Capítulo 4- 1,2,3...

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    ⚡️AVISO DE GATILHO: O seguinte capítulo contém menção a transtorno psicológicos, mais especificamente ansiedade e TOC ⚡️

                  "Você é especial
                    Você é especial pra caralho
                     Mas eu sou uma aberração
                      Eu sou um esquisitão
                       Que diabos estou fazendo aqui?
      Eu não pertenço a este lugar"
                                 - Creep (Radiohead)
 

           
                             🍇🍇🍇
Em setembro de 1995, Julian passou a frequentar a casa dos Almeida Oliveira. Era uma casa grande, um carro popular na garagem, um jardim com uma estátua de um querubim fazendo xixi e grandes janelas brancas. Não eram ricos, mas estavam em uma situação mais confortável que os moradores do bairro dos Souza. Lá não se sentia o cheiro de esgoto. Apenas de comida sendo preparada.

A casa de Eduardo tinha uma pequena TV em cores e um videogame. Os dois ficaram a tarde toda jogando, sem ver as horas passarem.

"Você quer dormir aqui?"

"Não dá, eu teria que avisar meu pai."

"Avisa ele, ué.”

"Que jeito?"

"Telefone, dã.”

"A gente não tem telefone em casa, dã.”

Naquela tarde, Julian foi embora, apesar de  desejar em seu coração que sua situação financeira fosse melhor, que ele pudesse simplesmente fazer uma ligação e avisar que passaria a noite na casa do amigo. Não queria ir.

Assim ele compreendeu o abismo entre os dois.
Eduardo era lindo, com seu pequeno nariz arrebitado,  grandes olhos castanhos e covinhas quando sorria. Ele tinha tudo o que que queria. Ele era perfeito.
Mesmo que Julian quisesse, só conseguiria arranhar a superfície da realidade do outro. Era um intruso ali.

                   🍇🍇🍇

Julian ainda aprendia a lidar com a ausência materna. Sentia que, a qualquer momento, sua mãe passaria por aquela porta da sala, voltando de uma viagem e tudo acabaria, como se fosse só um pesadelo.

Não bastasse a dor e solidão esperados do luto, ainda havia aquela pergunta que rodava em sua cabeça.

Por quê?

Por que fizeram aquilo?

As garras da violência.

Os arranhões na pele de Marta, que foram cravados também no cérebro de Julian.

Toda a agressividade transferida de mãe para filho.

Como se fosse seu corpo o agredido, violado.

Sua cabeça não parecia mais a mesma. Acordava todas as manhãs, se olhava no espelho e pensava sobre o que via. Medo. Puro horror. Medo de acontecer outra vez.

Toda vez que seu irmão demorava para voltar da escola, seu coração apertava. A respiração ofegava. Suas mãos tremiam. Ele não entendia o porquê, achava que estava ficando louco. Depois que José chegava, se acalmava um pouco, mas não por muito tempo. Logo os medos apareciam outra vez.

Pensamentos estranhos começaram a invadir sua mente.

Se existiam pessoas tão ruins como as que fizeram aquilo com sua mãe, quem garantiria que ele também não poderia se tornar mau?

Ele seria capaz de fazer coisas como aquelas?

Tentava contra argumentar com sua própria mente, dizendo que não, ele nunca faria mal a ninguém. Mas depois os pensamentos voltavam e ele sentia a necessidade de se auto afirmar mais uma vez.

Estaria ficando louco? E se, só de ter pensamentos como aquele, significasse que fosse uma pessoa má?

1,2,3...

O amor tem sabor de amorasOnde histórias criam vida. Descubra agora