#21

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Fazer o check–in no aeroporto foi, de longe, o mais fácil. Consegui uma vaga de última hora num voo para Londres que só me faria esperar duas horas no saguão, graças a todas as milhas resgatadas das minhas amigas. Minhas pernas pareciam pesar cinquenta quilos a mais cada uma. O desespero de estar ali, em um aeroporto, ainda era pesado. Passei o tempo todo lutando para não entrar em pânico, cada minuto se arrastando infinitamente.

O soar dos auto–falantes finalmente anunciara meu voo, e eu me dirigi para o embarque. Minha bagagem era pouca, isso acabou me causando menos dor de cabeça. Entreguei meu bilhete para a funcionária no balcão e segui o corredor até o avião. Eu sentia o peso do mundo nas minhas costas, mas não me atrevi a pensar duas vezes. Apenas mantive minhas pernas caminhando, sem olhar para trás, ou pros lados.

Tudo o que eu tentava fazer era manter minha cabeça focada no meu objetivo. Eu precisava chegar até Matt. Meu pai, ou seja lá quem aquele homem desconhecido seja, tinha ido longe demais e eu precisava fazer alguma coisa. Eu precisava acabar com isso. Eu precisava, de alguma forma, fazer Matt acreditar em mim. Pelo pouco que eu sabia, havia uma armação do meu pai no que dizia respeito aos pais biológicos de Matt. Eu entendia o porquê dele ter buscado essas pessoas. Ele estava buscando uma família. Ainda mais depois de tudo que ele passou com meu pai, tenho certeza de que ele se sentia perdido.

Eu estava perdida nos meus pensamentos, e tinha conseguido relaxar um pouco quando a porta do avião se fechou. A comissária começou a dar instruções de emergência, e eu me forcei a não prestar atenção. Aquilo estava me apavorando. O banco confortável parecia não mais tão confortável assim. Busquei meu iPod na mochila que eu carregava comigo e procurei por alguma playlist que me fizesse bem. Estava passando por várias, quando me deparei com uma em especial.

"Meu anjo"

Era a lista que Matt havia deixado ali antes de ir embora. Apertei o play e a música invadiu meus ouvidos. Fazia tanto tempo que eu havia me escondido dessas composições... Fiz de tudo para me distanciar delas e de quem as havia deixado ali para mim. Apesar de tudo, eu estava indo até Matt agora. Eu estava dentro de um avião, passaria um pouco mais de dez horas ali dentro e, de alguma forma, pensar nele me deixava menos nervosa. Fechei os olhos, tomei um grande fôlego. A sensação do avião subindo se misturou com a ansiedade de encontrá–lo, mas a letra tão conhecida daquelas músicas invadindo meus ouvidos me fizeram sorrir.

***

Pisar em terra firme depois de tantas horas nunca pareceu tão fascinante. O ar londrino invadiu meus pulmões com força, e eu lutei para me manter de pé. Caminhei até a saída do aeroporto, suplicando em silêncio para que o endereço da minha tia não tivesse mudado. Eu precisava dela mais do que nunca, agora. Precisava dela para encontrar Matt, precisava dela para não estar perdida muito, muito longe de casa.

Entrei em um táxi que esperava por passageiros em um ponto. Lhe disse o endereço e ele deu a partida. Busquei pelo meu telefone na minha mochila. Ele tinha apenas doze por cento de bateria, e ainda estava no modo avião. Reabilitei minha rede, e disquei o número de Tia Bea. A linha tocou, tocou, e foi para caixa postal. Ótimo. Tentei mais uma vez, sem sucesso. Olhei para frente do carro e identifiquei uma máquina de cartões. Pelo menos, eu conseguiria pagar a corrida.

Passamos por baixo de um viaduto, e então as luzes da cidade me invadiram os olhos. Todas as fotos, tudo o que eu havia lido sobre aquela cidade era pouco. Muito pouco. Eu poderia passar horas caminhando por ali, visitando cada esquina, cada ponte, cada caminho... Meu telefone tocou, me acordando e fazendo me ajeitar no banco do táxi.

– Alô? – Atendi, sem ao menos olhar a tela do celular, enquanto admirava ainda mais a paisagem

– Lily? – minha tia respondeu do outro lado da linha – Que número é esse, querida?

– Ah, tia... uma das atitudes babacas que meu pai fez sem me avisar.

– Ah, mas o Henrique não tem jeito, mesmo...

– Escuta, tia, você tá em casa?

– Sim, sim. Eu estava no banho, por isso não atendi antes. Desculpe.

– Nada, tudo bem. Você ainda mora naquele mesmo endereço das cartas, não é?

– Claro, querida. Eu teria te avisado se mudasse! Mas por quê? – ela indagou, curiosa

–Bem, é que... – respirei fundo, tomando mais uma dose de coragem – Eu já devo estar chegando por aí.

– Perdão, o que você disse, Lívia?

– Eu tô em Londres, tia. Tô num táxi, indo para sua casa.

***

Quando cheguei no endereço que eu tinha dado ao motorista, minha tia já estava na portaria me esperando. Ela sabia muito bem que eu estar em Londres sem avisar era sinal de problema. Eu estar em Londres era problema. Tia Bea não perguntou muito mais na ligação, disse que conversaríamos quando eu chegasse. Desci do táxi, peguei minha mala, e fui de encontro à minha tia. A abracei forte, e contive as lágrimas que pesavam nos meus olhos.

– Ah, minha menina, o que foi que aconteceu? Como foi que você chegou aqui? – ela acariciou minha cabeça

– Muita coisa, tia. Muita coisa.

Subimos pelo elevador até o nono andar. O corredor dava somente à uma porta, então apenas segui minha tia ate lá. Depois de entrarmos, não tive como não observar o lugar. Tudo ali respirava música. Haviam diversos instrumentos pela sala, cada um em seu canto. Perto da lareira, tinham diversas fotos minhas, da minha mãe e de Matt. Minha tia também aparecia em algumas. O sofá preto parecia muito fofo, e o tapete felpudo combinava perfeitamente com a decoração clássica, mas também despojada, do apartamento.

Minha tia tomou minha bagagem de minhas mãos e levou–as até uma porta mais a frente. Devia ser um quarto de hóspedes. Esperei que ela voltasse para que pudesse ser franca e conversar com ela como deveria. Poucos minutos depois, estávamos sentadas no sofá que, de fato, era muito confortável e fofo, com uma caneca de chá quentinho nas mãos. Ela puxou uma sacola de papel de trás do sofá e a entregou para mim.

– Feliz aniversário, meu amor. – Ela disse, sorrindo.

– Como você sabia que eu vinha?!

– Eu não sabia. Eu sempre compara o algo para você no seu aniversário, só calhou de você estar aqui hoje – ela deu de ombros.

Abri a embalagem, e dentro tinha uma camiseta preta listrada com uma estampa da logo do Lost Kids of London. Eu sorri e agradeci. Minha tia me conhecia até melhor do que eu mesma.

– Me diz, o que te fez entrar em um avião? – minha tia perguntou, com um sorrisinho escondido por detrás de sua bebida.

– O que mais poderia me fazer viajar naquele tubo de aço, tia? – Sorri, já derrotada.

– Deixa eu melhorar minha pergunta – ela corrigiu – O que te trouxe, agora, tanto tempo depois de tudo, à Londres?

Eu a olhei nos olhos. Encarei aquela imensidão esverdeada que eu também tinha em mim por alguns segundos. Havia dor ali. Ela sabia que algo não estava bem. Ela, de alguma forma, sabia que o que me trazia ali, não era só o meu sentimento por Matt. Eu não podia deixar de contar tudo para ela.

– Tia, me responde uma coisa.

– O que, querida?

– O Matt tem se encontrado com os pais biológicos? – encarei minha caneca, agora um pouco menos quente.

– Como você tá sabendo disso, Lily? – tia Bea parecia assustada.

– Porque é outra armação do meu pai.

Entre nós e paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora