A noite tinha sido tão reconfortante que eu acordei sem despertador ou barulho algum. Abri os olhos vagarosamente. Matt ainda estava dormindo ali, na minha frente. Ele parecia muito tranquilo enquanto dormia. Sua respiração pesada e contínua era quente e eu podia senti–la. A verdade é que eu não queria sair. Estar tão perto dele era quase tão bom quanto sorvete. Ou um bom romance. Estiquei a mão para tocar seu rosto, mas fui impedida pela movimentação repentina de Matt. Ele esfregou os olhos, se espreguiçou e voltou a se virar para mim.
– Bom dia, raio de sol. – disse ele, com a voz mais grossa que o de costume e um sorriso nos lábios.
– Bom dia... – respondi.
– Já tá acordada a muito tempo?
– Não, não muito. Ainda não tive coragem de levantar da cama.
Matt virou de barriga para cima e tapou os olhos.
– Que horas são?
– Pera, deixa eu ver. – disse, virando para buscar meu celular na cabeceira. O relógio marcava meio dia e quarenta. Eu dei uma risada abafada.
– O que foi? – indagou Matt
– São vinte para uma da tarde.
Dessa vez, rimos juntos.
– Então vamos levantar. Já passou da hora de estar na cama, mocinha.
– Para, por favor. Você tá falando igual a mãe.
– Ela não ligou ontem – Matt estava sério, agora.
– Ela deve ligar hoje. – repondi, um pouco chateada. – Falando nisso, desculpe por ter feito você ficar. Eu sei que a Tia Bea sempre foi presente na sua vida... Mas você acabou ficando preso aqui comigo.
– Ei. – disse ele, se levantando – Eu fiquei porque quis ficar. Você não me obrigou a nada. Eu nunca te deixaria sozinha.
Eu sentei ao lado dele.
– Obrigada.
Minha mãe ligou pouco depois disso. Estávamos comendo quando o telefone tocou. Eu não me dei ao trabalho de correr. Matt estava preocupado, só não transparecia. Já eu, não estava me sentindo tão mal assim. Certo, minha tia estava internada e eu ainda não tinha notícias, mas ontem tinha sido o primeiro dia em que eu e Matt não tínhamos fingido um para o outro em algum momento. Tínhamos passado um dia divertido, até. A presença de Matt me tranquilizava, então eu parcialmente esqueci de todo o problema. Agora, boa parte do peso disso estava sobre meus ombros.
Ele voltou para cozinha pouco depois disso, com um sorriso no rosto.
As notícias deveriam ser boas.
– Ainda tem comida para mim?
– O que a mãe disse no telefone? Ela não quis falar comigo? – Fui direta.
– Quem te disse que era a sua mãe? – ele implicou.
– Você não estaria com essa cara se não fosse ela ao telefone.
Eu já tinha percebido isso antes mas nunca questionei. Matt não se referia aos meus pais como sendo os seus pais, também. Era sempre "sua mãe" e "seu pai", nunca "nosso". Eu acredito que ele realmente não os veja como pais, pelo tempo que passaram distante. Mas tia Beatrice era muito mais para Matt. Enquanto eu estava aqui com Henrique e Margareth, ele estava lá com Beatrice. Ele deveria senti– la mais como mãe do que como tia. Como ele tinha dito uma vez, era só um papel que dizia que os meus pais eram os mesmos que os dele, mas isso não fazia sentido algum.
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Entre nós e paredes
RomansaLívia tem 17 anos e acabou de terminar o ensino médio. Filha de uma família muito tradicional, adora livros e música, e passa boa parte do seu tempo livre na sua cama, explorando lugares através das palavras. Essa é a única forma que conhece outros...