Kitra
18 anos e uma faculdade, me pergunto o que estou fazendo da minha vida. É final de janeiro, me formei a poucos meses atrás e agora estou voltando da faculdade, após fazer a matrícula de algo que eu tenho lutado tanto. A Psicologia se tornou muito mais do que uma válvula de escape, é como estar tendo a recompensa de algo que tanto desejei, que tanto almejei.
Esperei por quase que minha vida inteira, como se nunca fosse chegar e agora tenho na palma das minhas mãos, como se não bastasse eu mal sei como reagir, apenas sabia sorrir desde que ouvi a moça falar que estava tudo certo com meus documentos e que breve receberia a data do início das aulas. Mal pude conter minha felicidade no caminho de volta pra casa.
- Psicologia, igual a seu irmão.- minha mãe se aproximou colocando as mãos sobre meus ombros - Ele ficaria orgulhoso de você.
Perdi meu irmão a pouco menos de dois anos, Nicolas faleceu em um acidente de carro, ele era formado em psicologia e o ser mais precioso que tivemos a oportunidade de dividir um pouco de nossas vidas. Posso dizer que o dia do acidente foi o mais estranho e doloroso da minha vida, foi como se tivessem arrancado uma parte de mim, me deixando incompleta. Na vida sempre foi nós três, eu, ele e o Victor. Nicolas era o mais velho, o protetor e o que fazia questão de tomar pra ele uma função tão cautelosa desde pequeno, conseguir ser um pai tanto pra mim quanto para o nosso irmão.
Mas, desde que ele se foi, somos só eu e o Victor que tenta ao máximo não fazer com que isso doa. Sobre a ausência do Nicolas, eu sempre lidei disso como só mais uma coisa que eu tenho que saber conviver, na verdade, muita coisa desde que eu o perdi se tornou apenas algo que eu tenha que saber conviver. É estranho falar sobre saudades e sobre como a ausência de alguém dói, as vezes tenho a sensação de que mal consigo viver sem o ter aqui comigo, fico perdida, como se eu vivesse por ele.
Diferente do que alguns pensam, eu não passei a odiar a vida ou querer deixar de viver após a morte de Nicolas. Pelo contrário, a vida se tornou muito mais preciosa pra mim. Meu irmão amava viver, amava coisas que o fazia se sentir vivo, a vida era linda pra ele. Seria injusto eu, a quem ele tanto protegeu e tentou mostrar a parte mais preciosa dela, querer deixar de viver.
Por isso hoje eu consigo ver as coisas de uma forma completamente diferente, por mais difícil que seja conseguir respirar sem ele aqui, é suportável, eu consigo fazer esse sacrifício. Por mais complexo que seja tentar entender a minha dor e a falta que ele me faz, eu consigo lidar até conseguir o ver novamente. Até porque, no final das contas, ele era uma pessoa boa demais pra esse mundo.
- Já contou pro Victor?- ela perguntou me tirando dos meus pensamentos.
- Vou fazer uma surpresa quando ele chegar.- ela me olhou com aquele sorriso de orelha a orelha.
Minha mãe conseguia ser a pessoa mais forte que eu conheço, Nicolas foi o primeiro filho dela, a quem ela aguardou e desejou por tanto tempo. Ela nos conta que sempre quis ter um bebê, Nicolas foi a resposta para suas orações e por mais que eu não seja tão religiosa quanto ela, a sua fé me trazia esperança. Logo depois ela teve o Victor e depois a mim, ela conseguiu construir a vida que sempre quis.
- Também estou orgulhosa de você.- deu a volta na mesa se sentando na minha frente - Você lutou muito por essa vaga, mesmo eu te dando mil opções mais fáceis.- rimos - Você decidiu trilhar seu próprio caminho e por mais que aos poucos você esteja se tornando uma adulta, pra mim sempre vai ser minha bebê.
Os olhos dela brilhavam a cada palavra dita, o que me dava mais a certeza de que estou no caminho certo.
Minha família sempre foi farta, não só financeiramente falando, mas principalmente de amor. Não nasci em berço de ouro mas aos poucos vi minha mãe conquistando o império dela, isso é uma satisfação enorme. Hoje ela tem a própria empresa, constrói o que bem quiser sem tirar a elegância e a humildade de si. Eu só consigo a olhar e ter o espelho do que ser.
- Acho que eu cheguei no momento certo!- Victor falou cruzando a porta de entrada, vindo até nós com aquele sorrisão e com a mala nas mãos.
Victor Hugo é jogador do flamengo, meio-campista. Ele é o que eu tenho como referência no assunto de persistência, sempre quis chegar no profissional e acho incrível como ele nunca tratou o futebol como uma diversão, mas como um trabalho, um desejo de vencer.
- Tenho uma surpresa, você vai gostar. Fecha o olho.- me levantei e ele colocou as mãos na frente dos olhos.
Peguei o papel que estava na mesa, o coloquei novamente no envelope e olhei pra minha mãe, ela balançou a cabeça pegando o celular pra gravar e quando me deu o sinal, eu fui pra frente dele.
- Pode olhar.- ele tirou as mãos do rosto e estendi o envelope.
Victor me olhou ainda confuso mas ao abrir e ler o que estava escrito no papel, deu quase que um pulo de felicidade vindo me abraçar imediatamente.
- Eu sabia que você ia conseguir.- falou meio ao abraço - Que orgulho de você, minha menina!
Como eu disse, ele é minha referência de persistência. Normalmente eu costumo desistir no primeiro sinal mas é claro que meu irmão, a pessoa que esperou anos por uma vaga no profissional sem ao menos reclamar uma vez sequer, não deixaria eu desistir tão fácil.
- Trilhando os mesmos passos que o Nicolas.- disse ainda no abraço e consegui escutar o choro da minha mãe - Seja tão gentil quanto ele. Não esqueça disso.
Pra alguns, ser comparado ou tentar atingir a meta de alguém é como se estivesse se rebaixando. Pra mim, conseguir ser nem que seja cinco por cento do que o meu irmão foi, é uma honra. Então espero mesmo que eu consiga ser tão gentil e profissional quanto ele.
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Sagrado Profano🍷• Gabriel Barbosa
FanfictionEntre taças de vinho, Gabriel e Kitra exploram os limites entre o sagrado e o profano. Ele, acostumado ao brilho dos estádios e à pressão dos fãs, descobre na calmaria de Kitra uma nova forma de se expressar. Ela, por sua vez, enfrenta a imensidão...