Capítulo 22: Intrusa obrigatória.

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Apertei o jeans da calça, enquanto encarava meus próprios pés. Odiava me sentir exposta, porque parecia que qualquer pessoa poderia me atingir, de qualquer lado. Mas aquela era uma situação um pouco diferente. Eu sabia que ela estava ali para me ajudar, mesmo com minha dificuldade em falar tudo que precisava. Mas o nó na minha garganta era quase insuportável.

A doutora Rafaela era uma mulher bonita e gentil, de pele negra e cabelos trançados. Ela não me forçou a falar em momento algum, me dando espaço para respirar quando eu precisava e me ouvindo quando eu conseguia falar. Mas era estranho, porque eu não estava acostumada com aquilo. Com aquela necessidade de falar pra me sentir melhor.

—Érika, por que não tentamos de uma forma diferente? —Sugeriu, já que eu estava a uns bons minutos em silêncio. —Podemos falar sobre sua relação com cada pessoa da sua família. Começamos com o seu irmão e depois vamos aos seus pais. Se quiser falar sobre outra pessoa, fique a vontade também. Faça o que te fizer se sentir confortável.

—Tudo bem. Pode ser. —Falei, engolindo em seco, porque aquela parecia uma ótima ideia. Não tinha problema em falar do meu irmão. —Minha relação com o Eduardo é o normal esperado para irmãos. Quando a gente morava junto costumávamos brigar bastante. Implicar com coisas idiotas. Mas ele sempre me protegeu e quis o meu melhor. Não tenho qualquer reclamação sobre meu irmão. Ele é melhor do que eu normalmente acho que mereço.

—Por que você acha isso? —Questionou, parecendo confusa com o que eu tinha falado. Apertei meus lábios, puxando o jeans da calça com um pouco mais de força do que o jornal, porque estava me sentindo tão ansiosa naquele momento.

—Nunca vou ser capaz de retribuir tudo que ele já fez por mim. —Dei de ombros, porque era verdade. Eduardo sempre seria o responsável de nós dois. A doutora assentiu, me deixando continuar. —Tem a Camila. A namorada dele. Ela conhece nossa família desde muito pequena, mas foi embora por uns anos e voltou agora. Morei com ela por poucos dias, antes do meu pai conseguir minha guarda.

—E sua relação com ela é boa? —Questionou, e eu confirmei com a cabeça, percebendo que ela parecia mais contente por eu estar falando, mesmo que eu tivesse ido para Camila e não para os meus pais.

—É muito boa. Ela gosta de ler, assim como eu. Nos saímos juntas às vezes. E ela faz muito bem pro meu irmão, o que eu acho ótimo. —Afirmei, ajeitando meus cabelos atrás da orelha, enquanto evitava olhar pra ela. —Tem alguns amigos do meu irmão também, que eu passei a considerar meus amigos com o tempo. Eles ajudavam o Edu a cuidar de mim e me faziam bem. Faziam eu me sentir em casa quando morava com ele.

—E agora você não se sente em casa morando com seu pai? —Questionou, e eu balancei a cabeça negativamente. Vi que ela anotava nossa conversa em um caderninho. Não tinha certeza do que, mas eu esperava que fosse algo que ajudasse na minha guarda. —E o que contribui pra esse sentimento?

—Ele não me quer de verdade naquela casa. Ele só quer saber que venceu em alguma nesse divórcio com a minha mãe. —Afirmei, porque sabia que era aquilo. Sempre foi sobre quem iria vencer no final. Meu pai estava na frente desse jogo desde o início. Eu só queria saber fazer alguma jogada que me colocasse na frente dele. —Eu sou mais como uma intrusa obrigatória do que filha dele.

—E como você se sente com tudo isso? —Questionou, e dessa vez eu hesitei, porque ela tinha voltado ao ponto do início da nossa conversa, que eu havia evitado desde o momento que pisei naquela sala.

Ela me observou por mais uns segundos, fazendo outra anotação naquele caderninho. E aquilo estava começando a me incomodar, porque parecia que ela tinha minha vida toda naquelas páginas, mesmo que eu tivesse revelado muito pouco. Tentei manter a calma, mesmo que por dentro a ansiedade estivesse me correndo como ácido.

—Você falou sobre os amigos do seu irmão. E os amigos da sua escola? Gostaria de falar sobre algum deles? —Indagou, e eu balancei a cabeça negativamente, me sentindo subitamente constrangida.

Não tinha me dado conta do quão deprimente aquilo era. Meus únicos amigos eram amigos do meu irmão em primeiro lugar. Eu só tinha os conseguido por causa de Eduardo, porque eu era um desastre sozinha. Não conseguia fazer amigos verdadeiros na minha própria escola, quando a maioria iria se formar cheio deles.

—Tem alguma pessoa em especial que você gostaria de falar? —Questionou, me instigando a continuar a falar, já que eu tinha ficado em um silêncio completo. Umedeci os lábios com a língua, pensando nas únicas duas pessoa que eu poderia falar sem tocar no nome dos meus pais.

Não conhecia Rodrigo direito. Ele era meu amigo? Não sabia se já podia o considerar isso, apesar de saber que ele muito provavelmente estaria na minha casa hoje a tarde, falando alguma coisa idiotia que me faria rir o restante do dia todo. Mas ele também era amigo de Léo em primeiro lugar. Eu parecia realmente péssima no quesito socializar.

E havia Léo, que eu também não sabia o que dizer. Achava que ele não era meu amigo, depois passei a considerar que éramos. Mas depois da última noite parecia que alguma coisa havia mudado entre nós dois. Não tinha certeza do que era. Sempre que eu pensava, eu lembrava do susto que havia levado quando ele tocou minha bochecha. Era um toque quase carinhoso demais que eu não sabia como lidar.

—Érika? —A doutora Rafaela me chamou, abrindo um sorriso compreensivo quando ergui os olhos para encara-la. Ela parecia saber que eu estava escondendo alguma coisa, mesmo que eu não tivesse a intenção de fazer isso. —Nosso horário já está acabando. Que tal você me contar sobre essa pessoa no nosso próximo encontro? Tenho certeza que vou gostar de ouvir sobre.

—Pode ser. —Concordei, surpresa demais pela hora já ter passado. Não tinha notado o quão rápido o tempo parecia ter passado ali. Aquilo deveria significar uma coisa boa, mesmo com o meu desconforto. Eu conseguia me sentir mais leve, mesmo com o buraco no meu peito.


Continua...

Todas as ondas do amor / Vol. 4Onde histórias criam vida. Descubra agora