— Calma, sou eu! – disse Gabriel, com a cabeça para fora do tubo de ventilação. – Poderia abaixar essa arma?
Assim que o rapaz apareceu, Samuel e Michel apontaram as armas, esperando pelo pior. Foram ajudar o companheiro a sair, logo em seguida, ajudando também Bia.
Os dois trouxeram as garrafas dentro dos restos de uma mala de couro, junto aos pedaços de roupas dos manequins. Bia desceu segurando firme o achado.
— Como você está, Livya? – indagou Gabriel, que novamente voltou a lutar para tirar o excesso de poeira.
— Melhor – respondeu a jovem, pálida.
Gabriel percebeu que era realmente uma meia-verdade, mas pelo menos ela já conseguia ficar em pé. Os outros mantinham o mesmo aspecto, e pela cara de cansaço, parecia que as aranhas tentaram invadir outra vez.
Ao colocar Bia no chão, Samuel teve uma crise de espirros, e igual ao outro, ela se debateu feito um cachorro para tirar o pó. A ansiedade crescia rapidamente, indo da dupla recém-chegada para a mala.
— E então? – perguntou Naomi.
Com satisfação, ambos os Corvos empoeirados começaram a mostrar os itens aos outros. Algumas garrafas e panos. O ânimo voltou a cair.
— O que pretende fazer com isso? – indagou Naomi novamente.
— Essas garrafas – disse Bia, pegando um dos frascos cheios de líquido – estão cheias de vodca, podemos fazer cinco coquetéis molotov.
— Os barris estão cheios de gasolina – emendou Gabriel. – E se eu disser que podemos fugir e ainda explodir pelo menos um pedaço deste lugar?
O entendimento foi se apoderando dos quatro, mas a preocupação recaiu sobre Livya, que não poderia correr. A novata percebeu isso, abriu a mão e mostrou um pequeno frasco com um pouco de pó branco. O Último Meio.
— Se é para correr, então vamos correr – respondeu ela, com convicção.
— Tem certeza? – indagou Michel, somente para ela.
Com um sorriso triste, Livya respondeu o outro. Não havia opções, e pelos olhos maníacos de Gabriel e Bia, a ideia beirava à loucura, mas no fundo, todos sabiam que era somente algo louco para tirá-los do metrô.
— Esse é o espírito! – elogiou Gabriel, voltando então para a explicação. – A ideia é simples. Ao abrirmos a porta, todos dispararão, dando tempo para Naomi tacar o primeiro coquetel. Isso vai nos dar algum tempo para sair e correr, mas não esqueçamos que temos somente quatro deles.
— Como assim, quatro? – inquiriu Samuel, confuso. – Tem cinco garrafas.
— Posso? – perguntou Bia para Gabriel, que acenou positivamente. – Vamos colocar um no barril, lógico que com o maior pedaço de pano, e então quando ele chegar ao líquido, virá a explosão.
— Talvez funcione – murmurou Naomi. – Vamos fazer uma parede de fogo com os coquetéis até vir a explosão. O problema é que são aranhas, elas andam pelas paredes.
A empolgação da dupla vacilou, mas Samuel, que antes somente escutava, enfim resolveu fazer parte da conversa.
— Por isso que temos os dois. – Apontou para os Corvos empoeirados. – Combate a distância, certo? Se precisar, eu e Michel podemos ajudar a mantê-las distantes. Se mesmo assim conseguirem se aproximar, Naomi faz sua mágica.
— Temos um plano então! – comemorou Gabriel.
Começaram a preparação abrindo as garrafas com cuidado e inserindo os panos menores. Michel, com sua faca, forçava uma abertura no barril, suficiente para encaixar uma das garrafas.
Gabriel checou o cinto de munição escondido sobre a camisa, e viu que quase metade estava vazio. Todos também conferiam, igual ao rapaz. Os cartuchos eram poucos.
— Vou ser a responsável pelos coquetéis – falou Naomi, pegando a responsabilidade para si. – Não sou muito útil em combate distante.
Não houve protestos por parte dos outros, ninguém queria tamanha responsabilidade para si. Livya então ficou inquieta e perguntou:
— Qual minha parte?
— Correr – respondeu Samuel. – Correr muito e não morrer.
Michel conseguiu abrir o buraco do tamanho desejado, mas em compensação, o fio de sua faca desapareceu. O resto dos preparativos haviam sido finalizados também.
Livya abriu o frasco, colocou-o perto do nariz e cheirou todo o pó. O produto subiu queimando como brasa para sua cabeça, fazendo seus olhos lacrimejarem e um filete de sangue sair de cada narina. A pupila dilatou ao extremo da íris por um segundo, retraindo ao normal com quase a mesma velocidade.
— Quanto tempo dura o efeito? – questionou, limpando o nariz com as costas das mãos.
— Mais ou menos trinta segundos para dar efeito e cinco para acabar – respondeu Michel, que olhava fixamente a jovem.
A dor da ferida na coxa da Corva desapareceu, e uma onda anormal de energia fez com que ela se levantasse. Sabia que a febre não tinha sumido e que a dor fora somente escondida por um tempo.
— Vamos logo com isso, então – falou Naomi, segurando um dos coquetéis junto ao isqueiro do colega.
Todos concordaram, indo Gabriel, Bia e Michel, para onde a porta se abriria, com suas armas apontadas. Samuel iria abrir a porta e já segurava a maçaneta.
Naomi acendeu o fogo do coquetel no barril e esperou os outros, o que lhe pareceu serem horas, e então, com um movimento súbito, a porta se abriu. Junto ao som de disparos e pernas, centenas de pernas. Ela colocou fogo no pano e arremessou a garrafa, que acertou o chão causando uma pequena explosão.
Saíram no mesmo momento que os gritos que pareciam de centenas de gatos foi ganhando o corredor. Os disparos não paravam e derrubavam corpos do teto e das paredes. Então mais um dos coquetéis atingiu em cheio uma das aranhas, queimando-a e todas à sua volta também.
O mar de pernas pareceu parar por um instante, mas uma rápida bola de fogo engoliu alguns de seus integrantes, contudo logo voltou à percepção. Dessa vez, os dois coquetéis que faltavam foram jogados de uma única vez, criando o caos entre os animais.
Por entre as chamas, uma aranha pulou ainda pegando fogo, indo em direção ao grupo. Naquele momento, Naomi pegou sua katana e esperou que a aranha desse um bote, o que não tardou a acontecer. Quando o corpo ainda queimando voou em sua direção, ela fez um movimento em meia-lua, abaixando-se a tempo de acertar o agressor no abdômen, cortando-o em dois.
Outras três conseguiram passar e se focaram em Naomi, como que para vingar o parceiro morto. A primeira se atirou em direção à cabeça da jovem, que se moveu para a esquerda e colocou a lâmina no caminho do corpo. Este foi cortado profundamente pela própria força.
Vindo pela direita, a outra se aproximou usando a parede e saltou mirando as pernas da Corva, que parou com tudo e fez a lâmina descer. Acertou o fim da redonda bunda do aracnídeo, arrancando menos da metade, mas o suficiente para fazer os órgãos caírem.
Naomi voltou a correr e prestou atenção na última. Era como se estivesse com receio, mas o bote veio igual às anteriores. Dessa vez, a lâmina cortou o espaço até acertar em cheio a lateral das garras do animal, fazendo o corpo ser arremessado para trás, com um longo corte profundo entrando em seu tronco. O impacto fez Naomi cambalear por um momento, quando os disparos voltaram.
A iluminação do fogo sumiu e a onda assassina acelerou. Gabriel olhou para trás e viu todo o corredor coberto por pernas e presas brilhantes. Sentia a lombar começar a doer, temia pelo pior. A luz da entrada estava próxima quando a explosão veio.
Uma bola de fogo adentrou uma parte do corredor junto a um som ensurdecedor. O impacto quase derrubou o grupo. As paredes, no mesmo momento, começaram a cair em diversos lugares enquanto tremia.
As aranhas entraram em desordem, perdendo de vista a presa. Gabriel corria com todas as forças e não prestou atenção nisso. Mas somente alguma coisa dura bateu em suas sobrancelhas, fazendo algo quente e úmido escorrer, o que acabou por dificultar sua vista.
Livya foi a primeira a sair, seguido pelos outros. O túnel desmoronou sobre o grupo de aranhas e sons desagradáveis de corpos sendo esmagados ao serem acertados, podiam ser ouvidos. Uma nuvem de poeira encobriu os cinco, que se jogaram no chão, protegendo as cabeças.
Ficaram estirados ali por um tempo até todo o barulho de desmoronamento sumir, junto à poeira que baixou devagar. Livya foi a primeira a se levantar, segurando seu machadinho.
Disparou em direção a um corpo que havia sido meio esmagado, desceu o machado diretamente no meio dos olhos da aranha, fazendo o movimento mais algumas vezes para ter certeza da morte.
Pegou sua arma e disparou nas outras aranhas feridas ou que tentavam se esconder de volta nos escombros.
— O que está acontecendo?! – gritou Naomi, que levantou alarmada.
— Estou pondo um fim nessas malditas – falou Livya, que voltou a atacar com o machado.
A Corva não se importava, somente cortava os corpos delas com violência. Naomi se junta ao ato.
— Está tudo certo? – indagou Gabriel, sentando-se, com um dos olhos cobertos de sangue.
— Sim – respondeu Bia. – Elas estão acabando com as feridas. O que aconteceu com seu rosto?
— Caiu uma pedra.
Algo chamou a atenção dele, fazendo-o olhar em direção à estrada, onde as caminhonetes do dia seguinte voltavam. Várias pessoas olhavam, boquiabertas.
— Parece que nos viram – resmungou Samuel.
Logo voltaram aos carros, partindo por onde vieram. Gabriel voltou a se deitar no chão de concreto, e disse:
— Vamos falar para elas.
— Ainda não – retrucou Samuel. – Deixe que se divirtam um pouco.
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Corvos
Science FictionA Terceira Guerra dos Antigos fez a humanidade perder toda a glória, obrigando os sobreviventes a se esconderem no Bunker. Setecentos anos passaram desde o acontecimento, e para manter a ordem o grupo armado Corvos foi criado.