41.🍷

144 22 1
                                    

Gabriel

- Você quer entrar?- ela disse enquanto colocava as mãos por dentro do moletom.

- Você quer que eu entre?- perguntei, ela somente me olhou sem responder - Acho que isso é um não. 

- Não, é que...- ela iria tentar se justificar, mas como não queria que o clima pesasse, preferi que o assunto se encerrasse ali.

- Tá tudo bem, Kitra.- sorri forçado - Acho melhor você entrar, amanhã já é domingo e você gosta de dormir até tarde.- ela balançou a cabeça mas continuou imóvel, apenas me olhando. Não quis que ficássemos desse jeito, então destravei o carro e quando ela escutou o barulho, olhou para as minhas mãos na chave do carro e tornou a olhar pra mim - Boa Noite, Kitra.

- Boa noite, Gabriel.- sorriu de canto sem graça, virei o rosto pra frente mas quando me dei conta de que ela tinha dado as costas, virei meu rosto novamente a observando entrar dentro em casa. Quando a mesma entrou definitivamente, ainda fiquei poucos minutos parado na porta até ter de fato a coragem de dar a partida e voltar pra casa.

Abri a porta do apartamento e joguei as chaves e tudo o que estava no meu bolso na mesinha de centro, a casa estava limpa e organizada o que me deu a certeza de que Maria tinha passado por aqui mais cedo. Entrei na cozinha e como eu já imaginava, tudo estava pronto, inclusive a mesa que estava cheia de coisas. Não tinha ficado muito em casa hoje, acabei esquecendo de avisar a ela de que não jantaria aqui. 

Por incrível que pareça, a comida ainda estava quente mas de qualquer forma não consegui sentir fome, então só guardei tudo na geladeira e, após isso fui para a adega da casa, peguei um vinho, subi para a sacada e me servi. 

A noite tinha ficado mais fria do que quando eu estava fora, as janelas faziam um barulho quase alto por conta do vento mas por mais incrível que pareça não estava chovendo. Passei a noite toda bebendo e o que era pra ser uma garrafa de vinho se tornou duas, três...quatro.

{...}

- Nós vamos sair hoje a noite, por que você não vai também?- Victor perguntou jogando a minha toalha que por algum motivo estava no armário dele. 

- Não tô muito afim, prefiro ficar em casa descansando. 

- Tem certeza? Vamos beber.- perguntou novamente.

- Não pretendo beber tão cedo.- dei dois tapinhas no ombro dele ainda sentindo minha cabeça doer por conta do vinho da noite passada.

- Não seja chato Gabriel!- encostou na parede e cruzou os braços - Vamos espairecer, ultimamente você anda jogando muito...- me olhou tentando procurar as palavras certas - Nervoso.

- O nome disso é raça, Victor.- falei no mesmo tom que ele - Mas posso pensar.

- Passo na sua casa as oito.- apontou ignorando completamente o meu "pensar".

- Não precisa, me manda a localização que eu encontro vocês lá.- ele assentiu e pegou a toalha no armário indo direto pro banheiro. 

Encarei o celular com a mensagem da Ester e forcei um pouco meu corpo pra trás pra conseguir enxergar a sala do diretor pela janela de vidro. Quando a vi saindo, terminei de me vestir e como já tinha tomado banho, só faltou pegar a mochila. Tranquei tudo e fui pro lado aposto da saída, passei por dois corredores e quando vi um fio de cabelo loiro, parei e esperei ela vir até mim.

- Tá tudo bem?- perguntei mesmo já sabendo a resposta. 

Ela não me respondeu, apenas negou com a cabeça enquanto o rosto - que já estava inchado - ficou ainda mais encharcado de lágrimas. Dei mais alguns passos pra frente e ela me abraçou depressa enquanto afogava o rosto no meu peito. Joguei minha mochila no banco e a abracei também.

Ontem a noite, enquanto eu enchia a cara, a Ester me ligou e me contou algo que eu nunca, jamais imaginaria. A mãe dela descobriu uma traição pela parte do pai e de imediato pediu o divórcio. Acredito que pra alguém como ela, isso deve ser assustador. Os pais estão juntos a anos, sempre foi o modelo de casamento perfeito pra ela, tudo isso deve estar sendo horrível.

Ouvi alguns passos se aproximarem e tudo agora seria suspeito, então peguei a minha mochila e a bolsa dela, enxuguei seu rosto e sem sequer abrir a boca, segurei sua mão e a levei até meu carro. 

Sei que toda essa cena deve ser estranha e até controversa, mas quando eu estava passando por algo semelhante com meus pais, foi ela que me ajudou, seria injusto largar de mão quem não soltou a minha.

- Toma, bebe.- abri uma garrafa de água e a entreguei.

- Obrigada.- disse com certa dificuldade, bebeu um pouco e já iria fechar. Então peguei da mão dela, abri novamente o pouco que ela tinha fechado e coloquei na boca dela aos poucos. Percebei que o rosto dela estava mais inchado do que eu imaginava ter visto, o que entrega que ela passou a noite inteira chorando. 

- Respira fundo e tenta ficar calma pra sua pressão não subir.- falei e ela assentiu concordando.

Quando terminei de dar água pra ela, coloquei a garrafa no canto e desci mais um pouco o banco dela para que a mesma se sentisse mais confortável. Ela se ajeitou e virou o corpo ficando de lado.

- Minha mãe quer que ele saia de casa ainda hoje.- engoliu o choro - O que eu faço agora? Ele é meu pai, Gabriel.- as lágrimas insistiram em cair. 

- E não vai deixar de ser, ele só foi um péssimo marido pra sua mãe.- respirei fundo e limpei a lágrima que caia no rosto dela - Foi isso que você me disse da última vez.

- Seus pais não se separaram.- disse.

- O que foi uma pena.- arqueei a sobrancelha - Só há valorização na perda, se minha mãe tivesse deixado o meu pai, talvez hoje ele não fosse como é.- respirei fundo e cruzei os braços - Você é uma boa filha, seja paciente e espera a decisão definitiva deles.

Ela não disse mais nada, apenas concordou com a cabeça e em êxtase olhando para qualquer canto do carro. Não posso mentir, fiquei com pena dela, os pais casados e juntos era a coisa que ela mais se orgulhava em ter era como se fosse a única parte da vida dela que ela não abria mão.

Eu e a Ester podemos não dar certo em diversas coisas, mas o que é inegável é que nós somos iguais, talvez por isso a gente acabe recorrendo um ao outro quando coisas como essas acontecem.

Sagrado Profano🍷• Gabriel BarbosaOnde histórias criam vida. Descubra agora