"Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado"
-Exagerado (Cazuza)🍇🍇🍇
Cheguei em casa e fui direto para o banheiro. Tranquei a porta e sentei na banheira, chorando baixinho, segurando os joelhos contra o peito. Algo parecia rasgar dentro de mim, como se tivesse engolido estilhaços de vidro. Não sabia que algo poderia doer daquela forma.
Não entendia a dimensão de tudo. Por que eu estava chorando assim? Julian era meu amigo e eu deveria estar feliz por ele estar conseguindo se relacionar com outras pessoas. Era um sinal de que sua mente estava melhorando ou pelo menos estável o suficiente para que ele pudesse fazer outras coisas além de praticar suas manias.
Mas eu não me sentia assim. Por quê?
Eu não poderia...
Não, nem pensar.
Eu estava focado em arrumar uma namorada e além do mais...
Além do mais, Julian era feio.
Eu não poderia estar chorando daquela maneira por um feio. Poderia?
A quem eu queria enganar?
Algumas pessoas possuem belezas que podem ser confundidas com feiura do ponto de vista de um observador menos atento, mas os traços que formam o encanto da pessoa estão ali, basta olhar bem. Esse era o caso de Julian. Havia algo em seus olhos e no modo como sorria que o tornava uma pessoa agradável de se admirar. Uma pena que nem todos percebiam aquilo. Nem mesmo ele.
Ri em meio as lágrimas, me sentindo um idiota. Chorava de soluçar. Sentia o ranho escorrendo do meu nariz.
Eu estava mal para cacete.
Por causa de uma pessoa "feia".
Mas foi pelo coração de Julian que eu me apaixonei.
É brega dizer isso? Talvez. Só que é a pura verdade. Ele era tão bonzinho e me tratava tão bem. Me fazia sentir um príncipe.
Não era só tesão. Eu estava apaixonado por Julian Gabriel Souza. Perdidamente. Incondicionalmente.
Eu não queria admitir o óbvio, que só percebi com clareza naquele momento. Era tão claro. Todos aqueles anos e eu nunca tinha percebido. Ou melhor, percebi, mas não queria reconhecer. É claro que eu me sentia diferente em relação aos meninos, mas Julian era... especial. De uma forma avassaladora. Ele me inspirava a viver. Estar com ele me fazia ter vontade de fazer coisas que eu nunca tinha feito antes. Eu seria capaz de pular de bungee jump se Julian fosse junto comigo.
Eu queria fazer todas as pequenas coisas cafonas de casais com ele. Usar uma aliança, trocar presentes no aniversário de namoro, casar, dividir o mesmo teto, ter filhos e o mesmo sobrenome, contar como tinha sido nosso dia, fazer amor sob a luz da lua...
Uma vez, enquanto nós íamos juntos até a sorveteria, encontramos um garotinho de patins sentado no chão, com o joelho ralado, chorando.
Ele se sentou ao lado da criança e começou a contar uma história engraçada para o menininho, enquanto fazia o curativo. Sempre andava com aqueles band aids no bolso.
O garoto logo parou de chorar. Até ria.
Julian seria um ótimo pai. Gostaria de formar uma família com ele. Seríamos os pais mais ridículos e babões da face da Terra.
Você deveria falar isso, idiota.
Era o que minha cabeça gritava.
Nem fodendo.
Eu não ia passar essa vergonha.
Apesar de tudo, eu ainda estava empenhado em construir uma boa reputação para mim. Não queria envergonhar meus pais e sabia que principalmente meu pai morreria se descobrisse algo do tipo.
Foi também a primeira vez que me zanguei com Deus. Se a igreja dizia que o que eu sentia era pecado, então por que Ele já não tinha me feito uma mulher? Tudo seria mais fácil. Talvez assim Julian me olhasse. Aquele pensamento machucava, mas parecia inevitável. Será que ele gostaria de mim? Desejei profundamente que tudo fosse diferente. Amaldiçoei aquela criação que fazia com que eu odiasse a mim mesmo. Invejei a mulher que seria sua futura esposa.
Esse é meu marido, Julian.
Sorri.
Soava tão bem. Como seria bom poder falar aquelas palavras, mas parecia impossível.
Os outros abominavam o relacionamento entre pessoas do mesmo gênero. Até eu já tinha feito comentários preconceituosos antes. O casamento homoafetivo não era permitido.
Diziam que não existia paixão entre dois homens, mas Julian fazia aquilo parecer possível. Ele me fazia acreditar no amor da forma mais pura.
Eu teria que passar por aquela situação sozinho.
Então, fiz o que qualquer pessoa criativa faria.
Peguei um caderno, uma caneta e comecei a escrever sem parar.
🍇🍇🍇
Espero que tenham gostado do capítulo. É, talvez, um dos mais autobiográficos que eu já escrevi (na verdade, o livro todo é basicamente inspirado em eventos pessoais kkkjk)
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O amor tem sabor de amoras
General FictionJulian perdeu a mãe e sente que já não é mais o mesmo. Sua sanidade se esvai enquanto conta números incessantemente. Para manter um pouco de si, se segura em seu melhor amigo, o garoto de grandes olhos castanhos. Eduardo sente algo diferente quando...