Capítulo 4

10 4 1
                                    

O teto de madeira encarava Gabriel de volta. Ele estava deitado completamente nu enquanto escutava Naomi tomando banho num cubículo minúsculo do cômodo em que estavam. Não que o em que ele estivesse fosse muito maior.

Era um quarto quadrado, com as paredes feitas no tempo dos Antigos. A pintura já descascava, até mesmo as camadas mais antigas de tinta estavam tendo o mesmo destino, que lembravam em diversos lugares, folhas de árvores brotando. Havia duas portas à frente da cama que Gabriel se encontrava esparramado; uma dava para o corredor e outra para um pequeno banheiro, de onde era possível escutar Naomi cantarolando uma música que o rapaz não conseguia entender, pois se misturava ao som da água.

Gabriel olhou de relance para o peito e viu as marcas causadas pelo golpe do urso. Diversos hematomas, desde pequenos até grandes, cobriam o corpo entre o peito e as costelas. O simples movimento de olhar fez uma fisgada percorrer por entre as suas costelas. Desistiu de se mover por um momento e levou a mão para um local roxo, com uma leve coloração esverdeada. Ele cutucou o local sentindo uma dorzinha gostosa.

Por fim, Naomi saiu do banho junto à fumaça da água quente. Enxugava os cabelos com uma toalha velha cinza. A mulher analisou o parceiro por um breve momento.

— Não sei como você escapou dessa sem nenhum osso quebrado.

Uma nova agulhada de dor atravessou o corpo do rapaz que levantou o tórax para se sentar. Conseguiu dar um sorriso amarelo para Naomi.

— Sou sortudo! – brincou.

— Claro que sim – ela respondeu dando pouca importância ao outro e se dirigiu a um pequeno guarda-roupas. O único móvel do cômodo, tirando a cama. – Ainda assim, seria bom passar na Susan mais uma vez.

— Naomi, por favor! Ontem, quando chegamos, passei por lá junto de você senão se lembra! E ela disse que não tinha nada quebrado.

Susan era a Corva responsável pela saúde dos membros do Ninho da Cova 34. Uma mulher com seus cinquenta anos, o que para um Corvo era impressionante, afinal, tanto ele quanto Naomi, tinham apenas vinte e cinco e vinte e seis, sendo Gabriel o mais novo. A velha curandeira não somente era responsável pelos medicamentos, mas também pelos venenos e antídotos, o que chegava a ser meio cômico, pois quem a visse tão baixa e magrinha jamais imaginaria isso.

Voltando a se deitar e escondendo uma careta de dor, Gabriel concordou mexendo a cabeça positivamente para a parceira, ainda olhando-a tirar um conjunto de roupas pretas do guarda-roupas.

— Vai sair?

— Quero dar uma volta na Cova, faz tempo que saímos. – Colocou a camisa e então continuou: – Vou dar uma passada na Aldrey, ela vai poder me contar melhor tudo o que aconteceu na nossa ausência.

Gabriel concordou, conhecia Aldrey. Era a mulher responsável por um dos bares da cidade e que por algum motivo se afeiçoou a Naomi desde que eles chegaram como recrutas há muitos anos.

Naomi dava pulinhos para que a calça apertada coubesse perfeitamente em si, soltando alguns sons irritados até que, por fim, venceu o tecido. Sentou-se ao lado do parceiro e começou a pôr os coturnos.

— Preciso falar com o Jonas também – disse ela, meio que para si mesma.

Ignorando as fisgadas, Gabriel se mexeu até ficar ao lado da parceira, sentiu o peito quente pela febre no local.

— Estranho, Naomi. Em geral, você fala com ele assim que chegamos de alguma missão – falou Gabriel fingindo indignação.

Jonas era o líder dos Corvos na Cova 34, um dos quarenta e oito povoados, tirando o Bunker. E Gabriel conhecia Naomi o suficiente para saber o quanto ela era focada e certinha com as regras da organização.

— Teria passado se não fosse por certo alguém que teve as costelas esmagadas. – Fungou como resposta.

— Touché.

Ficando de cócoras, ela procurou embaixo da cama, lugar em que guardavam seus equipamentos, por sua faca, trazendo-a a si rapidamente. Também com rapidez, desembainhou-a da bainha a qual continha dois barbantes que se amarravam ao cinto e deslizou o dedão de leve pela lâmina para atestar o corte. Quando se deu por satisfeita, amarrou a parte de trás da calça deixando o objeto escondido sob sua camisa larga.

Gabriel ficou somente observando todo o ritual de Naomi. Conhecia as regras dos Corvos; como haviam voltado de uma missão, teriam uma pequena folga e poderiam usar esse tempo como bem quisessem. Poderiam andar pela cidade, mas somente com armas brancas, afinal, não era uma patrulha.

— Gabriel?

— Diga.

— Como vou falar com Jonas, você vai passar no Will.

O rapaz apenas sorriu meio que para si mesmo. Conhecia Will, o armeiro dos Corvos, parceiro de Susan, responsável pelo arsenal de lâminas a balas e até mesmo dos pedidos excêntricos de alguns. Gabriel era um desses. Para começar, tinha uma arma personalizada. Mas Will era conhecido não por sua habilidade com objetos assassinos e, sim, pelo eterno mau humor.

— Adoro o Will.

— Gabriel, por favor, não venha com suas gracinhas, sabe que você é o que mais perturba ele.

Com um movimento súbito que custou diversas agulhadas entre as costelas e peito, Gabriel fez cara de indignação e a parceira simplesmente ignorou a atuação.

Naomi se dirigiu até a porta e levou a mão à maçaneta de ferro velho. Parou para dar uma última olhada ao outro, que mantinha a face indignada.

— Só leve os equipamentos para ele e aproveite para falar com a Susan.

— Tá, só vou dormir mais um pouco e já vou.

Naomi concordou e saiu do quarto, por fim, deixando-o completamente sozinho. Ele fechou os olhos sem intenção nenhuma de dormir, mas todo o cansaço acumulado veio à tona apagando-o quase de imediato.


CorvosOnde histórias criam vida. Descubra agora