Capítulo 33- Sexualidade

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                      "Todo homem precisa de uma mãe"
                -Todo homem (Zeca Veloso)

                           🍇🍇🍇
Em 2008, Julian e eu continuávamos inseparáveis. Eu trabalhava como professor substituto na escola da cidade em que eu morava. Nós conversávamos frequentemente pelo MSN. Ele estava cursando Design gráfico,  porque disse não ter se encontrado na Geografia e trabalhava numa livraria. Seu tempo ficou reduzido, mas ele sempre mandava mensagem quando podia.

Vi um lírio hoje a caminho do trabalho e lembrei de você.

Sorri ao ver a mensagem. 

Eu assisti Conta comigo ontem. Lembrei de você.

Era o filme favorito dele.

Sei que soa muito meloso, mas era nossa forma de nos comunicar.

Não posso afirmar que meus sentimentos em relação a Julian sumiram, eles só estavam adormecidos, acho, mas eu decidi tentar seguir em frente já que não era correspondido e Julian me incentivou a fazer isso. Quero dizer, o beijo que trocamos aquele dia foi gostoso, mas, independente da minha vontade de repetir a dose, eu tinha prometido que seria uma experiência única. Não queria que ele ficasse desconfortável e sabia o quanto ele temia me magoar. 

Ele, por outro lado, não namorou outra vez depois de Viviane. Eu o perguntei uma vez o porquê e a resposta foi que só não sentia vontade de se relacionar outra vez. Falou que não sentia desejo nem por homens nem por mulheres.

 Acha que sou estranho?

Pensei. Eu não sabia que alguém poderia ser assim de verdade. Julian não cansava de me surpreender.

Não, Julian. 

Você é você. 

Se você for estranho eu também sou.

Esperei enquanto ele digitava. 

Acho que nós somos uma bela dupla de esquisitos.

Me mandou a figura da mulher risonha escandalosa. 

Eu cliquei em chamar a atenção, só para a tela dele tremer inteira. 

Me enviou o homem peidorreiro de volta. 

Sorri. 

Todos aqueles anos e Julian continuava me fazendo rir. Eu o amava por isso.

                           🍇🍇🍇

Levei algum tempo para me abrir com minha mãe. Assim que consegui um tempo para visitá-la,  estava decidido a contar. Ainda não sabia direito como lidar com aquilo, mas tinha certeza de que ela me ajudaria. 

Mamãe melhorou muito depois do divórcio. Estava mais solta. Mais radiante. Mais leve. 

“Mãezinha?”, chamei na porta de seu quarto a noite. 

Meio confusa, acendeu o abajur. De camisola rosa e touca, parecia uma senhorinha. Ri. 

“O que foi?” 

“Eu te acordei?” 

“Não, eu já tava acordada. Vem, senta aqui!” 

Atendi o pedido, me juntando a ela em sua cama.

“O que foi, meu bem?”, perguntou, acariciando minha bochecha. Achava incrível como, mesmo no auge dos meus 24 anos, ela ainda me tratava como um garotinho. 

“Eu quero te contar uma coisa” 

“Pode falar” 

“Mãe…” 

Não sabia nem ao menos como começar. 

“Mãe, eu sou diferente” 

Franziu o cenho, balançando a cabeça. 

“Como assim,  diferente? Por acaso você tem um rabo de cachorro?” 

Sorri. Ela sabia como tornar todas as coisas leves. 

“Não”, respondi, rindo, “não é isso, é que eu… eu não gosto de garotas” 

Pareceu levar um tempo, seu cérebro processando a informação, entendendo do que se tratava. 

“Ah, mas isso eu já sabia, Eduardo!” 

“Já? Como assim?” 

“Oh, meu Deus, é só olhar o seu álbum de fotos desde a época do prézinho. Você sempre foi… você. Eu te pari, Edu, acha que eu não sabia?” 

“Mas teve a Mariana…” 

“A Mariana era uma fachada pro seu pai estúpido e retrógrado. Acha que eu não sabia disso também?” 

Achei que iria surpreendê-la, mas no fim quem estava surpreso era eu. 

“Então a senhora suspeitava?” 

“Eu tinha certeza. Só achei que você nunca ia falar. Meu filho, eu não sou tão atrasada como você pensa. Quando eu era jovem, tive amigos viados e sapatões, eu até já fui numa balada gls.” 

“Lgbt” 

“Como?” 

“Se diz lgbt agora” 

Deu de ombros. 

“Sei lá como fala. Mas eu só queria entender uma coisa, como você percebeu? Porque parece que demorou” 

Suspirei.

“Julian” 

Franziu o cenho outra vez. 

“Quem é Julian? Conheço?” 

“É claro, mãe, o Julian” 

Um brilho passou pelos olhos dela quando a compreensão chegou. 

“Ah, o nosso Julian? O seu amiguinho?” 

“Isso” 

Então, fez uma coisa que eu não esperava. Teve uma crise de riso. 

“O que foi? O que é tão engraçado?” 

“Não é nada, é que…”, disse, recuperando o fôlego,  “ meu filho, que gosto você tem!” 

Sorri. A risada dela era contagiante. Logo nós dois estávamos rindo  juntos. 

Quando paramos, minha barriga doía. 

“Mas olha, se ele gostar de você de volta, saiba que eu dou todo o apoio. Julian é um garoto legal, gentil e te trata muito bem. Sei que você estaria em boas mãos, eu gostaria que fosse meu genro.” 

Sorri.

“A senhora acha que Deus me perdoa?” 

“Perdoar pelo quê? Você matou alguém, por acaso? Roubou ou prejudicou uma pessoa de propósito?” 

“Não”

“Então, pronto, Edu. Acha que ele não te conhecia antes mesmo de mesmo de você nascer? E que ele vai te amar menos por isso? Não tem o que perdoar. Você não deve pedir desculpas por ser quem é. Eu não te criei pra isso!” 

“Obrigado, mamãe. De verdade” 

Adormeci ao lado dela naquela noite, me sentindo uma criança outra vez. 



O amor tem sabor de amorasOnde histórias criam vida. Descubra agora