara de couro para ele, que taparia sua boca e nariz – E use isso para se disfarçar no vilarejo. Não vai ser bom pra ninguém ver um defunto andando.
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O dia amanheceu denso após o incidente na Taverna, e a manhã se arrastou pegajosa e lenta. Selinsa enfrentou sua ressaca muito bem para quem nunca havia bebido tanto, disfarçando-a como uma intoxicação alimentar para que Hasgard não desse uma bronca que ela não estava a fim de ouvir. E quando estava bem o suficiente para caminhar, decidiu ir até a casa de Câncer.
Não queria mais ficar sozinha com suas preocupações quanto aos amigos, e pensava que Manigold poderia animá-la, como sempre fazia. E também era uma ótima desculpa para vê-lo, ela já conseguia admitir isso em seu íntimo. Mas até na casa de Câncer a atmosfera estava cinzenta. Ela encontrou o italiano sentado na pequena mesa da cozinha, onde cartas de um baralho descansavam empilhadas sistematicamente.
– Não acredito que está jogando Paciência. – diz surpresa.
– É bom para pensar.
Ele sabia que ela estava ali desde o momento em que pisou no degrau lá de fora, era óbvio. Com um pé, empurrou uma cadeira para que ela se sentasse.
– Fique à vontade. Já está melhor do seu porre de ontem?
– Não foi tão ruim assim.
– E Hasgard? Como se escondeu dele?
– Eu tenho meus jeitinhos.
Ele a olha, e um resquício de travessura brilha em suas íris. Mas até Manigold parecia abatido nesta tarde. Selinsa soltou um murmúrio contrariado, não gostava de vê-lo assim, sério e sem energia. Acabava de perceber que não combinava nada com ele.
– O que foi?
– É que você está sério demais. Cadê as piadinhas, os "mi fiore", aquela coisa toda?
Manigold soltou uma risada e ela sentiu o coração se aquecer.
– Mi fiore... É que foi uma madrugada complicada. Nós podemos nos divertir desde que não causemos problemas, entende? Estou esperando o momento que o velhote vai me chamar para reclamar sobre isso. Vai ser um saco.
– Está com medo do mestre Sage? – ela o provoca.
– Não é medo – ele nega sem jeito – Mas foi uma situação... tivemos muita sorte de não termos perdido outras pessoas.
— Eu sei — murmura Selinsa, soltando um longo suspiro — Fiquei pensando em Alexia. Ela sempre pensa que dá conta de tudo, mas acho que ainda não tem ideia sobre o poder de Albafica.
— Isso me deixou angustiado também, Seli. — confessa ele — A babbuchi é como uma irmãzinha para mim. E está chegando o momento em que ela terá que iniciar aquela parte do treinamento. Eu me lembro como foi para Albafica... foi quando nos distanciamos.
Selinsa estende a mão para pegar a dele.
— Esse estado de ânimo não combina com você, tá bom? Vai ficar tudo bem. — afirma, olhando-o nos olhos — Ela vai conseguir. Estaremos aqui para ajudá-los.
Manigold assente com um movimento de cabeça. Levanta-se um pouco sobre a mesa e beija suavemente os lábios da veterana, e ao se sentar nota seu rosto vermelho. Ele sorri.
— Obrigado, mi fiore.
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Bastava encostar a ponta dos dedos. Era uma distância curta que não se percorria, um gesto singelo e delicado, que teria a força de uma catástrofe. O bater de asas de uma borboleta se tornaria ou não um furacão? Albafica jurava que sim, mas Alexia queria provar que não. Foi ela quem percorreu a distância e tocou seu indicador ferido para absorver a gota vermelha na ponta do dedo dele. E então riu.
Diante da possibilidade de morte, Alexia ria.
– Não aconteceu nada.
– Não acontece instantaneamente. – falar naquele momento era como levantar um tremendo peso – Iremos fazer isso todos os dias, até que um de nós... seja mais forte que o outro.
– Seremos iguais. – afirma Alexia, limpando o sangue em um lenço.
Albafica não conseguia enxergar outro desfecho para o Elo Carmesim que não fosse a morte, ainda que Alexia insistisse que seria possível. Nunca havia acontecido algo diferente antes, não que ele soubesse. Então só lhe restava pedir todos os dias pela própria morte, essa sim ele estava pronto para abraçar. A vida sem Alexia não, essa seria intolerável.
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NOTAS DA AUTORA
Gente! Eu descobri como usar uma IA para gerar artes para mim e eu to TÃO FELIZ! Olha essa arte que consegui gerar do início do elo carmesim, fala sério! Eu to me divertindo horrores e com muita inspiração criando várias artes do nosso casal que quero postar aqui pra vocês.
Estamos numa parte bem mórbida, o arco mais importante da história e chegando na reta final! Espero que estejam gostando e sigam firmes!
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A Nova Rosa
FanfictionAlexia Cattelan é uma jovem adulta moradora do vilarejo de Rodorio, que ocupa seus dias ajudando os pais com o trabalho de costura, numa rotina interminável. Porém tudo passa a mudar drasticamente após uma entrega na décima segunda casa do Santuário...