O ginásio estava cheiro na hora da pausa, porque todo mundo parecia curioso para assistir o campeonato de xadrez. Não era algo comum na minha escola e nunca tínhamos tido algo assim ali. A quadra de futsal estava ocupada com mesas cheias de enxadristas, além de uma maior, que parecia ser onde eles marcavam os vencedores e organizavam as próximas partidas.
Me sentei em um lugar sozinha, olhando cada uma das mesas com atenção, até encontrar quem eu estava procurando. Torci os lábios em um sorriso torto, antes de negar com a cabeça ao ver o quanto ele parecia concentrado, analisando cada jogada que ele ia fazer, assim como as que o outro rapaz fazia. Não achava xadrez algo tão interessante assim, porque jogos de tabuleiro sempre soaram chatos na minha opinião. Mas Léo os fazia parecer interessante.
Demorou uns poucos minutos até o jogo ser finalizado e os dois rapazes se levantarem. Léo apertou a mão dele, enquanto a mulher ao lado da mesa anotava alguma coisa e então dispensava os dois. O observei desviando das mesas com cuidado para não atrapalhar os outros jogadores. Mesmo com as conversas nas arquibancadas, lá dentro da quadra era um silêncio absoluto.
Me levantei e segui até a saída do ginásio, apertando minhas mãos com força quando o vi se encontrar na entrada da quadra com o mesmo cara que desceu do ônibus ao seu lado. Os dois seguiram para a saída juntos, sussurrando um com o outro como duas velhas fofoqueiras.
—Você foi eliminado ou está só roubando tempo? —Questionei, fazendo Léo se virar e olhar pra trás. Tentei ignorar o calor que atravessou meu corpo quando ele abriu um sorriso, como se estivesse realmente feliz em me ver. Uma besteira, depois de eu o ter espantado ontem com uma frase cursa e grossa.
—Eu estou indo muito bem, na verdade. Tenho que esperar os outros jogos terminarem para saber com quem vou jogar na próxima. —Afirmou, dando de ombros, como se não se importasse de fato com quem iria jogar depois. —Você veio me ver.
—Você está jogando no ginásio da minha escola. —Retruquei, vendo o amigo dele franzir a testa, olhando de Léo para mim e depois para Léo de novo, várias vezes. —Seu amigo?
—Animal de estimação. —Léo corrigiu, quase me fazendo rir quando o rapaz olhou pra ele com uma expressão totalmente ofendida.
—Eu estou ouvindo, sabia? —O rapaz ergueu as mãos pra cima como se estivesse indignado, antes de se virar pra mim. —Desculpa meu colega de alojamento, ele é um idiota e mal educado. Sou o Rodrigo.
—Érika. —Falei, soltando uma risada quando ele me fez apertar a mão dele, como se já nos conhecêssemos antes. —Você também veio jogar?
—Só passear. —Deu de ombros, enquanto eu estava observando as sardas nas bochechas delas. —De onde vocês se conhecem?
—Érika é amiga da minha irmã. —Léo afirmou, comprimindo os lábios e olhando ao redor quando Rodrigo olhou pra ele por um momento muito longo, de uma forma que eu quase podia ver as engrenagens do seu cérebro funcionando.
—Espera, então foi ela que você foi ver ontem a noite? —Rodrigo questionou, abrindo um sorrisinho debochado. —Por isso você tava mais faceiro que guri de bombacha nova!
—Ah, ele estava? —Soltei, tanto pela surpresa como pela cara engraçada que Léo fez, como se alguém tivesse o pegado fazendo alguma coisa muito errada. —E quando ele voltou, ele estava feliz ou chateado?
—Érika! —Léo me lançou um olhar tão intenso que senti até meus ossos estremecerem, enquanto minha pulsação disparava. Não desviei o olhar, mesmo com a reação esquisita do meu corpo, porque não ia perder a oportunidade de sacanea-lo.
—Então... —Rodrigo cantarolou uma risada, apontando para a saída atrás dele. —Estou sentindo um clima meio estranho aqui, então vou embora antes que sobre pra mim.
E ele realmente foi embora, me deixando sozinha com Léo, bem ali, na saída do ginásio. Alguns dos meus colegas passaram por nós, lançando olhares curiosos, como se quisessem saber o que eu estava fazendo com um dos rapazes de fora. Fiz cara feia para a maioria que me olhou torto, antes de voltar a encarar Léo.
—Você ficou chateado por eu ter te expulsado do meu quarto, né?
—Já estou acostumado com as suas grosserias. —Deu de ombros, me fazendo soltar uma risada nervosa e cruzar os braços na frente do corpo, porque sentia a sensação de que precisava me proteger dele. —As coisas em relação a sua guarda continuam na mesma?
—Por enquanto sim. Mas meu irmão tem ideia de algo que ele pode fazer pra mudar as coisas. Então eu acho que depende do fato de ele conseguir provar ou não que está certo. —Afirmei, sabendo que era melhor não especificar o que era, mesmo que eu tivesse certeza de que Léo não fosse contar pro meu pai. —Mas até lá preciso aguentar meu pai.
—Acham que ele fez algo por trás dos panos pra ficar com a sua guarda? —Léo indagou, enquanto eu indicava com a cabeça para ele me seguir para fora do ginásio. Não queria falar daquele assunto onde meus colegas poderiam ouvir. Era pessoal demais.
—Além de colocar alguém pra seguir eu e Eduardo quando eu ainda morava com ele? Sim, ele com certeza fez e pode fazer de novo. —Falei, soltando um suspiro de frustração e resignação, porque só queria ver meu pai perdendo pelo menos uma vez. Ele tinha conseguido ficar com tudo que queria no processo de separação com a minha mãe e agora estava ganhando até mesmo nisso.
—Sabe, se ele joga sujo, deveria fazer o mesmo. Não estou falando de tinta em fracos de shampoo, mas jogar de verdade. —Léo afirmou, me fazendo olhar pra ele com as sobrancelhas erguidas, não entendendo onde ele queria chegar com aquilo. —A ideia de ser presa foi uma boa, porque isso poderia provar que ele não tem controle nenhum sobre você, o que foi literalmente o motivo que fez o seu irmão perder, né?
—É, mas...
—Por que vocês não colocaram alguém atrás dele também? Pra ver o que ele anda fazendo? —Questionou, e eu fiz uma careta na mesma hora, parando no meio do corredor vazio e me virando para ele. Léo parou de andar, exibindo uma expressão super confiante, como se aquela fosse uma ótima ideia.
—Eu não tenho dinheiro pra pagar alguém pra seguir meu pai e não acho que o Edu fosse gostar dessa ideia. —Sussurrei, olhando de relance para um dos meus professores que passou no corredor, parecendo ignorar nos dois ali. —Ele é meio que contra qualquer coisa que possa prejudicá-lo nisso, já que o juiz parece não ir muito com a cara dele.
—E quem disse que você precisa pagar? Pode fazer isso você mesma.
—Eu ficar seguindo meu pai? —Soltei uma risada alta com a sugestão de Léo, vendo-o torcer o lábio como se estivesse se segurando para não rir também. —Acredite, a última coisa que eu quero saber é o que meu pai faz o dia todo. Ainda mais ficar seguindo ele.
—Mas você poderia descobrir alguma coisa que possa prejudicá-lo na questão da sua guarda. —Léo insistiu, me olhando quase como se não estivesse piscando e eu percebi que ele estava mesmo falando sério.
—De onde você tirou essa ideia, hein? —Questionei, vendo-o olhar para o lado quando alguém passou por nós, antes de se escorar na parede e se inclinar para perto de mim para falar mais baixo. Fiquei tensa, porque quase podia sentir a respiração dele na minha testa. Não tinha percebido até aquele momento o quanto eu era muito mais baixa que ele.
—Jogo xadrez a minha vida toda. Aprendi a analisar a mente do meu adversário pra vencer. O que ele faz ou deixa de fazer. Quais as suas jogadas mais comuns. A frequência com que ele muda de ideia dependendo de qual jogada eu fizer. —Léo deu de ombros, enquanto eu tentava entender o que xadrez tinha a ver com o meu problema. —Pensa no seu pai como se adversário de xadrez. Você precisa conhecer a mente dele pra vencê-lo. Fazer a jogada perfeita antes que ele faça. Usar as armas dele contra ele.
—Você descobriu ontem que eu não sei nada de xadrez. —O lembrei, erguendo o queixo para encarar os olhos de Léo quando vi algo se iluminar ali, como se ele se lembrasse disso muito bem.
—Que coincidência que eu tenha sugerido te ensinar a jogar xadrez, não é? —Sussurrou, abrindo um sorrisinho com o canto dos lábios, que deixou minha garganta seca, porque ele se aproximou ainda mais de mim. —E eu posso te ajudar com o seu pai.
Continua...
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Todas as ondas do amor / Vol. 4
RomanceÉrika tem uma lista de sobrevivência até os 18 anos. Morar com o pai certamente não está nessa lista. Principalmente depois de descobrir que ele havia traído sua mãe e uma briga pela sua guarda se iniciar, envolvendo até mesmo seu irmão mais velho...