Capítulo 8- Vício

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⚠️ AVISO: O capítulo a seguir contém menções a alcoolismo⚠️

Joaquim de Souza sempre bebeu. Desde que se lembrava como gente. Só que algo mudou depois que Marta se foi. O mundo ficou mais frio. Mais vazio. Então ele precisava se aquecer.

Ele trabalhava, voltava para casa, bebia, comia até não mais poder, vomitava e dormia.

Trabalhava, voltava, bebia, comia, vomitava e dormia.

Os filhos já não aguentavam mais limpar vômitos. Foi nesse período que José demonstrou sinais de agressividade. Ele explodia sempre que encontrava o pai bêbado, caído em algum lugar da casa. A consequência eram alguns buracos nas paredes e amassados nas portas. Depois saía sem falar para onde ia e só voltava pela madrugada.

Restava ao menino de 12 anos arrastar o pai até seu quarto e limpar a sujeira.

Passava o pano dez vezes.

🍇🍇🍇

Aconteceu em uma manhã de sábado.

Julian acordou e pegou o pequeno pássaro de debaixo de sua cama, para alimentá-lo.

O que viu, porém, o aterrorizou.

O passarinho, que ele chamava de Pio, estava mole, nem oferecia resistência ao ser tocado.

Em um ato de desespero, pegou um grão de arroz e tentou colocar em seu bico aberto, os olhinhos fechados.

"José", gritou.

O irmão mais velho logo apareceu, seus olhos formando uma interrogação.

"Me ajuda, chama o veterinário"

"Veterinário?"

"É, ele vai morrer"

Sua voz, definição de pura agonia. Os olhos estavam arregalados, a respiração dificultosa.

"Que bicho é esse, Julian?"

A forma de falar calma e controlada do outro, como se aquela não fosse uma situação de urgência, o irritava.

"Não interessa, faz alguma coisa"

José se aproximou e observou o animal em suas mãos por alguns momentos.

"Julian, esse bicho tá morto"

O menino se levantou.

"Não é verdade, por que tá mentindo pra mim? Faz alguma coisa", disse, enquanto desferia socos no peito do irmão.

"Se acalma"

"Faz alguma coisa"

Seu coração batia descompassado.

"Faz alguma coisa"

Uma bola crescia em sua garganta. Logo, os sentimentos tempestuosos molharam seu rosto.

José abraçou o irmão.

"Era só um pardal, tem vários por aí, você pode ter outro"

"Não é verdade", falou, a voz abafada pela camisa do outro, "ele era um só"

Então, ele chorou. Por um longo tempo.

"O que vai acontecer com ele?", Julian perguntou, quebrando o silêncio que havia se instaurado no ambiente, após suas lágrimas secarem.

José não respondeu de imediato. Por sua expressão era possível ver que ele pensava na resposta.

"Bom... ele vai pro céu, é claro. Junto com a mamãe"

"Pro céu?"

"Isso. Quando as pessoas, ou os animais, são muito bonzinhos, Deus leva pra junto dele, pra virar anjos, sabe?"

"Deus?"

"É, Deus"

Julian não sabia o que pensar. Deus era ruim? Por que ele levaria as pessoas? Como alguém bom poderia ter levado sua mãe daquela forma?

"Não sei se acredito nisso"

José deu de ombros.

"Bom, essa é a explicação. São, tipo, os fatos"

O menino não sabia muito bem o que isso queria dizer. Como poderia ser fato? Quem definiu aquelas coisas?

O amor tem sabor de amorasOnde histórias criam vida. Descubra agora