#29

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Andar por aquele corredor estreito e cheio de fios com pressa, tentando alcançar Matt foi uma das piores experiências que eu podia ter naquele momento. Eu quase caí umas três vezes até chegar a um corredor, dessa vez mais bem iluminado, e dar de cara com a confusão pós show que se encontrava ali. Demorei para passar pela aglomeração de pessoas que estavam circulando como se o apocalipse se aproximasse. Eu nunca seria capaz de entender aquilo, mas tinha uma energia tão forte, tão incrível ali, que eu era capaz de sentir a paixão dele.

Eu via a equipe da banda seguinte andando de um lado para o outro, e alguns organizadores com fones de ouvido enquanto repassavam as informações para quem estava próximo. De alguma forma, eu me entranhei na confusão e passei andando, desviando e me abaixando para não dar com a cabeça em nenhuma daquelas guitarras que subitamente apareciam no alto, enquanto seus donos tentavam alcançar a escada que dava para o palco. Quando eu estava quase me acostumando e mantendo minha habilidade de andar por entre todo mundo ali, meus olhos encontraram quem eu buscava.

Matt estava de costas e conversava com algumas pessoas que eu não fazia a mínima ideia de quem eram. Ao lado dele, estava quem eu acreditava ser Josh. Ele era alto, esguio e segurava um par de baquetas. O braço esquerdo dele era repleto de tatuagens coloridas, que contrastavam bastante com sua pele pálida. Seus cabelos não–tão–curtos ainda estavam ensopados de suor e eu podia imaginar o quanto tocar bateria fazia uma pessoa suar. Matt ainda conversava com a mulher a sua frente quando Josh olhou em minha direção.

Nos encaramos por um segundo, até que ele abriu um belo sorriso e tocou o ombro de Matt. Ele o ignorou e continuou falando. Josh insistiu, cutucando o ombro do amigo cada vez mais forte até que Matt olhasse para ele. Quando Matt finalmente virou a cabeça na direção do amigo, ele apenas apontou as baquetas na minha direção. Os olhos de Matt o seguiram e finalmente encontraram os meus. Eu sorri.

Matt ignorou completamente o que quer que fosse que estavam querendo que ele respondesse e correu como pode até chegar a mim, desviando furtivamente de quem estivesse no caminho. Ele se aproximou, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, envolvi meus braços em seu pescoço, subi na ponta dos meus pés e o beijei. Eu precisava fazer aquilo, eu necessitava dele. Eu tinha que explicar tudo que tinha acontecido, mas antes de qualquer coisa, aquele beijo significava muito mais do que quaisquer palavras que podíamos dizer.

Ele me envolveu com seus braços, e retribuiu o beijo. Eu tinha sentido muita falta daqueles lábios, embora tivessem sido poucos dias. Eu começava a me conformar que eu não poderia mais viver um dia sequer longe dele. Ele colou a testa na minha e nos encaramos por um longo tempo.

– Você ouviu? Você ouviu tudo o que eu disse lá em cima? – ele quase sussurrava, embora o local estivesse incrivelmente barulhento.

– Eu estive aqui o tempo todo... – eu respondi, segundos antes sermos interrompidos.

– Então você é a famooosa Lily, hein? – ouvi uma voz alta, perto de nós.

Matt desgrudou os lábios dos meus e sorriu para o amigo, mas em momento algum suas mãos me deixaram.

– Acho que já passamos um pouco da hora das apresentações... – concluiu Matt, vendo Josh e mais um garoto se aproximarem do grupo.

– Passou mesmo, irmão... Já faz tempo que ela tá na cidade e você sequer levou ela a um dos bares perto do estúdio.

– Lily, esse é Dave. Aqueles dois ali atrás são Josh e Andy. – Matt disse, olhando para mim. – Mas eu duvido que você já não saiba quem eles são...

Eu apenas sorri, concordando silenciosamente com Matt. É claro que eu sabia quem eram. Eu podia não ter visto fotos da banda antes, mas sabia tudo sobre eles bem antes de conhecer Matt. Josh estava com Matt a pouco. Dave era o mais sorridente de todos. Ele era um pouco mais baixo que Matt, mas sua postura era muito mais imponente. Ele tinha ombros largos e os cabelos eram negros, curtos e bagunçados, mas de uma forma que não parecia descabelado. Andy, porém, parecia muito mais novo do que todos eles. Tinha cabelos louros muito claros e compridos. A blusa de mangas curtas deixava aparecer uma tatuagem no antebraço, mas que não consegui identificar o que era.

– Ah, é mesmo. Temos uma fã de carteirinha aqui! – Andy disse, se aproximando de mim e bagunçando meu cabelo, como se eu fosse um mascote.

– Ei! – Matt retrucou – Larga dela!

– Não implica com a garota do Matt, Andy. Você sabe como ele fica só da gente falar dela. – Dave completou.

– Ele fala tanto assim de mim? – disse, finalmente.

– Lily, você não tem noção do inferno que tem sido desde que ele voltou para Londres. Só faltou ele fazer uma camisa com seu nome para usar todo dia. – Josh colaborou na implicância de Dave.

– Acho que já podem calar a boca, não é? – Matt disse, parecendo irritadiço; Eu ri da confirmação explícita que isso era. – Nosso trabalho aqui já está terminado, acho que vou levá–la para casa.

– Mas o último lugar que eu quero ir agora com você é para casa... – eu disse, entrelaçando nossas mãos. Se tinha alguma coisa de que eu precisava fugir agora era de problemas, e eu sabia que se eu fosse agora para casa, eu teria que enfrentá–los mais rápido ainda. para onde quer que os garotos quisessem ir, eu estava topando. Eu faria qualquer coisa para não ir para casa tão cedo.

– Mas não é que essa menina é das minhas? – comemorou Dave. – Vambora, gente. É a nossa vez de mostrar nosso lado da cidade para forasteira!

***

Os garotos me levaram a um barzinho chamado Hell's Gate, que ficava a uns bons quarteirões da arena onde o festival tinha acontecido. Chegamos e logo ocupamos nosso lugar nos bancos do bar. O rock tocava alto nas caixas de som espalhadas por ali, mas o ambiente era aconchegante, todo amadeirado. Não demorou muito para que os frequentadores viessem cumprimentar a banda. É claro que eles eram conhecidos por ali.

A mulher que estava atrás da bancada do bar e atendia os clientes devia ter um pouco mais que os seus 40 anos. Ela sorria pras pessoas e quase sempre parava para conversar com alguém, enquanto servia seus pedidos. Era o tipo de pessoa que era feliz com o que fazia, embora não seja meta de muita gente ter um bar na parte underground de qualquer que seja a cidade. Eu a observei com mais atenção por um tempo, quando ela se aproximou e falou com os meninos.

– O de sempre rapazes? – ela perguntou

– O de sempre para mim, Robbie. – disse Matt. Os outros garotos também concordaram.

Os olhos de Robbie finalmente encontraram a mim, sentada ali bem ao lado de Matt. Ela me encarou por um momento, antes de finalmente falar algo.

– Cinquenta libras que essa menina é a sobrinha da Bea. – Ela se dirigia a Matt.

– Não dá para apostar assim com você. Além do mais, ela carrega todas as características dos Maia. – Matt sorriu, apoiando o braço sobre meus ombros. – Essa é a minha garota, Robbie. Essa é a Lily. Anjo, essa é Robbie. Ela é a dona do Hell's Gate, amiga de longa data da Bea. Foi aqui nesse bar que a L.K.O.L. fez sua primeira apresentação. Um belíssimo desastre, mas conseguimos fazer melhor das outras vezes.

– Muito bom te conhecer, menina! – Ela me cumprimentou – A única vez que tive que ligar para sua tia por conta desse moleque aqui, foi por sua causa. O pior porre da vida dele, com certeza...

– Vocês todos tiraram o dia para me sacanear na frente dela, não é mesmo? – Matt disse, irritadiço novamente. Ele sempre se entregava dessa forma.

Robbie ignorou o comentário de Matt e a risada dos garotos e se dirigiu a mim.

– O que vai querer, querida?

– Uma coca com gelo e limão, por favor – disse, meio sem graça. Eu não fazia ideia do que eles tinham pedido, então não sabia direito como proceder. Matt interveio.

– Eu prometo que eu a trago aqui para experimentar sua cerveja artesanal quando ela tiver batizada para isso, mana.

Enquanto eles bebiam canecas de cerveja, eu me deliciava com uma coca–cola. Não que eu fizesse questão de não consumir álcool, mas aquele dia já tinha sido confuso demais. Eu assistia eles conversando, admirava o quanto Matt estava maravilhoso, e principalmente o quanto ele não se distanciava de mim. Eu sabia que aquilo ali era só uma distração. Nós teríamos um grande obstáculo para enfrentar quando chegássemos em casa, e talvez por isso eu quisesse tanto adiar. Tentava aproveitar o quanto pudesse daquela felicidade instantânea que tínhamos. Ali, a gente estava no que restava de normalidade em nossas vidas. E eu não sabia o quanto isso iria durar.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora