Sagrado Profano🍷• Gabriel Barbosa

15.🍷

Kitra

Tinha chegado na faculdade a um tempo, já tinha tido aula de filosofia e agora estou na de neurociências, até então tá sendo bem tranquilo as coisas por aqui. A sala é bem cheia, por volta de quase cinquenta aulos, ou seja, olhares pra ti por todo o canto.

Por minha sala ser do primeiro semestre, a maioria dos estudantes são jovens e adultos recém formados no ensino médio, não sei dizer se isso é bom, na verdade acredito que uma pitada de pessoas um pouco amadurecidas seria muito bom. Porém, como até agora não tenho sobre o que reclamar, estou gostando bastante.

- Vamos fazer um pequeno intervalo, ok?- a professora disse se sentando.

Me levantei pegando apenas minha bolsa indo pra fora da sala. Mandei mensagem pra Dhiovanna que tinha me falado que iria entrar em intervalo em uns dez minutos. Fui até o refeitório onde tinham algumas pessoas da minha sala, mas pela timidez peguei apenas uma mesa vazia. 

A faculdade é bem grande, é só o primeiro dia e eu já me perdi aqui diversas vezes desde que cheguei. Todos os corredores parecem um labirinto, tem alguns becos sem saída e outros tão largos e extensos que dão preguiça de andar só de pensar. A sala da Dhio era um pavilhão de distância da minha, melhor dizendo, cada curso aqui tem seu próprio pavilhão.

Abri minha bolsa na intensão de pegar meus fones mas me dei conta de que os tinha esquecido na minha mesa, me levantei pegando a bolsa e no meio do caminho acabei me esbarrando em alguém.

- Me desculpa.- falei antes mesmo de ver quem era.

- Vê se presta atenção, garota.- eu sabia de quem era aquela voz, ao levantar o olhar tive a certeza.

- Ah, é você.- resmunguei ao ver a Ester - Retiro minhas desculpas.

- Você não muda mesmo.- riu irônica.

- Assim como você.- fiz o mesmo.

- Tá muito abusada pra uma caloura, não acha?- cruzou os braços - Enfim,  parece que estamos estudando juntas.- se aproximou - Como nos velhos tempos.

- Não poderia ser melhor.- ironizei e ela revirou os olhos - Não te vi na sala.

- É porque não estou, sou sua veterana.- se aproximou ainda com os braços cruzados - Seja bem vinda, Kiki. Espero que desista do curso logo.- sorriu.

Eu odiava esse apelido, Nicolas me chamava assim quando ia me buscar na escola para irmos embora. Acabou que todos se acostumaram e passaram a me chamar assim também. 

De início eu não me importava, eu amava quando era somente um apelido carinhoso dele pra mim, mas após as gracinhas infelizes que Ester fazia na escola, eu passei a ter tanta raiva que me dava enjoo só de ouvir ela falar.

- Já eu espero que você termine pra ir embora logo.- fiz o contrário dela - Mas agradeço, Teté.

Nós somos caso antigo. Ester era uma das minhas melhores amigas na escola, desde o fundamental até o primeiro ano do ensino médio, era nós duas pra cima e pra baixo, onde uma estava a outra também estava. Ela teve muitos problemas de socialização, isso fez com que ficasse atrasada nos anos escolares, sempre era a mais velha da turma.

 A Ester sempre foi muito ambiciosa, não gostava de sentir que tinha alguém melhor do que ela, então fazia questão de falar pra todos do tanto que os pais eram ricos e davam tudo que ela queria. Como eles sempre a mimavam, isso realmente não era um problema.

Eu era diferente, minha criação foi bem mais tranquila do que a que ela teve, então por muito tempo eu mal sabia quantos números tinham na conta da minha mãe, pra mim isso era o de menos.

O que me fazia estar perto e gostar tanto da Ester era a forma como ela me tratava, porque por mais ambiciosa que ela fosse, comigo, ela era um amor. Me protegia, me aplaudia e me apoiava. Ela era incrível e nossa relação era tão recíproca e sincera que invejava os outros.

Só que chegamos no primeiro ano do ensino médio, ela passou a conviver com mais pessoas que pensavam e agiam como ela, isso trouxe uma indiferença muito grande pra nós duas, só que ainda assim eu fazia questão de estar ao lado dela. Porém, meu irmão faleceu justamente quando entrei no primeiro ano no ensino médio, ela se afastou completamente de mim, me tratou como uma desconhecida e passou a me olhar com nojo e raiva.

Nunca entendi muito bem essa mudança repentina, até me falarem que um garoto que ela gostava muito na época, tinha comentado com uma de suas amigas o interesse por mim. 

De início ele se aproximou na intenção de me ajudar e passamos a ter uma amizade tranquila, depois de um tempo ficou nítido que ele me olhava diferente, só que eu não tinha intenções nenhuma. Estava destruída, tinha perdido o amor da minha vida, não pensava em nada além disso. 

Uma pena a Ester ter pensado que eu roubei o "namorado" dela, cheguei a tentar me explicar, mas fui tão pisada que eu aprendi que nós duas não valia mais a pena. 

O que eu não queria admitir era que ela era uma das pessoas mais importantes pra mim, eu a amava muito. Infelizmente tive que aprender a esquecer esse meu amor.

- Amiga, não olhou o celular?- ouvi a voz da Dhio se aproximar de nós, assim me dei conta que tinha ficado muito tempo ali.

- Cunhada, não sabia que estava por aqui.- sorriu indo até ela.

- Ah, oi Ester. Tudo bem?- perguntou mas não deu tempo pra ela responder - Te liguei e fiquei preocupada por você não responder.- foi pegando o meu braço me puxando pra sairmos dali.

Ela me levou pra um pouco longe de onde estávamos, antes passei por minha sala pegando meu fone e fomos para uma espécie de jardim. Na verdade, era um caminho com um corredor longo de flores até o real local. Tudo aqui é muito bonito e parece ter sido pensado nos mínimos detalhes.

- Acho que vou surtar, ou melhor, já estou surtando.- ouvi ela resmungar enquanto me sentava no banco, ela continuou de pé andando de um lado pro outro.

- E por que vai surtar?- a questionei cruzando os braços.

- Sabe o meu ex namorado?- eu assenti - Ele é da mesma sala que eu.

- E o quê que tem? Achei que tinham terminado de um jeito tranquilo.

- Tranquilo?- ela deu uma risada irônica- Foi tranquilo até ele arranjar briga com o Victor.

Só assim pude me lembrar e realmente, a briga não foi nada bonita.

- E como pretende contar isso pro meu irmão?- ela me olhou quase que assustada- Tinha esquecido disso, não é?