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Matt estava bêbado aquela noite. Eu sabia disso. Mas não havia nada que me tirasse tudo aquilo da cabeça. Minha cama parecia um pedaço de concreto que não me deixava dormir. A semana se arrastava, como se fizesse propositadamente para que eu lembrasse daquele sábado.

Depois de convencer Bianca que eu e Matt não tínhamos qualquer tipo de relação e que dali eu iria direto pra casa, Nick não pareceu se importar com a súbita atenção que começara a receber da garota. Eu sabia que tudo aquilo não ia prestar desde o começo.

Eu peguei minha bolsa e já estava indo embora, mas ouvi Matt murmurar meu nome. Não sabia como reagir aquela voz daquele jeito, o sotaque estava muito mais forte. Eu olhei pra ele.

– Não importa, Lívia. Não vai agora. – ele olhava admirado para sua garrafa de cerveja, girando – a entre os dedos.

Eu me aproximei tentando entender o que se passava ali. Ele me olhou nos olhos, mas parecia outra pessoa. O chocolate e mel naqueles olhos faziam meu estômago cheio de borboletas. Por que ele tinha que ser tão idiota? Seria tudo mais fácil se nós tivéssemos como lidar um com o outro. O cabelo caía um pouco sobre os olhos, que voltaram a encarar a garrafa. Ele é tão lindo, pensei. Ao mesmo tempo, me repreendi por aquele pensamento. Matt e eu somos irmãos. Ele pode ter passado toda a vida dele longe, mas ainda é meu irmão.

– Matt. – chamei. Ele voltou a me olhar. – Não acha melhor ir pra casa?

– Minha casa está do outro lado do oceano... Não tenho como ir pra lá agora. – ele sorriu de lado. Matt também não estava sóbrio. Isso explicava um pouco as coisas.

– Não seja bobo, estou falando da nossa casa.

– Sua casa. – ele me consertou.

Eu estava me virando pra ir embora, deixaria Matt ali sozinho mesmo, porque parecia que ele não sabia deixar de ser um babaca, quando ele segurou meu braço.

– Não vai, Lily.

Engoli seco. Seu toque era forte em meu braço. Parecia mesmo que ele queria que eu ficasse. Recostei na bancada da barraca. Pedi um refrigerante ao homem que destampava mais uma garrafa de cerveja pra Matt. Ele trouxe, me serviu e foi atender outras pessoas. Nós ficamos ali, em silêncio, durante um bom tempo.

– Sabe... – ele começou, tomando o último gole da cerveja e deixando uma nota debaixo da garrafa – Você devia me agradecer por te livrar do Nicolas. Ele não seria legal com você. Na verdade, ele sempre é um babaca.

– Você nunca me pareceu muito diferente...– eu disse baixinho, mas ele ouviu.

– Você nunca mereceu que eu fosse um babaca com você. Me desculpe. Parece que é só isso que eu sei fazer por aqui. – ele começou a andar, um pouco desengonçado. O álcool estava fazendo efeito. – Vem, eu vou te levar pra casa.

Andamos por um quarteirão até que as luzes e o barulho da praça ficaram pra trás. Matt media os passos para que ficassem na mesma velocidade que os meus. Com seus quase vinte centímetros a mais de altura de vantagem, ele alcançava um espaço bem maior que eu, com meus míseros um metro e sessenta e cinco. Matt era um cara atencioso.

– Vocês têm saído muito juntos? – quebrei o silêncio. Ele demorou um pouco pra responder.

– Eu só não preciso ficar mais tempo que o necessário naquela casa.

– É tão ruim assim pra você? – eu olhei pra ele. Ele encarava o céu, que estava picotado de estrelas naquela noite.

– É. – Concluiu.

Abaixei a cabeça e encolhi um pouco. Matt era acostumado com meus pais, então, ao que tudo indicava, era eu que estava ali estragando tudo. Ele realmente não gostava de mim, e eu tentando cegamente forçar um convívio que nunca existiria. Aquilo me machucou mais do que eu achei que seria possível. Tentei me manter distante, mas não parecia suficiente.

Matt notou minha reação. Ele tirou a jaqueta e colocou sobre meus ombros. Como ele conseguia ser tão direto e ainda ser gentil? O perfume de Matt emanava da jaqueta e me fazia sentir... confortável. Eu tirei a jaqueta e devolvi para ele.

– Não preciso da sua pena. – eu estava magoada. Eu não precisava da jaqueta dele para me lembrar do incômodo.

Ele se assustou com aquilo. Pegou a jaqueta e jogou novamente sobre meus ombros, apoiando suas mãos para que eu não pudesse tirá – las de novo. Ele me olhava com um semblante divertido.

– Não tenho pena de você. Lily, você está entendendo tudo errado... Eu não suporto aquela casa por diversos motivos, mas nenhum deles inclui você. Não agora.

O sotaque de Matt ainda estava muito forte, o que me fez acreditar que boa parte daquilo era o alcool falando. Eu tentei falar, mas ele pousou o dedo sobre meus lábios e me calou.

– Eu achei que você fosse sim parte do problema, mas... o jeito que você jogou todas aquelas coisas na minha cara no dia que discutimos só me fez ver o quanto eu estava errado. – ele sorriu. – Você não teve culpa alguma de nascer. Você estava certa. Eu só estava redirecionando a você uma culpa que nunca foi sua. Desde o dia que eu cheguei naquela casa você tem tentado estabelecer um convívio minimamente decente, e eu só estava estragando tudo... Mas então eu vi você, Lily, abrindo mão de toda uma vida, pra diminuir o meu inferno. Isso eu não pude ignorar. Não poderia...

Matt tinha uma expressão confusa. A lua iluminava parcialmente seu rosto, deixando uma visão maravilhosa pra mim. A rua estava silenciosa e escura, nós já tínhamos parado de andar a muito tempo. Matt colocou uma mecha fugitiva de cabelo atrás da minha orelha e encaixou sua mão por ali. A outra fazia o mesmo caminho. Eu estava hipnotizada com tudo aquilo. Não conseguia desviar os olhos dos de Matt, e eles estavam cada vez mais próximos. Meu corpo parecia necessitar daquele toque. As mãos dele sobre o meu rosto me fazia sentir muito mais do que achei ser possivel. Eu senti o hálito dele no meu rosto, quando ele disse meu nome e algo relacionado ao brilho nos meus olhos, daquele jeito britânico, com os seus semicerrados.

A luz da rua se acendeu bem acima de nós e foi o suficiente para quebrar o encanto daquele momento. Matt se afastou com passos tortos, como se percebesse finalmente o que estava fazendo, e depois disso voltamos a caminhar em silêncio. Nenhum dos dois sabia o que dizer. Eu estava atordoada

A jaqueta dele ainda estava comigo. Eu tinha chego em casa e corrido direto para meu quarto, ignorando qualquer um de meus pais que quisesse falar comigo. Ouvi Matt falar algo a respeito sobre uma enxaqueca para minha mãe, e eu agradecia por meu pai não estar em casa, antes de eu bater a porta e me jogar na cama. Demorei bem mais do que algumas horas para dormir. Já amanhecera quando consegui fechar os olhos. Dormir depois do sol já não era tão ocasional assim.

Eu estava inventando uma gripe naquela segunda feira, mas acabou que a gripe realmente tinha me pegado. Escondia a jaqueta de Matt debaixo dos meus cobertores quando alguém entrava no quarto para saber de mim, ou me dar algum remédio.

Ele não tinha me procurado, ou sequer falado comigo ainda. Já era quinta feira, eu estava um pouco melhor. Estava sentada na cama, abraçada com a jaqueta e olhando pela janela. A lua estava alta, então com certeza já se passava da meia noite. Mais uma vez, eu tinha dificuldade pra dormir.

Eu repassava a noite de sábado pela milésima vez na cabeça, estava quase cochilando.

Então, ouvi três batidas muito fracas na minha porta.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora