Malu Vandekokem

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Medo

Todo dia eu faço tudo sempre igual. Acordo às dez, volto a me deitar e durmo até mais duas horas, na esperança de que essas duas horas se tornem quatro, seis, dez... Enfim. Rendendo-me ao tédio e ao medo de estar só com meus pensamentos, levanto-me e vou à cozinha passar um café. A louça, como sempre, aparece como uma imagem dantesca em minha mente, descomunalmente nojenta e mais apavorante que o próprio Cthulhu. Sento-me á mesa com meu café. Nenhum grão de açúcar, nenhum doce para minha boca, negando qualquer prazer em minha vida. É nesse exato momento do dia onde me encontro em meus pensamentos mais frios, onde me vem o medo do amanhã, o medo de ontem e a ansiedade de agir, pois a ansiedade não é nada mais que o medo reprimido, medo esse que rege minha vida, pequena em todos os sentidos, já que tudo se repete: O despertar, o café, a louça, o matutar e a falha tentativa de se manter acordado. Tentativa essa que se perdura a anos. Não quero dormir, não quero que o dia se repita, mas, não quero ficar acordado, não quero viver. É tal como Milan Kundera diz, que a ótica de Nietzsche e Platão corrobora para uma visão de que tudo um dia se repetirá de novo e de novo, eu não quero isso. Prorrogo tudo em minha existência: Quando irei sair de casa, fazer amigos, encontrar uma namorada, ligar para meu pai em seu aniversário e dias comemorativos. Eu tenho medo, um medo avassalador. Minha antiga criança, (Vejo adultos como crianças, apenas com ideais mais fixos) será que ficaria feliz com nosso eu de hoje? Eu não me tornei um médico, eu não falo mais com o pai e ele não tenta mais me fazer rir. Nunca mais entraremos em nossa antiga casa, casa essa que nós tanto amos. Nosso irmão foi embora para outro estado, em ódio a si mesmo e a de nossa mãe, depois disso, não havia mais ninguém para te proteger de nossa mãe alcoólatra, mas, fazer o que? Ela também não aguenta a vida como ela é e foge disso todo santo dia. Tudo na vida é baseado em tentar não se odiar ao máximo, e, dormir me ajuda a fugir de mim mesmo. Costumava ser uma criança feliz, brincava muito, gritava nas aulas e meus pais sempre eram chamados na escola por conta de meu mau comportamento e desempenho escolar, entretanto, sofria severos abusos em casa. Talvez tenha sido este montante de acontecimentos que me fizeram ser um ser tão fechado, triste e deprimente. É engraçado, saio na rua e sempre mostro um largo sorriso, mas na realidade mais crua, tomo em excesso remédios para ansiedade, para não ter que chorar ou pensar demais enquanto estou na rua, tentando manter uma aparência segura de si, mas como eu poderia mentir? Olhar para os trabalhadores do supermercado, do shopping, das lojas, e saber que todos, sem falta, fazem o mesmo que eu, por pura sobrevivência, para garantir o tal do pão de cada dia. Essa sociedade não só mata o indivíduo, mas como também seus sentimentos, seu tempo com queridos, seus gostos, a capacidade de pensar como indivíduo, e não como um órgão de algo maior, que de fato existe, mas nunca deve ser dado como único. Já trabalhei em uma loja de roupas, levava roupas pra cá, roupas pra lá. Tendo o cargo de transportar as roupas para as lojas filiadas e a loja cujo qual trabalhava, junto de atendimento ao consumidor e publicidade via Instagram, editando imagens e as postando devidamente. Me lembro de uma atendente, chamemos a mesma de, ficcionalmente, Fernanda. Esta era, para mim, a encarnação do que faz o mundo que é trabalhar com comissão. A mesma repetidas vezes pegou clientes cujo eu estava atendendo e botava no Excel vendas que eu fiz como sendo as dela. Depois de um tempo, queria postar por conta própria no Instagram, sem ter sequer entendimento da plataforma, bem, de qualquer maneira fui removido do trabalho por questões pessoais, mas que, dizendo de passagem, a mulher do dono não gostava de mim. Fútil mas assim é a vida, as coisas ocorrem num sopro. Fico feliz por não ter mais as bochechas doendo por forçar sorriso social na loja, isso de fato me incomodava. Toda essa escrita, que, com muito esmero fora formada até agora, faz-me lembrar de minha época de festas. Sempre sofri bullying por ser feio na escola, dentes tortos e mandíbula acentuada, cabelo bagunçado e falta de auto cuidado, uma criança, apenas. Quando completei quinze, virei tabagista e frequentava festas pesadas onde havia muitas drogas e, quase que milagrosamente (e por um ótimo dentista) comecei a ser extremamente desejado, quase como uma criatura, não mais um ser humano. Fiquei com muitas mulheres e homens. Aquilo se tornou um vício, eu apenas queria me sentir bonito, ter algum valor na sociedade, nem que fosse como uma companhia bonita. Comecei a perceber o quão sujo era tal círculo de pessoas que frequentava os locais, a maioria cometia um crime a cada dez minutos. Eu me portava de forma bonita e esperando ser desejado, mas, em suma, eu só desejava quebrar o paradigma posto em mim em toda minha vida de que eu era feio. Mas nesse processo eu me estraguei, comecei a fumar, andar com companhias erradas, usar drogas como forma de me punir pois, de baixo de toda essa máscara, eu me odiava mais que qualquer um no recinto. A sociedade nos faz fazer coisas que não realmente queremos fazer, seja de um trabalho a usar uma droga. Sinto tristeza quando vejo o povo se perdendo, perdendo a noção do que gosta, sua cor favorita, musica favorita, o que te deixa triste, qual a melhor e pior lembrança na infância, quem é você de verdade. Infelizmente, o mundo é cheio de ideais, e o que estou dizendo também é um ideal, e se é ruim ou não, isso também é um ideal.

User: Lupercais

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