Capítulo 39

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Existia algo escondido por detrás das pessoas da Cova Dois, Ana sentia isso enquanto caminhava por um grupo que tentava entrar em uma das muitas casas noturnas. Ela sentia como e todo o lugar estivesse prestes a explodir em caos, era de conhecimento que pessoas sumiam com uma regularidade nenhum pouco comum mesmo para uma cidade daquela magnitude, e para piorar os Corvos não demonstravam estar preocupados com isto, os habitantes estavam no limite, se continuar assim ela temia uma revolta popular.

E para piorar um culto que se auto intitulava Herdeiros não parava de agitar as coisas colocando ideias na mente dos que eram facilmente impressionáveis, passando a ideia de que eles herdaram a terra, e que as pessoas com mutações não eram dignas desta dádiva merecendo a morte. As deformidades não passavam do castigo que os Antigos deixaram para aqueles não aceito neste novo mundo. Tudo parecia prestes a estourar em anarquia.

Nahara sabia o local que o homem disse a pouco no bar, levando-as pela rua principal, sendo preciso andar pelas calçadas pois o centro das avenidas era ocupado por duas fileiras de carroções, que vinham e iam com todos os tipos de cargas. Os comerciantes precisavam ser criativos para chamar a atenção a seu estabelecimento, usando desde neons que pareciam se mexer com lâmpadas que piscam dando a impressão da imagem estar realizando um movimento, a mais chamativa era de uma mulher que abria as pernas de forma vulgar e fechando logo na sequência. Outra usava pessoas que gritavam na frente em cima de bancos ficando mais alto que a multidão, e finalmente o preferido da Corva, em uma pequena casa dois homens fantasiados de camarão e outro de peixe-espada seguravam cartazes com as promoções da noite.

Corvos patrulhavam o tempo todo a avenida que era cortada por dezenas de ruas, algumas sendo menores e outra do mesmo tamanho, junto a um número absurdo de becos. Mas o que era para ser uma imagem de segurança à população somente deixava aquela estranha sensação em Ana cada vez mais forte, viu Nahara parando ao lado de um beco esperando por ela, suas bochechas estavam um pouco vermelhas pela bebida.

— Vamos entrar aqui! — gritou para a colega, mas vendo que a outra não entendeu por causa da poluição sonora, se aproximou gritando novamente. — É por aqui.

Ana fez que sim com a cabeça seguindo a outra em direção à rua, o cheiro de urina se misturava com comida podre que vinha das caçambas que transbordavam de restos. Ratos gordos corriam, e um cachorro que jantava o resto de uma massa com aspecto mofado as olhou por um instante, voltando novamente sua atenção ao alimento.

Ambas sabiam que aquele era o lado que a cidade tentava esconder, mesmo com as ruas vivas cheias de luzes, comidas, lojas com tudo o que conseguir imaginar, e eventuais bandas que faziam sua música passando um chapéu pela multidão na sequência, mesmo com tudo isso aquele lado era ignorado. Como se ao fazer isto ele simplesmente deixaria de existir.

Logo a frente o corredor se dividia em outros dois, junto a esta divisão a claridade de uma fogueira junto a vozes grogues. A dupla passou rápido, mas prestando a atenção a um grupo de mendigos a volta de um barril que usavam para manter as chamas, conversando e passando uma garrafa meio cheia de destilado. Por fim, o corredor escuro acabou dando diretamente a uma rua comum onde pedestres andavam apressados para todos os lados, Nahara levantou uma das mãos fazendo sua parceira parar no mesmo instante a olhando cheio de expectativa.

Usando a mesma mão ela guia o olhar da parceira em direção ao lugar onde parecia faltar uma casa, que os Antigos chamavam por estacionamento, em uma das paredes mesmo que pouco visível era possível distinguir uma porta mais ao fundo.

Nahara sinaliza para sua parceira a irem em uma direção a uma travessa que fica ao lado do local, atravessando assim a rua e se enfiando no beco apertado entre duas construções, somente uma casa de comércio separava elas do seu objetivo. Caminharam rente a parede até chegarem ao seu fim. Ana passou à frente de sua parceira e pegou um pequeno frasco escondido por baixo da camisa larga, com cuidado deixou uma gota do líquido azulado pingar no seu olho esquerdo, a queimação foi por um breve momento agoniante. Mordendo o lábio inferior e fechando o olho direito a jovem se posiciona tirando somente o suficiente do rosto para ver o local.

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