Andreza Kely

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Descontrole

Quando saio de casa, minha mente já sabe como meu corpo deve se comportar. Afinal, os mundos são diferentes, mesmo que seja apenas um, e saber lidar com cada um deles é uma habilidade honrosa. Vejo-me em vários lugares e, em todos, sou diferente. Acabo de caminhar em direção a um desses mundos e observo como as pessoas ao meu redor entendem o que é ser "neutro" ou como é adaptar-se às emoções da maioria.

Entro na escola sabendo que devo ser apenas um estudante: esplêndido, confiante e educado. Sento-me na frente, na primeira fila. A matéria é matemática, que odeio, mas coloco todos os meus esforços para ser o melhor na disciplina e mostrar que posso superar aqueles que estão ao meu lado. Os amigos que rodeiam meus dias na maior parte do tempo contam segredos que não me interessam. Sorrindo como se o mundo fosse tão belo quanto o paraíso prometido, tento ouvir seus segredos e sorrir junto a eles para mostrar que "podem disfarçadamente" estar certos, mesmo que não estejam.

Sigo meu caminho para casa mais uma vez, acompanhado de animais de rua e de mais colegas. As boas festas que eles já foram e querem ir ecoam pelas ruas, e me imagino distante, sem precisar afirmar que adoro tudo isso. Não suporto seus comentários e suas risadas, nem tampouco quando riem feito hienas. Mas meu coração e minha mente sabem se comportar; a toda hora dizem que esse lugar não é certo para eu ser eu mesmo. Então caminho ainda mais rápido; mesmo com tanto tempo, ainda não me acostumei. Às vezes, a vontade de gritar devido ao estresse acumulado me força a correr com as pernas para não usá-las como punhos.

Minha cara dói de tanto sorrir; acho que vida social não é para mim. Não me importo com as pessoas ao meu redor, a não ser que me beneficiem. Se não me trazem algo em troca — mesmo que seja uma simples companhia para não me sentir estranho — trago a pessoa para minha forma "ingênua" e a manipulo conforme minha vontade; assim, uso-a como um simples objeto.

Às vezes, não são necessários amigos; pode ser família ou animais de estimação. Mas se a maior parte do mundo deseja isso sempre, preciso fingir que gosto desses elementos da vida. Minha cara dói de tanto sorrir, meu coração bate de cansaço e minha mente não para de gritar. Ainda não é o lugar certo, mas tarde, em outro mundo, serei eu outra vez.

Esse mundo chega enfim: minha casa e minha cama, meus livros e minha janela com o brilho da lua nas brechas sobre o tapete. Minha mãe grita na cozinha sobre o jantar enquanto os passos pesados do meu pai ecoam até meu quarto.

"Como se eu não te conhecesse", ele disse com aquele tom de sarcasmo, com aqueles olhos brilhantes de inveja e o sorriso que, querendo ou não, tinha um orgulho repentino pela primeira vez em anos. Ele pegou uma carta do bolso e começou a ler em voz alta: "Sinto falta de muitos momentos contigo, de quando ainda éramos mais apaixonados do que agora. Me diga se não sente o mesmo, pois eu sei que você não iria mentir. Dentro do meu e do seu coração existe um ímã de ouro e aço, e ele não quebra, assim como nosso amor verdadeiro." Meu pai me encarava com aqueles olhos, mas agora eram meio frios e preocupados, como se aquela carta dissesse que eu era mais pecador do que qualquer humano na Terra.

- Você mentiu para a sua ex-noiva? A traiu tantas vezes com colegas, primas e amigas de ruas vizinhas? Meu pai suspirou. - O mundo não é só mentiras; não ama ela, disso eu sei. Conheço o filho que tenho.

Claro, mas em um mundo cheio de mundos não se pode achar que conhece alguém. Conhecer não é apenas ver certas atitudes e como o ser reage. O interior é um bloqueio até mesmo para seus próprios donos, e nada é mais forte do que essa barreira. Nem mesmo as palavras doces e amargas de um pai, nem mesmo o amor enorme de uma mãe, nem mesmo as carícias de uma linda garota e nem mesmo o brilho cintilante de um animal abandonado.

Mas essa parte sobre amá-la ele acertou. Pura sorte, eu diria; nada é fácil, muito menos identificar a falsidade humana oculta.

- Em meu coração existe amor, meu pai - disse sorrindo, o sorriso dolorido de tanto ser forçado o dia inteiro dentro de uma sala de aula. Um sorriso que não suporta mais ser exposto a ninguém, que não quer mais fazer ninguém retribuir outro. E minha mente pede que eu continue esse jogo, que eu não mude a estratégia e que eu ganhe nele tudo aquilo que eu mesmo já não sei o que é. Meu coração pode conter tudo, mas amor nele não existe; não encaixa e não floresce. O mundo me ensinou que a crueldade é o mal enraizado na vida de todos que querem e não querem viver; e que quando morremos podemos talvez, em uma probabilidade pequena demais, sair do mal e ser felizes de verdade e não somente de aparências. Lágrimas não serão derramadas por mim; nem mesmo irei transparecer meu medo pela morte, assim como pelo julgamento e desprezo. Eu tenho sentimentos, mas eles são organizados para que eu não estrague minha vida.

- "Use-o então", respondeu meu pai, como se tivesse cuspido as palavras. "Use cada amor que tem de forma correta; não precisa transbordar em todos. Cada um merece um amor, mas não apenas de você."

Como se eu pudesse distribuir algo que não tenho de fato. Ao sair, meu pai me encara com os olhos sombrios, como se eu não fosse seu filho, mas sim um pecado em forma de adolescente. O mundo realmente é difícil de viver, e não adianta o esforço se caio em uma cova como todo mundo. E nem ao menos tenho tantas possibilidades de encontrar a felicidade que todos tentam suprir todos os dias com seus sorrisos falsos e amizades cínicas.

Meus pais me esperam na sala de jantar, mas há tempos não amo eles; e há muito tempo também não amo ninguém além de mim. Porém, olhando agora para essa corda pendurada em meu quarto, percebo que há muito tempo também não me amava de verdade. Não tenho mais amor nem mesmo por mim; toda minha forma verdadeira disfarçava até para eu mesmo.

Coloco então a corda no pescoço e sei que não existe outra alternativa. Não consigo mais viver atrás dessa máscara que me morde e me corrói aos poucos. Então, que minha mente se desespere e tente me salvar, mesmo que eu já não esteja mais aqui.

User: Luck_ande

Primeiro Desafio de EscritaOnde histórias criam vida. Descubra agora