E se ao menos eu pudesse
Eu faria um acordo com Deus
E o convenceria a trocar nossos lugares
Estaria percorrendo aquela estrada
Estaria subindo aquela colina
Estaria subindo aquele prédio
Veja, se ao menos eu pudesse
(Running up that hill - Kate Bush): :
Desde que não participasse de lutas corpo a corpo, Alexia ainda estava autorizada a treinar na arena comum. Agora, ela ficava principalmente com Selinsa e treinavam golpes a curta e longa distância. O estilo de luta de Alexia estava cada vez mais parecido com o de Albafica, seus golpes estavam mais firmes e certeiros, era bastante visível seu avanço como aprendiz.
Selinsa atirava pedras com o cosmo, uma habilidade que vinha trabalhando e melhorando. Não era difícil para Alexia se desviar ou estourar as rochas com os espinhos - era assim que chamava as agulhas que aprendeu a moldar com o cosmo. Entretanto, nessa tarde, Selinsa finalmente conseguiu acertá-la, bem no meio da testa.
— Eu juro que não estava mirando aí. — diz a veterana ao estender a mão para ajudar a amiga a se levantar. Alexia gesticulou para que não se aproximasse, um gesto que começava a se tornar comum para si, e se levantou sozinha.
— Então melhore essa mira, que está péssima. — ralhou enquanto limpava o sangue que escorria cortando sua face ao meio. Ia ficar um galo ridículo. — Nessas horas era bom eu usar aquela porcaria de máscara.
— De fato. Desiste?
— Eu ainda estou ótima.
Alexia levantou, e recomeçaram a luta, os golpes tão fortes quanto antes. Selinsa se impressionava com o avanço da amiga, principalmente porque quase dois meses se passaram desde a primeira gota de sangue que havia trocado com Albafica, e ela continuava bem. Não havia perdido o vigor nos treinos, a força, nem toda a tragédia que todos esperavam que começaria a partir dali havia acontecido. Pelo contrário, ela estava em seu auge: ria, lutava e vivia como nunca antes.
Ou como se fosse morrer amanhã.
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Não houve resposta quando chamou por ela, e por isso Albafica foi procurá-la no quarto, tentando acalmar o próprio coração. Vivia com a sensação de que algo fatal aconteceria a qualquer momento. Da porta, observou com ternura que Alexia já dormia. Devia estar cansada da tarde de treinos e decidiu não acordá-la. Entrou com passos suaves e a cobriu com um lençol, ajeitando seus cabelos na cama. Parecia tão serena. Beijou sua testa, agradecendo infinitamente por ela estar lidando tão bem com o Elo Carmesim. Ele quase conseguia acreditar que pudessem mesmo conseguir um final diferente para a história.
Ficou por alguns minutos acarinhando os cabelos dela, e teria dormido por ali, se a cama não fosse tão pequena para dois. Assim, Albafica apagou as velas e foi para o quarto dormir sozinho, infelizmente.
No escuro, Alexia abriu os olhos. Não estava dormindo. Nas semanas que se passaram aprendeu, como a melhor das atrizes, a fingir que estava dormindo, para ficar sozinha à noite. E então poder sofrer sem a vigilância de Albafica.
Na verdade, não fingia só o sono. Andava fingindo muitas coisas, e dissimulava por tanto tempo que às vezes até conseguia esquecer o que sentia de verdade. A dor havia se tornado parte dela, como uma unha encravada, um pêlo inflamado, uma enxaqueca. Por mais que lhe queimasse os pulmões, que doesse para respirar, que alguns dias as pernas vacilassem, que sua cabeça fosse martelada incessantemente e sua visão, por várias vezes, ficasse totalmente escurecida, Alexia continuava agindo como se estivesse em perfeita saúde. Dizia a si mesma que era só por mais um dia, e não havia motivo para preocupar ninguém. Não queria ver Albafica se penalizando e agonizando junto com ela, já era suficiente sofrer sozinha.
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A Nova Rosa
FanfictionAlexia Cattelan é uma jovem adulta moradora do vilarejo de Rodorio, que ocupa seus dias ajudando os pais com o trabalho de costura, numa rotina interminável. Porém tudo passa a mudar drasticamente após uma entrega na décima segunda casa do Santuário...