Eu estava paralisada. Matt abriu a porta e só o que eu consegui processar foi que ele estava de cueca. Apenas de cueca boxer preta. Pude perceber o quanto a Inglaterra tinha feito bem a Matt. Ele se tornara um homem alto, com braços fortes e abdômen reto. Não era extremamente definido, como aqueles caras de academia, mas era extremamente bonito.
Ele me olhou com a cara amassada de sono e esfregou o olho, ainda que o cabelo estivesse na frente e não adiantasse de nada.
– O que foi? – disse ele, bocejando.
– Eu... Eu só achei que... – eu não estava conseguindo processar as palavras. A visão de Matt na minha frente naqueles trajes estava me fazendo passar por idiota. Não é que eu nunca tivesse visto um cara atraente. Eu só nunca tinha visto um cara tão atraente de perto, a noite, na minha casa e ficado naquele estado catatônico.
– Eu estava dormindo, sabe. Eu odeio que me acordem. Se não tiver o que falar, volte logo pro seu quarto antes que dê mais merda pra mim.
Abaixei os olhos para os meus pés. Eu estava ficando muito desmiolada com aquele garoto vivendo no quarto ao lado. Ele era meu irmão, mas eu mal podia encará–lo nos olhos.
– Eu só queria te pedir desculpas pela confusão. Não quis arranjar problemas para você, só realmente não me liguei de que eles estranhariam eu sair sozinha. – eu quase sussurrava.
Matt apenas me olhou por mais dois segundos e bateu a porta, em silêncio.
Não que eu esperasse que ele fosse sorrir, dizer que estava tudo bem e me convidaria para entrar e conversar o resto da noite. Mas eu esperava alguma coisa. O silêncio dele me mostrou o quão idiota eu fui. Pedir desculpas pela confusão no meio da noite? Será que ele ao menos ouviu o que eu tinha dito aos nossos pais depois que ele subiu? Tentei fazer com que não o culpassem por o que quer que seja, mesmo não o conhecendo. Não sei porquê, mas eu sabia que era injusto. Voltei para o meu quarto e tentei descansar. Como não consegui, peguei meu notebook na escrivaninha e voltei com ele para a cama.
Abri o meu e–mail, por hábito. Em outra aba, abri meu facebook. Não que aquilo fosse me trazer sono. A verdade é que aquela situação toda não me saía da cabeça. Curiosa, digitei o nome de Matt na rede. Alguns Matheus apareceram, mas nenhum deles era meu irmão. Me toquei do quão idiota eu estava sendo procurando por ele em uma rede social, então voltei para a página da minha caixa de entrada e digitei uma mensagem.
Eu só queria me desculpar. Desculpe.
Antes que pudesse me arrepender, digitei o endereço de e–mail de Matt e cliquei no botão para enviar. Alguns minutos depois, enquanto eu rodava pela timeline do facebook sem realmente ler alguma coisa, recebi uma resposta. Uma corrente de adrenalina percorreu meu corpo, mas ao clicar na notificação e checar a mensagem, percebi que era um aviso de que aquele endereço estava desativado.
Fechei a tela do computador, frustrada. Quando finalmente consegui dormir, já amanhecia.
Abri os olhos e senti o sol forte da tarde rebatido nas paredes. Meu quarto ficava com a melhor parte do sol da manhã, mas a tarde ele ficava muito mais quente. Sabia que já era tarde. Aparentemente, a casa estava tranquila. Quando saí do meu quarto, ouvi alguns sons vindos do quarto de Matt e isso me fez questionar se ele tinha saído dali hoje. Continuei andando e, quando desci as escadas e cheguei na cozinha, minha mãe lavava a louça do almoço. Ela me sorriu um sorriso quadrado, e me indicou para sentar na bancada.
– Boa tarde, dorminhoca.
– Oi, mãe. – respondi desanimada.
Ela me observou por um instante, mas resolveu prosseguir.
– Lily, sobre ontem... – ela começou, mas interrompi.
– Não importa o que você tem pra falar. Meu pai foi exagerado com ele.
– Não foi, não. Ele não se mostrou nem um pouco interessado em fazer isso funcionar, mesmo depois de tanto tempo. Na primeira vez que damos um voto de confiança, você sai sem avisar. O que achou que ele deveria fazer?
– Eu não vou repetir o discurso de ontem. Você e, principalmente meu pai, não estão colaborando para que nós tenhamos o mínimo de convívio pacífico.
– E vocês ao menos trocam palavras nessa casa? Não seja infantil, querida. Até mesmo eu não enxergo isso, Lívia. Como disse seu pai, isso aqui não é um conto de fadas, Matt nunca deveria ter voltado pra essa casa. – desabafou, finalmente..
Minha mãe estava de cabeça baixa, então ela não viu que Matt estava descendo a escada. O timing foi o mais perfeito possível, e me pareceu que ele só ouviu a parte final do discurso. Não que ele inteiro fosse mudar alguma coisa, mas a situação naquela casa não estava fácil e tudo o que eu fazia pra tentar deixar as coisas bem parecia não estar funcionando.Matt voltou de onde estava, e só escutamos a porta bater com força. Minha mãe levantou a cabeça ao som alto. Olhou pra mim com os olhos desacreditados.
– Ele ouviu o que eu disse? Ele ouviu qualquer coisa? – ela parecia nervosa
Eu apenas concordei com a cabeça. O rosto da minha mãe se entristeceu ainda mais. Então, ela começou novamente a falar.
– Não sei o que fazer... ao mesmo tempo que fico feliz dele estar em casa, de volta... ele torna tudo tão complicado! Ainda tem seu pai, que fica tratando ele como se não fosse filho dele também... Eu entendo que passamos muito mais tempo com você, e que vocês ainda não tem uma convivência boa, mas Matt não é uma pessoa fácil. Você já viu isso. Henrique ficou desse jeito desde que Matt pôs os olhos em você.
– Você acha que isso tudo que tá rolando com meu pai e o Matt é um instinto superprotetor insano dele? Porque eu não duvido nadinha.
– Você sabe que seu pai te ama. E ele também ama o Matt. Só é mais difícil pra ele. No dia em que Matt chegou, ele estava uma pilha de nervos, mas consegui amenizar. Eu disse que tudo ficaria bem, e eu acredito nisso. Mas seu pai vira bicho quando mexem com você. E foi a primeira coisa que ele pensou quando não te encontrou em casa ontem.
– Bom, eu só acho que eu já sei me cuidar. Semestre que vem eu estou indo pra faculdade e ele não vai poder fazer muita coisa a respeito disso.
Eu sempre me senti confortável em conversar com a minha mãe. Além de mãe, também era minha amiga, e conseguíamos manter um diálogo aberto. Meu pai já era o extremo oposto.
– Acredito que todos nós vamos nos acostumar com o nosso novo convívio. Só é preciso tempo... Eu tenho que acreditar nisso.
Eu observei minha mãe por mais alguns segundos. Ela parecia cansada. Eu nunca tive muito contato com as histórias de Matt. Sempre que eles voltavam de Londres, em parte por desgosto dos aviões e em parte por falta de interesse, eu nunca dei atenção ao que eles falavam, mesmo que superficialmente. Talvez por isso Matt fosse tão distante de mim como parecia. Talvez a minha falta de interesse também fosse dele. Ele podia simplesmente ignorar o que nossos pais falavam quando eles estavam por lá.
Peguei meu prato de comida, que minha mãe havia separado pra mim, e subi para o quarto. Talvez esse problema todo seja apenas uma falta de comunicação entre eu e Matt. Será que se eu tentasse amenizar isso, a vida em casa com nossos pais melhoraria? Em momento nenhum eu me esforcei pra fazer com que a permanência de Matt fosse bem aceita. Eu tinha usado a mesma moeda que ele me ofereceu a um primeiro instante, e então tínhamos chegado a esse ponto em menos de duas semanas de convívio. Eu tinha que me esforçar.
Encostei a cabeça na parede enquanto tentava encontrar uma forma de mudar o quadro instalado naquela casa. A comida em cima da cama não me apetecia, então só a deixei de lado. Eu ouvia um ruído vindo do outro cômodo. Eu conhecia aquilo de algum lugar... Talvez se eu escutasse melhor, eu conseguiria saber de onde eu conhecia aquelas batidas fortes. Encostei a orelha na parede pra tentar melhorar e, três segundos depois, uma luz se acendeu em minha cabeça. Era uma música incrível, de uma banda que, ao que parecia, só eu conhecia naquela cidade, mas eu estava completamente errada. Matt conhecia, é claro que conhecia. Ele viveu a vida toda na Europa, como ele não se interessaria pelas bandas de lá? Olhei novamente pro prato em cima da cama. Eu tinha um plano.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre nós e paredes
RomansaLívia tem 17 anos e acabou de terminar o ensino médio. Filha de uma família muito tradicional, adora livros e música, e passa boa parte do seu tempo livre na sua cama, explorando lugares através das palavras. Essa é a única forma que conhece outros...