As casas que ficavam contra as paredes do Oásis lembravam uma estante de livros gigante. Eram divididas por camadas, da qual uma escada dava para cada nível. Uma grade de ferro com cordas protegia as beiradas para que não houvesse nenhum incidente, sendo possível ver as pessoas caminhando por elas. Naomi contou oito andares.
Mas não era somente contra a parede que eram feitas as construções. No solo também. As quatro cachoeiras se encontravam no centro do local circular, formando um lago que descia para o deserto, formando também o córrego.
Em volta do lago, casas estavam espalhadas. A Corva prestou atenção em todas as quatro quedas de água. Grandes mecanismos de madeira giravam com a força da queda. As grandes hélices ficam acopladas a uma casa.
— Pra que servem elas? – indagou Livya apontando para os objetos que giravam.
— Energia – disse Michel, admirando o lugar. – Elas giram criando energia, diferente dos Ninhos que é a combustível. Este lugar trabalha com energia centrífuga.
— Mas são tão poucas.
— O suficiente para essa comunidade – continuou Michel. – E são acesas somente à noite.
— Você precisa ver – falou Gabriel, animado. – Esse lugar parece um fogaréu de longe, de tanta luz.
Naomi desviou os olhos das quedas de água, vendo as casas que em sua maioria não passavam de lojas ou estabelecimentos para entretenimento. Jogos, casas de apostas, ringues de luta, bares que deixariam o de Aldrey no chinelo, pousadas e, mais escondidos nos pontos altos, prostíbulos, tanto para homens quanto para mulheres.
Pessoas pescavam no centro do lugar, enquanto da cachoeira mais ao fundo, uma pedra servia de trampolim para visitantes corajosos, que pulavam caindo junto às águas no lago.
Estilos de roupas e etnias não importavam de nada, mas as moedas, sim. Ali, era um lugar que servia como escape da realidade. Corvos não eram bem-vindos lá, na verdade, não eram em nenhum lugar.
Ela continuou estudando o local, vendo as lojas com doces e comidas inéditas a ela. Vendedores trabalhavam com seus filhos para ensinar as manhas da profissão e não somente nisso, mas via crianças ajudando os pais por todos os lugares. Um serviço passado de pais para filhos, concluiu a jovem.
— Como vamos achar eles? – indagou Michel.
Naomi voltou a atenção ao grupo, percebendo que Livya ainda admirava o local. Se juntou ao trio, indo para um canto perto de uma casa que parecia vender ervas, tanto para temperos e chás quanto para fumar ou mascar.
— Esse local é grande. – Michel quebrou o silêncio. – Seria bom nos dividirmos para achá-los.
— Livya nunca viu nenhum dos dois – constatou Naomi. – Seria bom continuar com ela, além de ser a primeira vez dela aqui.
A novata pareceu que iria protestar por um momento, mas mudou de ideia, afinal nunca viu nenhum dos dois e ficou receosa em andar sozinha por lá.
— Claro – concordou Michel.
— É melhor começarmos então – falou Gabriel, claramente querendo explorar.
— Foco, Gabriel – disse Naomi de forma ríspida. – Nos encontramos aqui em duas horas?
Todos concordaram e então se espalharam. Enquanto Michel e Livya foram para as casas à volta do lago, Gabriel se adiantou indo pelo caminho da esquerda, tendo como objetivo as casas contra a parede de rocha, sobrando, assim, a direita para Naomi.
Sem perder tempo, começou a busca. Passou os olhos por cada casa e por beco entre elas, tentando ver os alvos. Seguiu por diversas ruas, ficando cada vez mais próxima à parede, e diferente do calor desagradável do deserto, agora sentia frio. O som da água ecoava contra a rocha soando como um estrondo o tempo todo no fundo de sua cabeça.
Musgo nascia no chão e nas casas por conta da umidade no ar, o que tornava difícil andar em alguns lugares. Placas saíam das casas com lâmpadas de neon ou comuns que eram pintadas para brilharem alguma cor específica. Garrafas de bebidas ficaram caídas ao lado de casas e muros por todos os lugares, mas ninguém parecia se importar. Vez ou outra, um gato corria pelos telhados e os ratos pelas vielas.
Uma rua ficava entre a parede e a última casa, fazendo Naomi seguir em direção ao fundo da caverna até ver a escada que subia. Diferente do Ninho em que havia tábuas grossas e envernizadas, esta era feita de bambu, centenas de bambus secos amarrados com cordas mais grossas que seus braços.
Sentiu um mal-estar ao ver as pessoas subirem e descerem rapidamente fazendo a estrutura balançar um pouco com os movimentos. Apertando os punhos, subiu os primeiros degraus e diferente da aparência, a jovem sentiu uma estranha confiança na madeira.
Estava na primeira galeria de casas, ficou surpresa com o espaço que havia para andar entre elas e rua, podendo caminhar tranquilamente ao lado de várias outras pessoas. Igual às escadas, o chão também era feito de bambu, com vigas de madeira em espaços regulares para mantê-lo.
O vento cheio de umidade batia em suas costas, fazendo todo o seu corpo ficar gelado, mas ignorou seguindo em frente. Bêbados gritavam animados em um dos bares, jogando cartas, enquanto um garoto com pouco menos de oito anos enchia os copos assim que esvaziavam.
Naomi prestou atenção a uma mulher que vinha em direção contrária a ela. Esbelta e com seus sessenta anos, andava com dois homens fortes atrás de si, que eram claramente guarda-costas.
Terminou o primeiro piso e subiu para o segundo por uma escada semelhante a primeira. Foi surpreendida por uma briga entre dois bêbados, junto à torcida que os rodeava gritando incentivos. Em geral, iria interferir, mas aquele não era o ambiente dela, então passou reto escutando pessoas começarem a apostar.
Estava prestes a terminar o segundo andar quando ouviu uma voz conhecida.
— Já disse que esse preço está muito caro!
— É o seguinte, mocinha – disse um terceiro. – Ou paga ou quebramos uma perna sua, escolha.
— Quatro moedas por um copo de destilado que segundo vocês é de abacaxi! – A voz conhecida estava completamente consternada. – Que de abacaxi não tem nada! Nunca vou pagar por esse lixo!
Naomi chega a um beco ao lado de um bar e viu quatro homens cercando uma mulher baixa, de testa grande e pálida. Os olhos verdes encaravam os quatro de volta, com indiferença.
A Corva reconheceu Bia no mesmo momento. Naomi, com o temperamento estourado de sempre, resolveu se intrometer não por medo de que algo ruim acontecesse a ela, mas, sim, com os quatro indevidos.
— Melhor vocês a deixarem em paz.
Todos olharam para ela, surpresos com a intromissão. No Oásis isso não era comum. Bia a viu abrindo o sorriso, esquecendo os quatro brutamontes que ameaçavam sua vida.
— Naomi! – Havia surpresa em sua voz. – O que está fazendo por aqui?
— Oh, garota. – Cortou o homem mais próximo à rua. – Não se intrometa se sabe o que é bom.
— Melhor fazer como eu disse – continuou Naomi. – Não quer mexer com Corvos, certo?
Os quatro se olharam por um momento, mas não pareciam amedrontados, e riram um para o outro.
— Não ligamos para os de sua laia, agora que está aqui, vai apanhar junto de sua amiguinha.
— Ei – disse Bia fazendo a atenção se voltar a si.
Com um passo para a frente, Bia desferiu uma cotovelada certeira contra o estômago de um primeiro homem, que desabou no mesmo instante vomitando todo seu almoço. Antes mesmo que o alvo acertasse o chão, a Corva desferiu um pontapé no meio da boca dele, jogando-o de costas contra a parede do bar.
Os três que sobraram olharam para o colega desmaiado com a boca escancarada, ensanguentada e sem os dentes. Rugiram de ódio e atacaram Bia.
Se vendo sem opção além de participar, Naomi chutou o calcanhar do que a ameaçou, fazendo o homem tropeçar nas próprias pernas e cair pesadamente, mas diferente do primeiro, este se virou a tempo de ver o joelho dela atingir em cheio seu nariz, projetando sua cabeça para trás e quicando no chão com um som oco, deixando-o inconsciente.
Bia desviou do soco que veio em direção a seu rosto, e com leveza, socou a garganta do agressor, que cambaleou tentando recuperar o ar, o que deu a ela tempo suficiente de focar no último que ainda estava bem. Seu adversário tentou agarrar os cabelos compridos dela, mas suas mãos somente pegaram o ar. Bia se abaixou ficando colada a ele, e subiu com força acertando-lhe o queixo com um soco.
Naomi viu a oportunidade e enquanto a colega acertava o soco no outro, empurrou contra a parede o homem que lutava para respirar, desferindo três socos pesados nas laterais do rosto do guarda do bar que desfaleceu no mesmo instante.
— Nada como um pouco de emoção para aquecer o sangue, não é mesmo?! – falou Bia sem estar nenhum pouco cansada ou ofegante. – Então o que veio fazer aqui?
— Vim por causa de uma missão. – Saiu do beco junto à outra. – E Jonas falou que agora está nela comigo.
— Ótimo! – Bia ficou animada. – Esse marasmo já estava me cansando. E sobre o que é?
— Antes de eu te falar mais, por que se meteu nisso? – perguntou apontando para o quarteto desmaiado no beco.
— Tentaram me passar a perna. Onde já se viu uma coisa dessa? Venderam praticamente destilado puro falando que era outro, e ainda cobraram muito caro, não iria pagar jamais!
Naomi soltou o ar segurando a risada. Bia era conhecida por ser muito mão de vaca e jamais aceitar ficar para trás.
— E sobre essa missão?
Então as duas Corvas se debruçaram pelo peitoral, enquanto Naomi contava tudo à outra.
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Corvos
Science FictionA Terceira Guerra dos Antigos fez a humanidade perder toda a glória, obrigando os sobreviventes a se esconderem no Bunker. Setecentos anos passaram desde o acontecimento, e para manter a ordem o grupo armado Corvos foi criado.