#27

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Matheus

Acordei e senti a luz do dia tocar meu rosto. Sorri, ainda de olhos fechados me lembrando da noite que passara. Eu poderia morrer feliz hoje. Me espreguicei e estiquei os braços para alcançar o corpo de Lily ao meu lado e a encher de beijos, mas meus braços tocaram apenas o lençol frio. Ela não estava ali.

Sentei rápido na cama e me arrependi logo em seguida. Senti minha cabeça girar por alguns segundos. Finalmente, olhei ao redor. Tudo parecia normal, com exceção de uma coisa: não havia mais nada dela ali. Tudo havia sumido. Sua mala, suas roupas, suas coisas na escrivania, nada mais estava lá. Esfreguei os olhos e encarei o quarto novamente. É, eu não estava mesmo sonhando.

Levantei de qualquer jeito e saí do quarto. Busquei por toda casa, gritando o nome dela, mas havia apenas silêncio em resposta. Não havia mais nada. Nem um recado, uma carta, nada. Era como se ela simplesmente não existisse mais. E esse pensamento causou uma dor aguda no meu coração. Nós tínhamos discutido sim, mas eu tinha provado para ela que o lugar dela era ao meu lado. Ela tinha dito que me amava, ainda que sussurando, enquanto eu explorava seu corpo com beijos, e mesmo assim ela havia me abandonado.

O que diabos tinha de errado comigo? Por que eu não era capaz de manter as pessoas que amava perto de mim? Por que me deixar era tão fácil assim? De volta ao meu quarto, bati a porta e escorreguei minhas costas na parede, olhando cada pedacinho de mim se esvaindo em cada uma daquelas fotos, enquanto meus olhos eram borrados de lágrimas. Eu não era mais nada sem Lily.

***

Meu telefone tocou por toda a manhã. Me neguei a atender qualquer chamada. Eu estava deitado no sofá, um engradado de cerveja a minha frente, com um vazio logo ao seu lado. Eu realmente não me importava com o que estava passando na TV, mas a porra das batidas na porta não cessavam. Me levantei sem vontade e abri a porta.

– Quem você acha que é para não atender telefone, babaca?! – Dave estava visivelmente irritado. Ele entrou sem nem mesmo eu dizer que podia, mas acho que isso é resultado de anos de amizade.

– O que você quer? – respondi sem vontade.

Dave levantou o engradado de cervejas e me encarou

– Foi por isso que você não atendeu o maldito telefone? O que tá acontecendo com você, Matt?

– Se for para continuar assim, você pode devolver isso de volta para onde estava e dar o fora daqui.

– Você sabe porque o seu telefone tocou a manhã inteira? Eram os produtores do festival de domingo!

– E?

– E? – ele riu da minha cara – E que a gente toca esse fim de semana! Mas parece que você não tá se importando com isso.

Eu tinha ido aos ensaios marcados enquanto Lily estava aqui, mas realmente havia esquecido completamente do festival. Ela me tirava do ar, literalmente. Só de lembrar do pouco tempo que passamos juntos, nesse momento mínimo, já acabava comigo. Deveria estar estampado na minha testa que havia acontecido alguma coisa, porque Dave agora me olhava de outra forma. Ele se aproximou e tocou meu ombro.

– O que houve, irmão? Você sabe que pode falar comigo, não importa o que seja.

– Lily – eu respondi, fraco.

– O que tem sua garota?

– Ela foi embora. Desapareceu. Nós discutimos, ela me falou um monte de merdas, passamos a noite juntos, e hoje ela simplesmente desapareceu.

– Matt, você não pode fic... – Dave começou, mas eu não o deixei terminar.

– Eu não tô assim por causa dela, Dave. – Eu o encarei, tomando forças para falar o que eu tinha que falar – Sabe o detetive? E o Patrick? Era tudo uma farsa do Henrique. Foi por isso que ela veio para Londres. para me contar tudo.

O espanto na face de Dave era visível. Eu também sabia que ele não tinha o que falar agora.

– Nem precisa falar mais nada, cara – continuei – Eu sei que tô fodido. Como se não bastasse ter pernoitado numa cela fedida de delegacia, eu volto para casa e me acontece isso.

– Como é? – ele reagiu – Você foi preso!?

– Aconteceu tudo muito depressa, eu tava passeando com a Lily, encontramos com o Andrews, e assim que chegamos em casa, os policiais me abordaram, me acusando de sequestro. A Bea teve que fazer um monte de ligações, pagou uma grana para me tirar de lá.

– Não acredito que você caiu nessa, Matt. Não acredito mesmo! – Dave me encarava – Vocês encontram o imbecil do cara que o Henrique contratou e logo depois disso foi preso? É óbvio que ele avisou para o mafioso que a Lily estava com você!

Eu parei por alguns segundos, digerindo as palavras de Dave. Aquilo realmente fazia sentido. Lembrei da ligação que Andrews recebeu e como ele saiu apressado de lá. Tudo se encaixava perfeitamente.

– Ele provavelmente fez isso para fazer ela voltar para casa dele, Matt. – meu silêncio enquanto processava tudo aquilo fez ele continuar. – Ele deve estar se achando o esperto depois disso. Conseguir com que Lily te deixasse por pressão.

– Nós precisamos estar no festival. – eu disse, com pressa – Eu preciso fazer com que ela me escute.

***

O domingo que parecia distante chegou em um piscar de olhos. Nós tinhas chego cedo a arena que tocaríamos e já tínhamos passado o som. O nervosismo tomava conta de mim visivelmente rápido. Saímos para almoçar um pouco mais tarde do que o de costume, mas eu quase não comi. Nada descia.

Os caras da banda me deram um apoio muito maior do que eu podia esperar. Depois de eu contar toda a história para eles, parte da minha dor tomou conta de seus corações. Éramos uma família, afinal. Eu apenas estava muito cego para enxergar isso.

Conforme a hora da nossa apresentação ia se aproximando, minhas mãos começavam a suar ainda mais. Era difícil conter toda a ansiedade por subir naquele bendito palco e colocar tudo para fora. Fazia tempo que a sensação anestésica de um show não corria pelo meu corpo. A adrenalina de tocar o nosso som, os nossos acordes, e ter aquela resposta do público gritando seu nome. Aquilo não tinha preço, nunca teria. Nada era capaz de me fazer mais feliz do que cantar, até que eu finalmente encontrei aquele par de olhos verdes. Eu estava completamente perdido.

O staff da produção apareceu em um vão na porta da sala apertada em que estávamos. Ele viera avisar que, em cinco minutos, estaríamos entrando no palco. Meu coração acelerou. Meu plano não tinha nada para dar certo, mas eu tinha que tentar. Não ia ser fácil, definitivamente. Passei os dedos nas cordas grossas do meu baixo, repetindo para mim mesmo que aquela era a melhor forma que eu tinha de alcançar Lily.

Olhei a minha volta e senti o silêncio pesado que pairava. Eu não era o único nervoso ali. Encarei os três pares de olhos de volta, e sorri, pensando em como eu era sortudo de ter todos eles comigo. Levantei do sofá, passei a correia pelo ombro e me dirigi a porta.

– Vamos nessa, galera. É hora de fazer o que a gente faz de melhor.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora