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 Quando cheguei a mesa de café, meu pai já estava sentado na cabeceira. Anotava alguma coisa no seu celular e bebia uma xícara de café. Seu pão estava pela metade, a sua frente.

– Bom dia, pai. – cumprimentei.

– Bom dia, filhota. – olhou pra mim e sorriu.

– Me diz que temos um belo cappuccino hoje, por favor. Estou em desespero por um. – disse enquanto me sentava a mesa e alisava o estômago.

– Não sei se está aqui, querida. Vê lá pela cozinha.

Peguei uma torrada no prato a minha frente e me levantei de novo. Segui até a cozinha, peguei o pote de mistura solúvel no armário e, quando estava prestes a sair pela porta em direção a mesa de café, ouvi minha mãe adentrar e se dirigir ao meu pai.

– Onde ela está?

– Foi na cozinha pegar o cappuccino... Margo, nós temos que tomar cuidado. Eles mal se conhecem e passaram a vida inteira afastados. Você sabe como nosso filho é, como ele ficou depois de todos esses anos. Será mesmo que é uma boa oportunidade para que eles se aproximem?

– Não tem porque toda essa preocupação, meu amor. Nós demos ao Matheus tudo aquilo que pudemos. Ainda fazemos muito por ele. Do mesmo jeito que fazemos por Lívia. Henrique, não faz sentido que eles sejam da mesma família e não tenham o mínimo de convívio. Para as amigas de Lily, parece até que ela é filha única.

– Eu sei disso, eu sei. Mas lembra da última vez que estivemos em Londres? O que será que Matheus deve ter feito pra voltar pra cá depois de tantos anos? Ele nunca fez questão de estar aqui. Até mesmo Lily deve estar assustada com essa postura repentina dele.

– Querido, ele também é nosso filho. Essa casa também é dele. Ele tem um quarto aqui. Pode vir quando quiser. Por mais estranho que tenha sido nossa última visita, não podemos simplesmente dizer não.

– Tudo bem. Vou confiar nisso. Você tem razão, ele também é nosso filho.

Escolhi esse momento para voltar a sala e ver meus pais com as caras mais icônicas da família. Mamãe tentava esconder sua preocupação com um sorriso besta. E meu pai se escondia atrás de seu telefone. Eu já conhecia aquelas caras. Elas quase sempre vinham seguidas de um problema. Eu já estava ficando mais acostumada com a idéia de ter mais um prato a mesa. Pelo visto, Matt não era tão bom garoto quanto minha mãe tinha me dito mais cedo. Eu não gostava de ouvir essas conversas paralelas dos meus pais, mas também sei que muitas vezes eles omitem o que realmente pensam para que meu conforto seja mantido. E eu não gostava nem um pouco desse mimo.

***

As horas daquele sábado pareciam se arrastar. A chegada iminente do meu irmão parecia distante até que meus pais se enfiaram em seu carro e seguiram para o aeroporto. Eu fiquei em casa, como sempre. Não que eu não quisesse acabar logo com esse mistério todo. Eu queria, muito. Mas nada me faria pisar em um lugar daqueles.

Estava sentada no sofá quando ouvi o carro estacionar no jardim em frente a porta. Minha mãe entrou primeiro, conversando empolgada com alguém atrás dela, que possivelmente não era meu pai, pois o carro agora seguia para a garagem. Me levantei e fui até o corredor, aquilo teria que acontecer mais cedo ou mais tarde. O momento em que apareci foi também o momento que meu pai entrava e fechava a porta atrás de si. Minha mãe estava na frente e sorria nervosa. Entre eles, havia um garoto de cabelos claros, bagunçados como se tivesse acabado de acordar, uns bons quinze centímetros maior que eu. Vestia jeans e uma camisa acinzentada, por baixo de uma jaqueta preta pesada, e de postura muito imponente. Devem ser todos esses anos na Inglaterra, pensei.

Como se lesse meus pensamentos, o garoto levantou os olhos e me encarou, sério. Meu coração entrou em disparada assim que nossos olhos se encontraram. Eu nunca tinha visto um par de olhos castanhos tão lindos como aqueles. Eram uma mistura de chocolate e mel que fizeram meus joelhos fraquejarem. Minha mãe escolheu esse momento pra quebrar o silêncio instaurado naquela casa.

– Matt, esta é sua irmã, Lívia. Lily, esse é seu irmão Matheus. Vocês já se conheceram quando eram pequenos, é claro, mas você era muito pequena para se lembrar, querida.

Engoli seco antes de me aproximar um pouco para cumprimentá – lo. Ele ainda me encarava com aqueles olhos e meus joelhos ainda pareciam gelatina. Me esforcei pra não tropeçar em nada nos cinco passos que dei, o que foi, definitivamente, muito difícil.

– Hey, Matt, fez boa viagem? – acenei e sorri.

Ele demorou um pouco pra responder, como se tivesse ponderando se deveria ou não responder.

– Oi. – disse, acenando com a cabeça.

– Matt está cansado da viagem, não está? Me dê aqui essa mochila, você pode subir pro seu quarto e descansar um pouco enquanto eu ajeito o jantar. Ainda lembra onde ele fica? Lily, pode levar seu irmão até o quarto dele? – minha mãe parecia desesperada por algum tipo de normalidade naquele espaço.

Afirmei com a cabeça, ainda sorrindo, e fiz para que Matt me acompanhasse em direção a escada. Meu pai continuava apenas observando, quieto demais. Segui ouvindo os passos da bota pesada atrás de mim. Quando chegamos ao segundo andar, me dirigi a porta ao lado da minha tão conhecida.

O quarto de Matt sempre foi ao lado do meu, e eu nunca entrei naquele cômodo. Eu sabia que meus pais redecoravam o quarto de Matt toda vez que voltavam de uma viagem a Londres, como se o fato de mudar o quarto para algo mais parecido com o que ele tinha por lá o fizesse mais próximo dessa casa. Girei maçaneta da porta juntamente com meu corpo. Sorri um pouco forçada quando olhei novamente para Matt. Ele passou por mim, largou suas coisas em cima da cama e, antes mesmo que eu pudesse falar mais alguma coisa, chutou a porta, que bateu barulhenta a dois centímetros do meu nariz. Se era assim que ele levaria as coisas, não era eu que iria tentar algo diferente.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora