#22

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Demorou um tempo até que eu contasse tudo o que tinha acontecido para Tia Bea. Conversamos por um longo tempo, e o assunto acabou se desviando também. Contei sobre meu tempo na faculdade, e das coisas que eu tinha feito por lá. Contei sobre as aulas de escrita criativa, sobre o tempo no prédio de Letras e da seleção para monitoria. Apesar de tudo, ainda conseguimos sorrir um pouco.

Eu estava cansada da viagem, e minha tia percebeu. Ela, então, me disse para deitar e descansar um pouco. Eu não pude negar. Ela me indicou o quarto e levou as canecas para a cozinha. Me arrastei lentamente até o cômodo, fechei a porta atrás de mim, e me joguei na cama. Foi então que eu tive um grande choque de realidade.

Ali não era o quarto de hóspedes. Era o quarto de Matt.

O cheiro dele emanava de tudo ali. Mesmo com os olhos fechados, eu ainda conseguia sentir que ali era o quarto dele. Aparentemente, ele não tinha buscado um apartamento só para si. Sentei–me na cama na mesma velocidade em que caí deitada. Quando finalmente abri os olhos, observei tudo aquilo com atenção. O quarto era bem parecido com o que Matt tinha na casa dos Tavares. Acredito que minha mãe tenha se inspirado nesse aqui quando mandou redecorar o quarto no ano passado. As prateleiras cheias de livros e discos estavam ali. O notebook na escrivaninha, os papéis em uma pilha ao lado do aparelho de som, dois violões parados perto da cama. Mas uma coisa me chamou muito mais atenção do que tudo aquilo.

Por toda a parte, haviam fotos. No criado mudo, no mural da parede, na porta do armário, perto da janela... E a maior parte delas eram minhas. Fotos que tínhamos tirado no tempo em que ele estava lá em casa, fotos de quando fomos passear escondido dos meus pais, fotos nossas na piscina, fotos de nós dois no meu quarto. Eram várias, assim como fotos minhas que eu nem sabia que existiam. Provavelmente, Matt havia tirado quando eu estava distraída. Eu lendo um livro na poltrona da sala, eu lambendo o dedo indicador sujo de nutella, eu olhando um cd na loja de discos do shopping, eu sorrindo distraída olhando para TV... Havia tanto de mim ali que parecia que muitos anos tinham se passado. O tempo havia criado uma distância tão grande, e ao mesmo tempo, tudo aquilo ali me mostrava o quanto Matt tinha lutado para que essa distância não existisse.

Recostei na cabeceira da cama e tomei uma longa e profunda respiração. Eu tinha voado até aqui para encontrar Matt. Minha mala estava no pé da cama, ainda fechada. Eu podia imaginar o quão bom seria ter ele aqui, perto de mim. Mas será que ele ainda sentia por mim tudo o que sentia 8 meses atrás? Eu tinha mudado depois de começar a faculdade, eu sabia disso. O tempo que passei longe de casa tinha me transformado. Eu estava em outro país, rezando para que eu não tivesse feito a escolha errada. Pedindo muito para que nós ainda fôssemos nós.

Deitei a cabeça no travesseiro e encarei o porta–retrato no criado mudo. Eu adorava aquela foto. Eu tinha a encarado por semanas. Nós dois estávamos abraçados, e com a cabeça encostada uma na outra. Atrás, a varandinha do meu quarto mostrava um sol nascente muito avermelhado. O sorriso em nosso rosto era leve, e eu conseguia ver a felicidade daquele momento registrado ainda agora. Era assim que eu me lembrava dele. Era esse sorriso que permeava meus pensamentos, mesmo quando eu insistia em não me lembrar. Era esse olhar que me impedia de dar chance a qualquer outro cara que aparecesse na minha vida. Era esse sentimento que saltava no meu coração agora que me fez vir para cá. E foi encarando aquele sorriso que eu adormeci.

***

Despertei do sono sentindo a cama afundar perto das minhas costas. Esfreguei os olhos e me virei, tentando descobrir o que me acordara. Já estava muito escuro dentro daquele cômodo e tive ainda mais dificuldade em entender tudo o que estava acontecendo. Ah, sim. Claro. Eu estava em Londres. Eu tinha vindo para casa da minha tia direto do aeroporto. Eu tinha deitado, e acabei dormindo. Esfreguei mais uma vez o rosto. Encarei a pessoa a minha frente por mais dois segundos antes do meu coração disparar em frenesi.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora