#23

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Matheus

O ensaio já havia terminado fazia meia hora, e estávamos terminando de guardar os nossos instrumentos. O som da banda vinha retornando a qualidade que tinha antes de eu deixá–los, e eu tinha certeza de que o show do próximo fim de semana, um dos poucos que conseguimos recuperar depois da minha volta à Londres, seria um sucesso.

Mesmo com a retomada da Lost Kids of London, eu sabia que aquela sensação de falta no meu peito não cessaria. Eu tinha deixado com Lily boa parte do que eu era. Não tinha sido fácil para mim, e eu tinha certeza de que, para ela, foi pior. Eu sabia que tinha que manter certa distância, porque Henrique não deixaria barato para mim e ele sabia que o que acontecia com ela, me afetava. Não era medo dele que eu tinha. Eu tinha medo do que ele poderia fazer que prejudicasse a Lívia. Minha prioridade era mantê–la longe dos problemas que eu poderia ter com ele, pelo menos por enquanto.

Na noite em que eu finalmente mostrei para Lily quem eu realmente era, eu recebi uma ligação do cara com quem eu havia conversado antes de viajar. Pedi para que ele buscasse quaisquer informações sobre minha origem no orfanato de onde eu tinha vindo. O pedido tinha saído melhor que a encomenda. Ele me ligou para dizer que tinha encontrado meu possível pai.

Algumas semanas depois de ter retornado à minha cidade, Andrews (o cara que eu contratei) sugeriu um encontro em uma cafeteria perto da casa de Bea. O homem que estava junto a ele tinha lá seus cinquenta anos, e buscava pelo filho que ele havia perdido. Pelo que entendi, a mãe da criança teria deixado–a para adoção e fugido logo depois. Os fatos batiam. Era a mesma data de nascimento, mesmo orfanato, e nós tínhamos até mesmo algumas semelhanças, como os cabelos claros.

Bea havia me alertado mais de uma vez sobre essa minha insistência em buscar meus pais biológicos. Ela tinha me questionado sobre o que representava para mim, que tudo isso era muito mais do que sangue e DNA. Eu entendia perfeitamente o ponto dela. Eu só precisava saber de onde vim, como vim, eu queria a minha própria história. Aquela que começava antes do orfanato. E finalmente eu estava começando a encontrar.

Depois de alguns encontros com Patrick Lockwood, o cara que Andrews havia me apresentado como meu possível pai, eu passei a enxergar tudo aquilo de outra forma. Se eu finalmente tivesse encontrado meu pai, eu e Lily poderíamos ficar juntos. Eu deixaria de ser aquele irmão adotivo que tanto me incomodava. Eu poderia dizer, quando quisesse, o quanto eu a amava.

Dizer que Lily não saíra da minha cabeça seria um eufemismo. Eu pensava nela a todo o tempo. Conseguia ouvir a voz dela no silêncio antes de dormir, sonhava com ela todas as noites. Eu tinha criado um grande buraco no meu coração quando peguei minhas malas e voltei para casa com Bea. Eu não queria ter deixado ela lá. Eu não queria ter voltado. Eu queria estar com ela quando ela fosse enfrentar tudo o que ela com certeza teve que passar naquela casa. Eu queria estar com ela.

Metade das composições das músicas novas eram para ela. Eu escrevia todas as canções pensando no quanto eu gostaria que ela estivesse comigo, do quanto eu gostaria de abraçar, beijá–la. Que eu pudesse sussurrar, ao pé do ouvido, 'meu anjo' novamente. Sentia falta de chamar ela assim. Sentia falta até do convívio bobo que a gente tinha naquela casa. Sentia falta de ouvir ela cantarolar minhas músicas, mesmo antes de saber que eram minhas.

Eu tinha prometido a mim mesmo que não entraria em contato para não prejudicá–la, mas lá estava eu, novamente, olhando para aquela maldita mensagem que tinha chego há 3 dias atrás no meu telefone. Eu não reconhecia o número, mas tinha o mesmo prefixo do de Lily. A mensagem era simples, direta e me fazia girar o estômago. Liguei a tela do telefone, logo após ela se apagar. E lá permanecia escrito:

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora