#19

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8 meses depois

A música alta ecoava em meus ouvidos enquanto as paredes da boate tremiam mais do que eu podia imaginar que fosse possível.

– Bom dia, Bela Adormecidaaa! – escutei Jô falando bem próxima ao meu rosto.

– Nenhuma sexta – feira em que eu tenha que acordar cedo é um bom dia... – respondi, afundando minha cabeça mais ainda no travesseiro.

– Lily, amiga, você tem uma reunião com a sua professora em quinze minutos. Se você não se levantar, tipo, agora, não vai conseguir voltar para casa hoje...

– Não que eu queira voltar para aquela casa com tanta vontade... – resmunguei de novo, mas me levantando.

– As chances de seu pai descobrir que você tá se candidatando a monitoria de Literatura Avançada no segundo período da faculdade de Administração Empresarial são muito maiores se você não for fazer uma visitinha. – Jô comentou.

No tempo que tínhamos passado juntas, desde o início do meu curso na faculdade, Jô se tornou uma grande amiga. Eu encontrei nela alguém com quem eu podia conversar de coração aberto, mesmo que não completamente. Depois de diversas conferências com minhas amigas, Jô acabou se aproximando de todas, e sua presença era cada vez mais requisitada. Ela sabia que eu tinha problemas com meu pai, que meu irmão tinha vindo e voltado para Londres, em suma, por causa dele, e que ele era completamente contra qualquer outra opção de faculdade que eu quisesse ter. Ela também sabia o quanto eu amava minha mãe e estava preocupada com ela, sozinha, naquela casa com meu pai. Henrique era um homem muito persuasivo, quando queria. E em meus últimos momentos naquela casa, eu tinha percebido o quanto isso era tóxico para minha mãe. Já eram anos de toxina, eu não sabia até quando ela conseguiria abrir mão de si mesma por conta dele.

– Você não precisa me lembrar sempre disso, sabia?

– Você me ama justamente por eu ser assim. – sorriu.

– Caramba! Quando foi que eu te deixei ficar tão convencida?! – me dirigi à gaiola em cima da escrivaninha.

Eu e Jô resolvemos, uns dois meses depois de começarem as aulas, que aquele quarto de dormitório estava muito vazio. Depois de uma boa caminhada pela cidade, encontramos uma dupla de esquilinhos da Mongólia recém chegados no petshop. Foi amor a primeira vista, por nós duas. Compramos os filhotes na mesma hora, junto com todos os aparatos. A gaiola tinha três andares e era cheia de tubos divertidos para que os roedores se exercitassem. Levamos tudo escondido para nosso quarto e, desde então, criamos nossos esquilos 'ilegalmente'. Nenhum tipo de animalzinho era permitido no dormitório.

Peguei o pote com a ração cheia de sementes no canto do quarto e fui alimentar Lola e Snow. Eles levantaram seus corpinhos, esticando os narizes em direção às sementes.

– Eu sei, eu sei... Vocês querem encher a pança e dormir o dia inteiro. Vamos lá, me deem espaço. – disse, enquanto colocava a mão pela abertura da gaiola e sentia suas patinhas, correndo por todo o lado. Era incrível como esses animaiszinhos se apegavam a gente.

– Eu já limpei a caixa. Troquei a água, limpei a areia, e a casinha. Mas eu sei que você adora alimentá–los. – Jô falou, se aproximando.

– Obrigada – agradeci, sorrindo.

– Bom, agora que nossos babies já estão se deliciando nas sementinhas de girassol – disse, encarando Snow, que tinha catado três sementes ao mesmo tempo – é hora de você ir até o prédio de Letras, ou eu não respondo por mim. Assim que sair de lá, me avisa. Vou te buscar de carro e a gente vai naquela doceria que vende os cupcakes mais deliciosos do mundo para comemorar os seus dezoito aninhos!

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora