Capítulo 2: Do fundo da grota.

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Leonardo

Desci do ônibus, pegando minhas coisas antes de entrar no alojamento atrás de alguns dos meus colegas e outros estudantes. As portas nos corredores possuíam o nome dos alunos, então bastou eu encontrar o meu pra saber onde iria dormir. O lugar era pequeno, além de eu precisar dividir o espaço com outros seis colegas.

Depois de uma longa viagem de ônibus de Santa Maria pra Floripa, eu daria tudo pra ficar no apartamento da minha irmã, já que ela morava aqui por conta da faculdade. Mas não consegui autorização da escola pra isso. Se eu estava em uma viagem da escola, precisava continuar com eles. Por isso que eu não via a hora desse ano terminar e eu me formar. Menos de seis meses e eu estarei livre.

—Deixem seus pertences no quarto. Os corredores e os quartos tem câmeras. Então nada de brincadeira ou ideias idiotas. —O professor de Ed física caminhou pelo corredor, falando alto o suficiente pra todo mundo naquele andar ouvir. —Depois disso, desçam e voltem pro ônibus. Vamos pro colégio, vocês vão ter seu tempo pro café da manhã e depois os jogos começam.

—Bah, guri, eu só queria mais tempo pra dormir. Precisei acordar praticamente de madrugada pra pegar o ônibus e eles nem vão deixar a gente descansar. —Rodrigo resmungou, jogando a mala em cima de uma das camas de qualquer jeito.

A indignação dele me arrancou uma risada, porque eu também estava morto de sono. Mas duvidava muito que conseguiria dormir se tentasse, porque eu estava mais ansioso do que qualquer outra coisa. Queria ir logo pro colégio onde ia acontecer os jogos, por um motivo bem específico que não envolvia apenas jogar xadrez.

—Eu tô falando com você, sabia? —Rodrigo me deu um soco no ombro enquanto saímos do quarto, me fazendo perceber que eu estava viajando a alguns minutos. Olhei pra ele, erguendo as sobrancelhas enquanto ele puxava os cabelos castanhos encaracolados para trás. As bochechas pintadas de sardas marrons de uma forma peculiar. —Ta pensando no que?

—No fato de que eu quero voltar pra casa com uma medalha de ouro. —Afirmei, e era verdade, mesmo que não fosse naquilo que eu estava pensando no momento. Mas Rodrigo era meu amigo e eu sabia que ele iria me infernizar se soubesse no que eu estava pensando.

—Todo mundo quer, né? —Rodrigo riu, antes de balançar a cabeça negativamente. Subimos no ônibus, pegando o primeiro lugar livre que encontramos. —Menos eu, que só vim nessa viagem pra passear. Acha que a gente consegue fazer o professor levar a gente pra praia?

—Talvez se formos chatos e insistentes ele nos leve. —Dei de ombros, encarando a rua enquanto o ônibus ia enchendo aos poucos de novo. Precisava mesmo sair. Não podia ficar preso naquele colégio ou no alojamento, mesmo que precisasse lutar com o professor para ele me liberar. —Ainda não acredito que o professor deixou você vir, sendo que você nem vai jogar.

—Eu consigo ser bem persuasivo quando quero. —Rodrigo afirmou, antes de abrir a mochila e puxar uma JBL de dentro dela. Soltei uma risada, desviando os olhos dele para a frente do ônibus, onde o professor embarcava. Rodrigo tinha dormido a viagem inteira, mas eu sabia que era questão de tempo até ele puxa aquela JBL, já que ele a carregava por todo lado.

Rodrigo! —O professor Lucas gritou lá da frente quando Rodrigo colocou "do fundo da grota" pra tocar. Todo mundo dentro do ônibus começou a rir, enquanto Rodrigo começava a cantar junto.

Fui criado na campanha, em rancho de barro e capim, por isso é que eu canto assim, pra relembrar meu passado. —Rodrigo ergueu a JBL pra cima quando outros colegas começaram a cantar junto, enquanto o professor caminhava pelo corredor até onde estávamos. —Eu me criei arremedado, dormindo pelos galpão, perto de um fogo de chão, com os cabelo enfumaçado.

Rodrigo? —O professor parou no nosso banco, colocando a mão na cintura, enquanto meu amigo só abaixava o volume da música, em vez de desligar. —Não faça eu me arrepender de ter deixado você vir.

—Só música das boas, professor. —Rodrigo afirmou, fazendo ele negar com a cabeça e soltar um suspiro pesado.

—Preciso que vocês se comportem, pessoal. Esse campeonato é importante. Xadrez não é um esporte que normalmente é levado a sério nas escolas. —Falou, olhando na minha direção, como se soubesse que aquilo era importante pra mim. E realmente era, porque eu amava jogar xadrez desde que meu avô me ensinou quando eu era super pequeno. —Se der algum problema nessa viagem, talvez não conseguimos trazer nenhum de vocês de novo numa segunda vez. E se voltarmos pra casa com algumas medalhas, podemos aumentar as oportunidades pra vocês.

—Bah, professor, desculpa. —Rodrigo desligou a música, e alguns dos nossos colegas soltaram risadinhas baixas.

—Pode ligar a música. Mas quando chegarmos na escola, quero que se comportem. —O professor olhou pra mim, erguendo a mão e apontando na minha direção. —Você é responsável por ele.

—Por que eu? —Questionei, enquanto Rodrigo se engasgava com uma risada, me fazendo dar uma cotovelada nele.

—Porque o amigo é seu e vocês dois vão passar a viagem toda grudados, então você como mais responsável da dupla precisa manter a ordem. —Afirmou, fazendo Rodrigo parar de rir e olhar pra ele indignado, já que eu tinha sido chamado de responsável, diferente dele.

—Viu, vamos passar a viagem toda grudados. —Rodrigo soltou uma risada quando eu revirei os olhos, ligando a música de novo quando o professor se afastou, o que fez a galera começar a cantar mais uma vez. —Eu sei que tu não tem a intenção de ficar nessa de escola pro alojamento e do alojamento pra escola. Aposto que tu já tem outros planos.

—Quero ver minha irmã. —Afirmei, vendo Rodrigo me lançar um olhar cético, como se não acreditasse 100% em mim. Queria mesmo ver ela, apesar de não ser a única. —Se me ajudar a sair escondido hoje a noite, dou um jeito de irmos pra praia caso o professor não permita.

—Jura? —Os olhos verdes de Rodrigo chegaram quase a brilhar quando me ouviu, enquanto aquelas bochechas pintadas de sardas ficavam cheias quando ele abriu um sorriso enorme. —Essa é a minha primeira viagem. Não me sacaneie.

—Eu disse caso o professor não permita. Vamos pedir pra ele antes. Se ele não deixar, eu dou um jeito de nos dois irmos. —Falei, olhando pra rua de novo, vendo que estávamos chegando na escola já. Esfreguei a mão nos meus cabelos pretos, puxando-os pra trás quando senti a euforia crescendo dentro de mim. —Mas precisa me ajudar a sair essa noite.

—Claro que eu ajudo. —Rodrigo me deu uma cotovelada de leve, só pra chamar a minha atenção. —Mas vai me falar o que pretende fazer essa noite?

Olhei pra ele, abrindo um sorrisinho travesso, porque não tinha a intenção de dividir meus planos com ninguém. A questão é que eu nem sabia direito o que estava fazendo, só sabia que precisava fazer alguma coisa. Tinha passado minhas férias em Floripa, antes de precisar voltar pra casa. Mas agora eu estava de volta e pronto pra mudar o jogo.



Continua...

Todas as ondas do amor / Vol. 4Onde histórias criam vida. Descubra agora