Gabriel
Quando se é jogador, por muita das vezes você precisa esquecer que é humano e passar a se tratar como uma máquina. Porque, no final das contas é dessa forma que eles te veem. Você é uma máquina de dinheiro, ao jogar bem, milhões são depositados na sua conta, consequentemente na dos outros também. Conquistando a glória eterna te tratam como rei, como alguém precioso que trouxe uma joia rara, você chegou no patamar tão desejado desde o começo.
Mas ao mesmo tempo, jogando mal você é o vilão, a quem todos se arrependem de contratar. Você agora é visto como uma máquina quebrada, sendo prestes a ser jogado fora e substituído por outro. Todos os aplausos e reverências que fizeram pra ti, agora se transformaram em vaias e gritos pedindo para que você saia do time. Ou nos menores casos, para que você morra.
Seja bem vindo ao profano, a parte excluída de uma história linda ou de uma biografia de um jogador. A parte mais leve é a da tristeza que sentimos ao perder o mundo que antes, estavam em nossas mãos. A parte mais tranquila é a impotência de não conseguir fazer milhares de pessoas gritarem pela vitória. Até que chegamos ao fundo do poço, onde se tem que sair as pressas de um país que antes te idolatrava só pra garantir que vá conseguir acordar vivo no dia seguinte. Correr como se fosse um fugitivo, como se tivesse matado alguém.
Ou melhor, você matou. Milhares de sonhos e desejos pela vitória do time que faz o coração deles baterem.
- Remédio pra dor de cabeça?- Dhiovanna, minha irmã estendeu uma cartela me entregando.
- Obrigado.- peguei abrindo e engolindo sem ao menos pegar a água que também estava nas mãos dela.
- Toma um pouco, você mal bebeu água hoje.- continuou com as mãos estendidas e eu peguei o copo - Nossos pais estão chegando, mamãe pediu pra você se acalmar.
Eu sobrevivo ao inferno por eles, por cada um deles. Pela minha mãe que desde sempre fez o impossível pela minha felicidade, que me vestiu com sua armadura para conseguir lutar contra o mundo de uma forma mais segura, que calçou meus pés com a melhor chuteira enquanto ela andava descalça. Que mesmo chateada com as minhas decisões, me abraçava e me acalentava quando precisava.
Pelo meu pai, que sempre me mostrou o que é ser forte mesmo quando o mundo está caindo sobre nossas cabeças, que me mostrou o peso que é voltar pra casa sem ter o que comer e dividir somente o resto que sobrou. Quem me mostrou o lado mais difícil da vida, a parte mais dura e a que poucos te preparam. Ele a me mostrou da forma mais cruel possível, me mostrando a realidade. Mas ao mesmo tempo, me fez prometer que nunca seria igual. Quem detesta e repreende minhas decisões, tenta mudar elas.
Pela minha irmã que sempre foi tão doce, tão genuína, que sempre me viu como seu herói. Quem sempre pediu para que eu matasse as baratas ou insetos que ela morre de medo, a quem ela chorava tão sentida quando eu dizia que precisava ir para conquistar nosso império. A quem sempre rezou com toda sua alma para que eu chegasse bem em casa. A quem eu nunca me importei de dar o pedaço maior do bolo ou o último biscoito do pacote.
Isso tudo é por eles, apenas por eles.
- Meu amor, não foi sua culpa, você não joga sozinho.- a voz da minha mãe veio sobre meus ombros juntamente com um abraço.
Por pouco, muito pouco o flamengo não foi desclassificado do brasileirão, necessitamos da derrota de outro time pra conseguir continuar no campeonato. Perdemos um gol de falta, ou melhor, eu perdi, mais uma vez...
- Treine, treinei muito pra na próxima conseguir fazer melhor.- meu pai falou sem ao menos chegar perto.
Como eu disse, ele me mostrou a parte mais dura da vida.
- Valdemir, não acho que essa seja a hora de ser rude com ele.- minha mãe me defendeu.
- Não, agora é a hora certa!- disse e levantei meu olhar para ele - O Gabriel tem que aprender a ter responsabilidade, por pouco, muito pouco não afundava o time...
- Pai, já deu!- minha irmã o interrompeu.
- Deixa Dhio, se ele só tem isso pra me dar, não posso exigir que ele me dê o que não tem.- me levantei ainda o olhando - Eu sou adulto, pai. Não esqueça disso!
Peguei as chaves do carro que estavam jogadas na mesa de centro e saí dali sem ao menos olhar pra trás, conseguia escutar a voz da minha mãe reclamando com ele e o barulho da pisada bruta da Dhio subindo as escadas. A minha parte fria foi herdada pelo meu pai, na verdade, acho que a parte mais rude de um homem sempre é herdada pelo pai. Comigo não foi diferente.
Hoje foi o esporro mais tranquilo que ele me deu, isso porque minha irmã o interrompeu. Como dizem, minha mãe deu a luz á copia dele, então a única que consegue bater de frente com o meu pai sem com que ao menos ele reclame, é ela, até porquê, ele não pode reclamar de alguém que é igual a ele.
Desde que nos mudamos de Santos pro Rio, meu pai acredita que deve ser uma espécie de motivador pra mim, apontando meus erros e acertos. Mas não é como se ele pulasse de felicidade e fizesse uma festa quando eu acertasse, o máximo que ele conseguia fazer é falar um "nada mal", mesmo quando eu estivesse acabado de ganhar uma libertadores nos últimos minutos. Ele não demostra sentimentos tão complexos como a euforia, muito pelo contrário, talvez ele nem ao menos saiba o que é isso.
E até que não é tão ruim, me faz conseguir ser mais forte, me faz dar valor a minhas conquistas e por mais que eu me cobre tanto ao ponto de perder noites, a vitória precisa ter um preço e se o preço for esse, então que eu o pague.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sagrado Profano🍷• Gabriel Barbosa
FanfictionEntre taças de vinho, Gabriel e Kitra exploram os limites entre o sagrado e o profano. Ele, acostumado ao brilho dos estádios e à pressão dos fãs, descobre na calmaria de Kitra uma nova forma de se expressar. Ela, por sua vez, enfrenta a imensidão...