#16

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Eu voltei para casa no piloto automático. Ainda sentia uma dormência por todo o meu corpo quando sentei no carro, que ainda estava parado no trânsito. Devo ter levado muito mais tempo que o de costume para voltar para casa, mas não importava. Eu voltaria para lá e estaria sozinha.

          Matt me fez perceber muitas coisas sobre meu pai que antes eu não enxergava. Eu acreditava que toda aquela imposição quanto aos meus estudos era uma forma de ele cuidar de mim, mas eu estava enganada. Aquilo era meramente uma vontade infinita dele de "dar continuidade a sua prole". Talvez eu fosse mesmo boa para aquilo. Talvez não.

          Com a ausência de Matt em casa, tudo parecia muito vazio. Eu peguei uma latinha de soda na geladeira e a encarei por alguns segundos. Até um mero refrigerante não tinha significado sem ele ali. Ignorei toda e qualquer tentativa de interação com meu pai. Ele tentou falar comigo três vezes, e então desistiu. Minha mãe estava inerte no sofá, olhando fixamente para um ponto do quadro em cima da lareira. Eu nunca a tinha visto assim. Abri a bebida e subi as escadas.

          Eu sabia que o problema da noite passada havia se tornado uma presença estranha naquela casa. Eu podia perceber as estruturas abaladas pela confusão na madrugada. O silêncio da minha mãe gritava isso. Aquilo realmente tinha abalado minha família, de todas as formas diferentes. E eu não fazia ideia do que aquilo poderia representar.

          Eu parei em frente a porta do quarto de Matt. Senti sua voz ecoar mais uma vez dentro da minha cabeça, como se ainda tivesse por ali.

"Eu deixei um presente para você no meu quarto... Você encontrou?"

          Abri a porta e deixei que o silêncio do cômodo abafasse todo o barulho ensurdecedor que permeava minha mente. Olhei mais uma vez para todos os cantos do quarto, buscando o que Matt poderia ter deixado para mim. O quarto já tinha o abafado da desabitação, embora fizessem poucas horas. Fechei os olhos por um momento e mais uma vez sua voz ressoou, dessa vez uma lembrança de uma das finitas noites que passamos juntos, falando besteiras.

"É o lugar perfeito. É tão óbvio que ninguém se dá o trabalho de olhar debaixo do colchão. Esconda lá, e então será um local só seu."

          Andei até a cama e levantei a beirada do colchão. Tive que rir quando vi a jaqueta dobrada sobre o estrado. Ao mesmo tempo que a risada saía, senti uma lágrima descer pelo meu rosto, mas logo a contive. Tirei o casaco dali, e o abracei. Era incrível a importância que uma mísera jaqueta tinha tomado na nossa história. Naquela noite, Matt tinha quase me beijado. Eu tinha me assustado no início, mas agora eu podia perceber que, desde então, o sentimento que aquele momento tinha despertado em mim só crescera. Vesti a jaqueta, que era bem maior que eu, e apreciei o calor que o agasalho me proporcionava. Ele sempre estaria comigo, ele disse. Eu acreditei nisso.

***

Deitei sobre a minha cama bangunçada de qualquer jeito. Coloquei minhas mãos nos bolços da jaqueta, mas senti algo a mais no bolso esquerdo. Quando puxei minha mão de volta, encontrei um rolinho de papel, selado com uma fita vermelha. Refleti por um segundo. Me levantei rápido, tranquei a porta do meu quarto e voltei a me sentar, dessa vez, mais ereta e no canto da cama.

Lily,

Meu anjo, eu sei o que você deve estar pensando. Eu fui embora e nem ao menos me despedi de você. Eu sei que tudo se tornou muito mais difícil desde que eu cheguei a essa casa, então eu estou aqui para te explicar tudo, como eu prometi que faria. Você, depois de ler essa carta, será a pessoa que mais me conhece no mundo.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora