Lobo em Pele de Cordeiro
Na noite do dia 15 de agosto de 2013, o Bliss Bistrô estava particularmente movimentado. Era uma daquelas noites em que todos os funcionários estavam em seu limite, correndo de um lado para o outro, tentando atender a todos os clientes e garantir que o serviço fosse impecável. Eu, como de costume, estava no meio desse caos, me movendo apidamente entre as mesas, entregando pratos, limpando superfícies e respondendo a pedidos com a maior eficiência possível. Não era uma noite fácil, mas eu gostava da adrenalina. O ritmo frenético do restaurante sempre teve um efeito calmante sobre mim, uma distração bem-vinda dos meus próprios pensamentos.
Foi durante um desses momentos de correria que um cliente em particular chamou minha atenção. Eu tinha acabado de servir uma mesa de quatro pessoas e estava a caminho do balcão quando vi a porta do Bliss se abrir. Um jovem atraente entrou no restaurante, com um porte alto e uma postura que exalava confiança. Seus olhos percorriam o ambiente de forma rápida, quase como se estivesse analisando cada detalhe. Ele carregava uma pasta grande e preta, que balançava levemente enquanto caminhava. Sua presença era marcante, e algo em sua maneira de se mover fez com que eu o notasse imediatamente. Ele se sentou em uma das mesas mais afastadas, aquela perto da janela, como se desejasse um pouco de privacidade. Com uma sensação de curiosidade e um leve nervosismo, fui até a mesa dele para tomar o pedido.
— Boa noite, senhor. O que posso trazer para você? — perguntei, tentando manter a formalidade e o profissionalismo, enquanto minha mente estava ocupada em avaliar aquele cliente intrigante. Sua postura, seu olhar tranquilo, tudo nele despertava um misto de curiosidade e apreensão em mim.
— Boa noite. Sou novo na cidade, cheguei ontem. Pode me trazer um café sem açúcar e um croissant, por favor? — respondeu ele, com um sorriso amigável que parecia iluminar o ambiente. Sua voz era grave e calma, o tipo de voz que parece ter sido treinada para convencer e cativar. Fiquei ligeiramente desconcertada, mas mantive minha compostura.
— Claro, com licença. — disse, tentando não me distrair com sua presença marcante.
Voltei ao balcão, onde preparei o pedido com o máximo de cuidado, querendo garantir que tudo estivesse perfeito. Enquanto me dirigia de volta à mesa, notei que ele havia tirado um jornal da pasta e estava lendo com um olhar concentrado. A maneira como seus olhos percorriam as palavras era fascinante, quase como se ele estivesse estudando cada linha, absorvendo cada detalhe. Coloquei o café e o croissant na mesa e, quando ele levantou os olhos e sorriu, senti uma onda de calor que quase me fez hesitar. Era um sorriso encantador, mas eu rapidamente me recuperei e saí, tentando ignorar a sensação que me acometia.
Conforme a noite avançava, eu me peguei observando de vez em quando. Ele parecia completamente absorto em sua leitura, mas, em um momento ou outro, levantava os olhos e olhava ao redor, como se estivesse esperando por algo ou alguém. Esse comportamento me deixou intrigada. Havia algo nele, algo em sua postura tranquila e sua presença calma, que não combinava com a agitação que eu sentia por dentro.
Não muito tempo depois, ele se levantou e se aproximou de onde eu estava, perto do balcão. Com um gesto casual, me entregou um pedaço de papel. Olhei para ele, confusa, e o homem simplesmente sorriu de novo antes de se dirigir à porta. No papel, havia um número de telefone e, logo abaixo, estava escrito um nome: Joe Collins. Presumi que esse fosse o nome dele.
Após o término do meu expediente, fechei as portas do restaurante e fui em direção à parada de ônibus. O encontro com Joe estava rondando meus pensamentos. Eu me sentia estranhamente atraída por ele, mas ao mesmo tempo, uma pequena voz dentro de mim me dizia para ter cuidado. Ao chegar em casa, peguei o papel novamente e olhei para o número. Decidi ligar, sentindo uma mistura de ansiedade e curiosidade. A ligação foi atendida depois de alguns minutos, e a voz veio do outro lado da linha, a mesma voz calma e firme que eu havia ouvido no restaurante. Conversamos por um tempo sobre a cidade, nossos interesses e o que nos trouxe até ali. No final da conversa, ele me convidou para sair.
Inicialmente, hesitei. Joe era novo na cidade e eu não o conhecia bem. No entanto, algo em sua voz e na maneira como ele conversou me fez querer aceitar o convite. Havia uma confiança em suas palavras que era difícil de ignorar, uma sensação de segurança que eu não sentia há muito tempo.
O encontro inicial foi agradável. Saímos algumas vezes como amigos, explorando a cidade e compartilhando conversas. Ele me mostrou lugares que eu nunca tinha visto, me apresentou a pessoas interessantes e me fez sentir como se eu estivesse descobrindo um novo mundo. Eventualmente, Joe revelou que estava desenvolvendo sentimentos mais profundos por mim. Embora uma parte de mim estivesse ciente de que deveria ser cautelosa, decidi ignorar esse alerta interno. Ele parecia ser um namorado ideal nos primeiros meses. Era carinhoso, me presenteava com coisas que eu adorava e estava sempre ali quando eu precisava dele. Parecia que finalmente eu tinha encontrado alguém que valia a pena.
No entanto, com o passar do tempo, o comportamento começou a mudar. Ele se tornava cada vez mais distante e evasivo. Começou a sair de madrugada e me deixava sozinha em casa com frequência. Quando eu perguntava sobre seus planos, ele inventava desculpas que não faziam sentido. O relacionamento começou a se deteriorar. Já não me respeitava mais; chegava bêbado em casa, quebrava coisas e criava cenas de briga. A situação estava se tornando insuportável, e eu me sentia cada vez mais presa em um ciclo de medo e confusão.
Eu estava exausta com a vida que estava levando com ele. Para escapar da tensão em casa, me concentrei em meu trabalho. Em um dia particularmente cansativo, enquanto estava de serviço, a televisão no restaurante começou a transmitir o noticiário. Uma notícia urgente estava no ar: um serial killer chamado Peter Wood havia fugido de Massachusetts. O retrato falado apareceu na tela e, quando reconheci o rosto, meu coração quase parou. Era Joe.
A visão daquele rosto, que eu conhecia tão bem, na tela da televisão, me abalou profundamente. O mundo ao meu redor parecia girar e eu precisei me segurar no balcão para não desmoronar. A realidade era assustadora e esmagadora. O homem com quem eu havia compartilhado tantos momentos era um criminoso procurado. Tudo fazia sentido agora: as saídas à noite, as desculpas esfarrapadas, o comportamento estranho. Eu estava vivendo com um assassino, sem saber quem ele realmente era.
Meus colegas de trabalho notaram minha expressão de choque e preocupação. Perguntaram se eu estava bem, mas eu apenas concordei com um aceno de cabeça, sem conseguir articular palavras. Sem pensar duas vezes, corri para a delegacia mais próxima e fiz a denúncia. Cada passo parecia pesar uma tonelada, mas eu sabia que não podia hesitar.
As luzes piscavam em frente à minha casa quando os policiais chegaram. Eles invadiram a residência, encontraram o homem e o levaram algemado. Seu olhar, ao me ver, estava cheio de desprezo e malícia. Naquele momento, percebi que havia vivido com um assassino o tempo inteiro, sem nunca imaginar a verdadeira face dele. As memórias dos momentos que passamos juntos se misturavam agora com uma sensação de traição e terror. Como eu pude ser tão cega? Como não percebi?
Ele foi condenado à prisão perpétua e, mais tarde, transferido para o corredor da morte. Desde então, minha vida foi marcada por cicatrizes emocionais profundas. A dificuldade de confiar em outras pessoas e o trauma de viver com um criminoso me levaram a buscar terapia. Faço tratamento há mais de dois anos, tentando reconstruir minha vida e lidar com as consequências daquele período sombrio.
Sou uma sobrevivente. As sábias palavras de minha falecida mãe ressoam em minha mente: "Quem vê cara, não vê coração." A experiência me ensinou que o exterior pode enganar, e o verdadeiro caráter de uma pessoa é algo que só se revela com o tempo. Agora, cada passo que dou é com mais cuidado, cada sorriso que recebo é questionado. Mas, acima de tudo, aprendi a confiar em mim mesma, em meus instintos, e a nunca mais ignorar aquela voz interna que me alerta quando algo não parece certo. A vida seguiu, mas as lições daquele período permanecerão comigo para sempre.
User: Autora_MayStorm