Capítulo 22

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Naomi esperava o veículo com Livya e Michel, do lado de fora. Havia aberto o portão, que rangeu em protesto. Ouvia o som deles se aproximando. Sobre uma das caixas, Gabriel estava esparramado fazendo caretas de dor, com a mão no corte das costelas.
Naomi viu o veículo que era conduzido por Livya. Michel estava ao lado dela, apreensivo com a direção da jovem. Assim que pararam, ele foi o primeiro a sair, e a jovem saiu com o kit de linha e agulha, passando-o para Naomi.
— Michel me falou que vai precisar – disse.
— Sim, obrigada.
— Vocês já exploraram o lugar?
— Ainda não, estávamos esperando os dois – respondeu Naomi, indo em direção ao parceiro.
Gabriel viu a sua conhecida bolsa com linha e agulhas. Estava acostumado com ela naquele ponto de sua vida. Somente tirou a camisa enquanto esperava a parceira remendá-lo.
— Bia – resmungou Samuel, mancando até a parceira –, me deixa dar um jeito no seu braço.
— Não precisa de pontos, só pomada já serve.
Samuel olhou para a outra com desaprovação, mas conhecia o receio da Corva com agulhas. Concordou pegando o pote com a pomada de ervas. Esfregou o creme verde-alga no corte, fazendo a outra rir para disfarçar a dor.
Os corpos estavam espalhados pelos cantos, deixando o ambiente noturno com um ar macabro. As fogueiras os iluminavam dando a impressão de estarem apenas dormindo. Michel enrolou um pedaço rasgado da camisa de um dos caídos, nos dedos quebrados, protegendo-os o máximo que podia, mas nada adiantava contra a dor que vinha em ondas constantes.
Livya sentia uma leve ânsia de vômito com o cheiro de sangue que impregnava o ar. Tentou mudar a atenção para outra coisa, afinal, já havia vomitado antes e não queria passar por aquilo de novo. Focando nos companheiros que se remendavam ou passavam pomadas, percebeu que Naomi estava nos últimos pontos, quando olhou para a cara de Gabriel.
— Quebrou o nariz? – perguntou curiosa, vendo o pedaço de cartilagem inchado e vermelho com um pouco de sangue seco nas entradas nasais.
— Não – simplesmente respondeu o rapaz entredentes, quando um novo ponto era feito.
— Só não quebrou – intrometeu-se Bia, que costurava a bochecha de Samuel. – Porque foi quebrado há muito tempo.
— Cale a boca, Bia – retrucou Gabriel. – Lembro-me de que quando quebrou o seu, você chorou feito um bebê.
— Sim – disse a outra, parecendo perdida em memórias. – Bons tempos.
— Como foi que aconteceu? – falou Livya, realmente curiosa.
— Na época do treino – respondeu Naomi, concentrada no que fazia. – Tinha uma iniciação antes da primeira missão.
— Cuidado, Bia. Não sou feito de couro – gritou Samuel enquanto levava os pontos.
— Eles nos davam um murro no nariz para quebrá-los – continuou Naomi, como se nada tivesse acontecido. – Quando é quebrado pela primeira vez, nós ficamos indefesos por um tempo.
— Os olhos enchem de lágrimas – complementou Michel, sentando-se perto do fogo. – Fica difícil respirar, além da quantidade absurda de sangue.
— Coisa horrível – sussurrou Bia.
— Não fazem mais isso? – questionou Gabriel, vendo que Naomi acabara o trabalho.
— Não – Livya respondeu com certo alívio.
— Sortudos de merda – resmungou Samuel.
Naomi novamente pegou emprestada a pomada de babosa do companheiro perto da fogueira e esfregou com força nos pontos que acabara de dar. Após todo o barulho e gritaria que haviam causado, deixando os animais assustados, o silêncio reinou, mas os primeiros grilos e corujas corajosas já cantavam. Todos estavam o melhor que podiam com os recursos que possuíam, preparando-se para explorar o lugar.
Mas antes de saírem, Bia pegou sua arma e golpeou uma das caixas na lateral para saber o que havia nela. Do corte feito na madeira, um pó branco escorreu feito areia para o chão. Michel que observava, se levantou abrindo um dos contêineres com algum esforço, e ao retirar a tampa, seus olhos se arregalaram. Estava repleto de caixotes.
Havia S.L. por todos os lugares, em quantidade monstruosa, suficiente para destruir muito mais que somente uma única cidade.
— Isso é insano – comentou Michel para si mesmo.
— Vamos queimar tudo – propôs Livya.
— Concordo – falou Samuel, apoiando a colega. – Mas precisamos ver o que eram aquelas máquinas na parte de dentro, antes.
Ninguém discutiu, e por uma passagem subterrânea, o grupo entrou no galpão, seguiram por um longo corredor com alguns corpos esparramados no chão, portas ladeavam o caminho que descia e ficava plano novamente. Livya espiou o primeiro quarto, que não passava de beliches e roupas, e já no outro, viu duas pessoas caídas.
Ao fim do caminho, uma escadaria com dez degraus os levou de volta à superfície, saindo no centro do lugar. Naomi, que foi a primeira a chegar ao lugar, não teve muito tempo para reparar, mas o choque que sentiu era algo compartilhado por todos.
Equipamentos de ponta. Algo que era somente encontrado no Bunker. Dois tubos de vidro grande o suficiente para colocar uma pessoa em pé. Um deles continha um líquido branco, que Michel supôs ser o veneno das aranhas. Ambos estavam conectados por um tubo no teto, o veneno borbulhava deixando todo o vidro com um aspecto embaçado. O do lado pingava pela parte de cima, um líquido quase transparente.
Sobre uma mesa de madeira, dezenas de formas em cubo ficavam ao lado de bandejas. À frente dela, um objeto redondo do tamanho de um carro, tinha diversas portas. Samuel mancou até uma delas e abriu para ver. Havia uma bandeja com as formas dentro. Um bafo quente saiu assim que o rapaz abriu, fazendo com que recuasse alguns passos. Com a faca, puxou um pouco a bandeja de ferro, para ver melhor o que ocorria com as formas. Dentro de uma delas, algo que lembrava um cubo de açúcar, se formava. E, por último, uma grande bancada de ferro com o que parecia ser uma panela acoplada na parte superior, dava um formato engraçado ao objeto. Naomi que estava mais perto, levantou a tampa para ver o que havia dentro. No fundo do objeto, um pedaço de ferro que lembrava uma hélice, estava parado, mas o pó esbranquiçado impregnava todo o interior da panela.
Livya foi entendendo como funcionava lentamente. Os tubos serviam para filtrar o soro do veneno, e com essa matéria-prima eles a colocavam no fogo para secar a ponto de endurecer feito um cubo. Por último, terminavam batendo esses cubos para soltar e virar pó na estranha panela.
As bolhas do veneno faziam barulho semelhante ao de água em ebulição. A quantia enorme deixou Gabriel enjoado. Era um laboratório simples, mas com equipamentos forjados por mãos que sabiam exatamente o que faziam. Não era algo feito de qualquer jeito como os laboratórios que os Corvos conheciam.
— Isso não faz sentido – apontou Naomi, que pegou uma pá ao lado da panela. A ponta do objeto estava esbranquiçada pela droga. – Como conseguiram equipamentos assim?
— Será que esse tal de Grande Irmão tem conhecimento de como fazer estes equipamentos? – indagou Samuel.
— Duvido muito – respondeu Michel, dando com o nó dos dedos no vidro que estava quente igual ao líquido dentro. – Este tipo de conhecimento só está disponível no Bunker, exceto se...
— O quê? – questionou Naomi, impaciente.
— Algum conhecimento perdido – Samuel respondeu pelo companheiro.
Livya aprendeu sobre o conhecimento perdido. Eram pedaços de informações que sobreviveram à Terceira Guerra dos Antigos. Não achou que fosse verdade, mas diante de tal achado, ela teve que ponderar sobre isso.
— Acham que é possível termos matado esse Grande Irmão e a tal Irmãzinha no meio do ataque? – perguntou Bia, esperançosa.
— Não sei – respondeu Gabriel, que olhou para todos, com olhos sombrios. – Falando a verdade, vocês não acham meio estranho tudo isso?
Vendo que ninguém estava acompanhando seu raciocínio, o Corvo caminhou até a mesa com os cubos e continuou:
— Foi muito fácil. Tinha pouca gente e não vimos aquelas caminhonetes em lugar algum.
— Como se fosse uma armadilha? – indagou Michel, com a testa enrugada. – Creio que não. Por que deixariam os equipamentos de fazer a S.L. e tantas pessoas para trás?
— Devem ter simplesmente fugido – propôs Bia.
Não falaram por um tempo, como se o ar tivesse ganhado vinte quilos, o que tornava o ato de respirar, difícil. Mas logo rejeitaram a ideia, exceto Gabriel, que se mantinha pensativo perto das bandejas.
— E agora? – perguntou Livya.
— Acho que acabou – respondeu Samuel.
— Nossa! – A jovem retomou o assunto, parecendo desapontada. – Missões terminam assim, sem mais nem menos?
— Se completarmos o pedido, sim.
Algo atravessou o ar repentinamente, indo em direção ao caminho que o grupo tomou, seguido por um grunhido de dor. Todos sobressaltados se viram para tentar entender o que acabou de acontecer.
Gabriel havia lançado uma de suas facas de arremesso em um homem que subia lentamente pelo caminho, com a arma em mãos, acertando-o. Então os sons de carros rugiram por todos os lados junto a gritos.
Naomi sentiu o peito apertar, realmente havia caído em uma armadilha. Armando-se, o grupo se preparou para fugir, mas escutam Gabriel esvaziar sua arma contra os instrumentos do laboratório.
— Não vão mais conseguir usar nenhum deles – falou o rapaz, satisfeito, vendo a destruição que causou.
— Rápido – disse Michel, apontando em direção ao túnel do qual viera. – Temos que sair daqui!
Um tormento de sentimentos engoliu Livya, que seguiu a passos ligeiros dos outros. Foram otimistas demais ou somente queriam que tudo estivesse resolvido.
— Eles usaram as pessoas deste lugar como chamariz – falou Gabriel, que seguia na dianteira do grupo. – Sabiam que iríamos acabar descobrindo este lugar e fizeram esta armadilha.
— Deixaram os seus para morrer? – questionou Naomi, indignada.
— Sim. – Foi a única resposta do Corvo, que parou de supetão.
Do outro lado do corredor, um homem vinha correndo e segurando uma longa faca. Bia se adiantou segurando sua lâmina. O adversário, vendo que havia sido visto, deu uma estocada mirando o peito da jovem, que desviou sem nenhum problema, e usando a mão livre, ela pegou o braço do outro, rodando-o e batendo de frente à parede. O homem teve tempo somente de soltar o ar quando a faca de Bia adentrou a nuca dele.
Mais deles apareceram descendo o caminho contrário, e pela reação de ódio, queriam vingar o parceiro morto. Samuel junto a Michel, adiantaram-se para se juntar à parceira na linha de frente.
Os adversários pegaram suas armas, mas não rápido o bastante, pois os Corvos lançaram suas lâminas de arremesso freneticamente até ficarem sem nenhuma, causando sete óbitos.
A gritaria se intensificava, deixando claro para Gabriel que o grupo maior estaria logo ali. Teriam de fugir enquanto havia tempo. Estava pronto para falar com todos, quando uma voz de menina ecoou pelo túnel que cheirava à morte.
— Acharam eles? – indagou a voz infantil.
— Irmãzinha! – gritou um homem, que parecia aliviado pela chegada da outra. – Sim, aqui embaixo.
Uma figura extremamente grande começou a descer pela escada. Usava em todo o corpo, pedaços de metal iguais a de armaduras, um capacete com dois buracos para os olhos e diversos menores na região da boca. Estas eram as únicas coisas sem ferro no corpo de dois metros. Em suas mãos, segurava um cabo de ferro com quase um metro e sessenta com uma marreta na ponta, só que três vezes maior que a habitual. Ele entrou no túnel quase raspando a cabeça contra o teto. Parecia uma parede de ferro que se mexia. Ela olhou para os corpos e então se virou ao homem e com uma voz de choro, o indaga:
— Quem fez isso com minha família?
— Foram eles! – respondeu o rapaz, apontando para o grupo de Corvos.
Naomi sentiu calafrios vendo a figura de metal, principalmente quando falava. A voz não parecia pertencer ao corpo, chegava a ser algo alienígena. Apertou mais forte o cabo de sua arma, mas estava na linha de trás, somente assistindo.
— Mataram a minha família!! – A voz de Irmãzinha chorosa levava consigo requintes de ódio. – Vão pagar!
Ela atravessou os corpos parecendo um touro, sua velocidade era simplesmente algo fora da realidade para seu tamanho. Então, preparou-se para baixar sua marreta contra os três que estavam na ponta.
Com movimentos ágeis, Michel e Bia pularam para trás, mas Samuel vacilou quando sua perna machucada falhou. Ele mal conseguiu ver o golpe que desceu parecendo um borrão. A marreta acertou sua clavícula quebrando-a em duas, mas não parou por aí, pois o ataque veio com tanta força, que o pedaço de ferro desceu ainda mais, esmagando diversas costelas e rasgando a carne no processo. Pedaços de ossos romperam da pele no mesmo instante e seu corpo foi jogado para o chão junto à força do ataque. Lá, ele ficou imóvel.
Uma onda de choque atravessou todos ao verem o companheiro morto. Michel entendeu por que a patrulha de antes falou que nem mesmo Corvos teriam chances com ela. Viu por cima dos ombros Livya, e se lembrou do antigo parceiro morto. Não iria deixar isso se repetir com esta, e gritou com todas as forças:
— Gabriel, Naomi, rápido, levem Livya e peçam reforços! – Percebeu que os veteranos iriam protestar, mas não deu tempo a eles. – Rápido, deixe isso conosco!
Mordendo a boca, de angústia, a ponto de sentir o gosto de sangue, Naomi compreendeu o desespero do colega. Agarrou a novata que havia travado e a arrastou, gritando com Gabriel:
— Vamos, antes que seja tarde demais!!
Assim, contrariados, o trio arrumou um novo caminho para sair, deixando os dois para trás. Michel ficou ao lado da parceira, vendo lágrimas escorrerem torrencialmente por seus olhos vermelhos de raiva. Não teria adiantado tentar fazê-la fugir, afinal, conhecia muito bem o que sua companheira sentia naquele momento.
— Agora é com a gente – murmurou para ela. – Vamos matá-la.
— Eles – conseguiu dizer Bia, com a voz carregada do mais profundo ódio. – Vamos matar todos eles.
Bia partiu para cima da assassina de seu parceiro, abaixando-se a tempo de desviar de um golpe que passou varrendo o lugar onde estava seu peito um momento antes. Os disparos vieram por detrás dela naquele instante. Michel atirou quando viu a oportunidade, descarregando o pente em Irmãzinha.
A Corva abriu mais dois passos de distância e também disparou. A gigante de ferro levantou os braços protegendo o rosto enquanto era fuzilada. Bia continuou apertando o gatilho até os disparos acabarem, trocando para seu último pente, e o descarregou, sem piedade.
Os sons junto aos clarões de disparos a deixaram cega por um momento, fazendo manchas pretas dançarem em sua íris a cada vez que piscava. Mas a Irmãzinha estava parada com as balas todas presas à armadura. A mulher abaixou os braços e disse:
— Isso me assustou.
Sem nenhum aviso, um novo golpe varreu o ar em direção a Bia, que mesmo não enxergando direito, conseguiu desviar por reflexo, mas sentiu o ar causado pela marreta, que cravou na parede.
Michel estava sem nenhum cartucho e soltou a arma de lado. Quando estava prestes a entrar no combate, viu que a Irmãzinha soltou ambas as mãos do cabo de sua arma e socou o estômago de Bia.
O golpe foi tão repentino e forte, que fez a jovem vomitar toda a janta, tirando junto, o ar de seus pulmões. Bia olhou para os pedaços de batata no chão e um pensamento inundou sua mente: Minha última refeição vai ser batata assada. Sorriu para isso, vendo a agressora pegar a arma novamente.
Arremessando sua faca, que quicou inutilmente na proteção da garota, Michel somente a viu, com um único movimento, arrancar a marreta da parede, fazendo-a voar em direção ao rosto de Bia. O som de algo se quebrando veio ao mesmo tempo que o corpo da sua colega era jogado violentamente para trás, batendo de costas no chão, com a face destruída.
Terror foi o sentimento que inundou Michel ao ver os dois corpos dos colegas mortos e a visão da pessoa cheia de balas encravadas em sua armadura, com a marreta escorrendo sangue. Sentiu as pernas vacilarem, mas devia ganhar mais tempo para os outros. Segurando sua última faca, avançou.
Um ataque veio de cima para baixo mirando a cabeça do Corvo, que deu um passo para o lado, escapando. O som do chão cedendo ao impacto, chegava a tremer seus ossos, mas não teve descanso, pois a marreta mal acertou o chão e voltou a se movimentar. A força de Irmãzinha não era normal. Desta vez, Michel teve tempo somente de se aproximar do corpo maciço da outra, escutando novamente o golpe destruir o concreto atrás de si.
Segurando sua faca com ambas as mãos, atacou precisamente o espaço entre as juntas da armadura, que ficavam entre o tronco ao ventre, jogou todo o peso apostando todas as suas fichas. Sentiu a lâmina passar pelo espaço, mas atingindo, logo em seguida, algo duro, uma cota de malha.
Foi se distanciar quando a bota de ferro da mulher acertou sua canela, que partiu no mesmo momento em duas, fazendo seu pé voar para frente em um movimento nenhum pouco natural.
O grito de dor saiu de Michel, que caiu mole no mesmo instante. Viu a brutamontes retirando a arma da parede e indo em sua direção.
— Espere um pouco, irmã! – Uma nova voz deixou todos quietos e fez a garota parar na hora, desceu pelo caminho. – Deixe-o vivo por enquanto.
— Claro, irmão.
Um homem alto, com seus quarenta e cinco anos, desceu as escadas. Não precisou se esforçar para abrir caminho, pois os outros somente o deixavam passar, com olhos de admiração. Forte e esguio, ele se aproximou da irmã, olhando os corpos à volta.
— Perdemos muitos para esses animais – disse, olhando com nojo para Michel.
— Matei dois deles, irmão! – comentou Irmãzinha, contente, ao recém-chegado.
— Eu sabia que não teria dificuldades com esse tipinho, mas devo elogiar, Corvinho, o seu esforço junto aos seus dois amiguinhos – falou, apontando com descaso para os corpos mortos dos outros dois. – Deram tempo suficiente para os outros fugirem. Pois bem, não que isso mude muita coisa. Eles irão morrer logo também. Irmã, traga ele.
Grande Irmão saiu do túnel com os outros à sua volta. Irmãzinha pegou a perna boa de Michel, arrastando-o, indiferente. Ao sair do túnel, o rapaz foi recebido com pontapés e cuspes junto a uma onda de xingamentos.
O lugar estava abarrotado de pessoas de todas as idades e mais de uma dúzia de carros se encontravam espalhados à frente do portão. Grande Irmão estava sobre uma caminhonete, segurando um estranho microfone conectado a caixas de sons. Limpou a garganta duas vezes e falou:
— Corvinhos, aqui é o Grande Irmão. – Sua voz ecoou por todas as direções, amplificado em milhares de vezes. – Sei que mesmo fugindo com o rabo entre as pernas, podem me ouvir. Vi que destruíram minha fábrica e meu ninho de aranhas e estão de parabéns por isso, mas estou realmente com raiva, então não vou deixar nenhum de vocês livre até ter suas cabeças.
Ele desceu do carro com um pulo, levando o microfone consigo. O cabo se esticou quase ao limite quando se aproximou de Michel, chutando sua perna. O grito do Corvo foi ensurdecedor ao se amplificar junto ao urro da multidão à volta.
— Estou com um amigo de vocês, e agora, em primeira mão, irei mostrar o que vai acontecer com cada um em breve. Poderia, irmã?
Michel mal conseguia manter os olhos abertos pelas lágrimas de dor que deixavam difícil encher quando o golpe veio. A pancada desceu em seu peito, destruindo seu interno e amassando sua caixa torácica. Os golpes continuavam a descer e destruíam o corpo de Michel, que já havia perdido a vida no primeiro golpe.
Os sons eram grotescos e guturais junto ao grito das pessoas à volta. Grande Irmão fez questão de manter o microfone perto o tempo todo, para transmitir. Ao se dar por satisfeito, levantou a mão, e as pancadas com a marreta cessaram.
— Gostaram, Corvinhos? Pois eu gostei muito, e estou ansioso para quando for vocês. – Puxou o cabo da caixa e terminou a transmissão no mesmo instante.
— Acha que eles escutaram? – indagou a mulher, cansada.
— Claro.
— Irmão! – Uma mulher saiu da multidão, falando. – Vamos mandar grupos atrás deles?
Grande Irmão pensou por um momento, mas já havia perdido demais com sua estratégia. Não ligava por perder pessoas, mas já eram muitas.
Teve uma ideia e a transmitiu no mesmo instante para a jovem.
— Não, mande os Convertidos.
A multidão se agitou nervosa. Ele entendia o motivo, pois também ficava nervoso perto deles, mas manteve a face indiferente, até alguém tomar coragem para falar novamente.
— Quantos? – indagou alguém entre as pessoas.
— Três deve bastar.
— Sim, Irmão! – respondeu quase em coro as pessoas, saindo um grupo grande para preparar os Convertidos.
Perder a fábrica foi um golpe pesado, mas ele já estava contando com isso. Estava no momento de mudar o local, e para os equipamentos, ele teria que só pedir mais. Sentiu um sorriso satisfeito dançar em sua boca, mas o controlou, falando para todos ouvirem:
— Vamos indo, então. Levem todas as caixas e não se esqueçam das armas de fogo dos Corvos, elas sempre são úteis.
Enquanto estavam se preparando para partir, os três Convertidos partiam para caçar os Corvos.


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