Capítulo 21

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— Então tem uma porta lateral? – indagou Gabriel, com a boca cheia de batata assada.
Prepararam uma pequena fogueira escondida, fazendo o possível para impedir que a luz escapasse. Todos já haviam descansado, e a meia-noite se aproximava. Michel contou as descobertas recentes, com adições de Samuel.
— Não parece ser muito protegido – pontuou Samuel.
— Estranho – falou Naomi. – Se for realmente onde a droga é feita, a segurança deveria ser absurda.
— Igual ao ponto de extração da matéria-prima – comentou também Livya, e logo adicionou: — Tirando que aquele lugar não precisava de guarda.
— Com cinco pessoas podemos tomar o lugar – afirmou Bia, com os olhos brilhando de excitação por trás da sua batata esfumaçante.
— Mas estamos em seis – corrigiu Livya, que demorou um pouco para perceber que era excluída. – Eu vou participar!
— Não. Não vai – ressaltou Michel, de forma cortante. – Sua cabeça ainda deve estar doendo pelas caras que faz e não está fisicamente bem para isso. Iria somente atrapalhar.
— Entendo – murmurou Livya, abaixando a cabeça.
— De qualquer forma – falou Gabriel, tentando mudar um pouco a tensão. – Alguma ideia de como poderíamos invadir?
Os dois Corvos que haviam descoberto o lugar, trocaram um longo olhar e logo se perderam em devaneios. Enquanto esperavam alguma atitude deles, Bia pegou mais uma das batatas que assavam em volta da fogueira. De fundo, grilos cantavam junto ao som sombrio das corujas. Por mais incrível que parecesse, o lugar era mais vivo à noite.
— Poderíamos ir em formação circular para acabar com a guarda. – Iniciou Samuel, formulando um plano de ataque. – Se tudo ocorrer bem, vamos entrar pela porta lateral. Depois disso que vem o problema.
— Não conhecemos nada da parte interna – apontou Michel. – O certo seria nós nos dividirmos e abatermos eles. Se dermos sorte, o Grande Irmão e aquela tal de Irmãzinha vão estar no meio deles. Claro que se formos vistos.
— Teríamos de agir da maneira antiga – falou Bia, com um sorriso mórbido, dando tapinhas em sua faca.
— Se precisar – completou Samuel, indiferente. – O certo seria ficarmos mais algum tempo analisando o lugar.
— Geralmente, seria – disse Naomi. – Mas a cada dia, mais gente morre pela S.L. Tempo é um privilégio que não temos.
Todos sabiam daquilo. Não tendo o porquê de continuar com o planejamento, começaram a erguer acampamento, jogaram areia na fogueira para fazer o mínimo de fumaça possível e pegaram as últimas batatas restantes, dividindo-as entre eles.
Naomi devolveu as armas dos colegas as quais havia amolado e jogou a pedra para Gabriel, que a pegou no ar, guardando-a. Com uma última checagem nos equipamentos, o grupo iniciou a caminhada noturna, deixando Livya para trás e cuidando do veículo.
Era uma noite extremamente clara. A lua parecia maior que o normal, um círculo prateado na noite. Os dois seguiam pelo caminho que já conheciam, levando-os pelos restos da cidade.
Mesmo acostumado a fazer essas coisas, Gabriel ainda sentia o frio no estômago, não sendo o único, pois viu as feições de seus companheiros. Era matar ou ser morto.
Passaram perto dos restos do metrô, onde era possível ver algumas figuras solitárias andando com as oito pernas, tentando encontrar uma forma de voltar às profundezas. Os guias usavam caminhos que beneficiariam a todos, caso encontrassem patrulhas ou algum veículo, mas nada disso ocorreu durante todo o percurso.
Algo brilhava no horizonte, e pelo forte crepitar do fogo, era claro o responsável por isso. Fogueiras foram acesas no galpão, e pela quantidade de luz, eram muitas.
Iniciaram então a formação circular, separando-se em formação de leque e abrindo cada vez mais para fazer o círculo à volta da construção. Gabriel seguia para a direita junto a Michel, que ia à sua frente e andava abaixado analisando o alvo.
Havia paredes altas, impossíveis de escalar somente com as mãos, e um portão de altura semelhante. Algumas pessoas andavam à volta, protegendo a instalação, mas não pareciam estar atentas. Era quase como se estivessem indiferentes.
— Estranho – murmurou Gabriel para si mesmo.
Ao pegar uma posição boa, o rapaz para, esperando o resto do círculo se formar. Conseguia ver Michel por um tempo, mas logo a escuridão também o engoliu deixando-o completamente sozinho com os sons das batidas de seu coração martelando nos ouvidos. Continuou a prestar atenção e vendo que teria de lidar com dois guardas, retirou lentamente duas das lâminas de arremesso, segurou uma em cada mão e aguardou o sinal.
Os dois estavam descontraídos contra o muro, conversando. Não imaginavam o que estava prestes a acontecer com eles. Gabriel sentia o suor escorrendo pelo corpo e muito calor, mesmo sendo uma noite fria. Foi então que o primeiro sinal veio. Um reflexo da direção que Michel havia ido mais cedo. O rapaz fez o mesmo, usando uma das lâminas, para Naomi que tinha vindo atrás.
Assim que recebesse o segundo sinal, poderia atacar. Os segundos pareciam se arrastar, quando o novo reflexo veio. Ele fez o mesmo de antes, mandando outro sinal para a companheira e contou até cinco em sua cabeça. Quando chegou a zero, fez o movimento.
Conseguia ver os alvos nitidamente. Arremessou a primeira faca acertando diretamente a garganta de um, que levou as mãos ao ferimento, se encolhendo. A reação do que se mantinha intacto foi de confusão por um breve momento, e quando ele foi ajudar o colega, uma faca o atingiu diretamente na garganta.
Gabriel somente esperou ambos pararem de se contorcer em agonia, o que não demorou. Aguardou mais um pouco até ter certeza, saiu então de seu esconderijo e foi na direção dos corpos. Ficou de cócoras, colocou as mãos nos pulsos deles, só para tirar a dúvida, recuperou as lâminas e as limpou nas roupas dos mortos.
Não demorou até Naomi aparecer junto de Bia e Samuel. Acenou positivamente para o rapaz. Agora junto ao grupo, ele foi na direção que Michel estava, vendo-o contra a parede com uma mulher que tinha um furo no peito, deitada no chão.
A primeira parte, eles conseguiram completar sem problemas, e passaram para a segunda. A porta estava a poucos metros dos Corvos, que franquearam dos dois lados. Naomi levou a mão à maçaneta que abriu sem dificuldades ao empurrá-la levemente, o suficiente para passarem um por vez. Todos ficaram com as armas prontas para o caso de alguém aparecer. Felizmente, não houve tal imprevisto.
Naomi foi a primeira a entrar, seguida por Bia e Michel, que viraram para a direita. Samuel entrou e foi à esquerda, sobrando somente Gabriel, que ao passar, fechou a porta lentamente.
Felizmente, não estavam em campo aberto, pois contêineres e caixas de madeira empilhadas estavam espalhadas por todos os cantos. Gabriel tratou de se esconder logo atrás de um amontoado de caixas, guardou uma das facas de arremesso e pegou a comum que ficava presa em sua coxa. Esgueirou-se lentamente enquanto escutava as conversas e sons de todo o galpão, que mais parecia uma fábrica.
Samuel apareceu repentinamente segurando um homem pela boca, cravando sua faca profundamente nas costas dele. Gabriel somente observou a cena macabra até seu colega soltar o corpo sem vida, fazendo sinal para ele.
Retirando a faca sem limpar, o Corvo voltou a caçar, deixando Gabriel sozinho novamente. Sem perder tempo, começou a se mover, ficando contra um contêiner avermelhado. Logo à frente, uma fogueira refletia a sombra de duas pessoas. Aproximou-se, colocando-se contra o ferro, e ao chegar perto da beira, usou a faca de arremesso para ter certa noção de onde cada um estava. Fez da lâmina um espelho, viu que o primeiro estava logo à sua frente e o outro a menos de dois metros. Respirou fundo, guardando a arma de arremesso e fez o seu movimento.
Virou repentinamente e agarrou o alvo mais próximo com uma mão pelo pescoço e fez sua lâmina abrir um longo corte na garganta. Antes que o outro conseguisse fazer qualquer coisa, Gabriel soltou o morto e arremessou a faca, que perfurou perfeitamente entre as costelas, acertando o coração, derrubando-o no mesmo instante.
Adiantou-se para esconder o corpo de vista, mas de canto viu uma mulher que também o enxergou. Ele sentiu o corpo gelar por um breve instante. Ela estava prestes a gritar quando, por entre as caixas, uma figura apareceu dando um chute nas pernas dela e fazendo-a cair de costelas. Bia, com um sorriso mórbido, segurava duas facas e desceu ambas ao mesmo tempo contra as costelas e pescoço, fazendo a mulher parar de se mexer no mesmo instante.
Bia viu Gabriel e lhe abriu um sorriso amistoso enquanto levava a recém-falecida para trás das caixas. Sem perder tempo, o rapaz fez o mesmo, recuperando a faca.
Gabriel analisou o lugar e viu que a fogueira ficava diante de uma pequena escada rente à parede do galpão, e no fim de seus sete degraus, havia uma porta. Mais acima, janelas de vidro ladeavam um corredor. Subiu a escadaria, abriu a porta e deu de cara com dois belos olhos azuis, que ficaram assustados no mesmo momento.
A mulher diante dele não teve tempo de ação quando Gabriel cravou a lâmina por debaixo de seu queixo, fazendo o aço chegar ao cérebro. Dessa vez, o Corvo ficou trêmulo com a surpresa, e o peso da morta contra si não ajudava muito. Colocou-a no chão perto do corredor. Enquanto limpava a arma novamente, o grito veio.
— Estamos sendo invadidos! – gritou um homem de algum lugar.
Gabriel soube de imediato que alguém foi visto, e todo o lugar ganhou vida de uma hora para a outra. O corredor em que ele estava continha outras duas portas que se abriram Da mais próxima saiu um homem segurando uma das estranhas armas de arremessar pregos.
Ele mirou em direção ao peito do Corvo, que se abaixou por puro reflexo escutando o estouro da arma lançando o prego, que passou no vazio a poucos centímetros da cabeça do alvo. Gabriel pegou novamente a faca de arremesso e acertou diretamente a mão do inimigo, que soltou a arma junto a um dedo. Gabriel se adiantou enfiando a arma contra o estômago do rapaz.
Os que vinham da outra porta dispararam tentando acertar o Corvo, que por sua vez, usou o homem ferido na barriga como escudo, sentindo o impacto dos pregos contra ele.
Soltou a faca que continuava cravada na barriga do homem morto, e correu em direção aos três que atiraram. Retirando a espada curta da bainha, estocou-a e acertou a barriga do primeiro que se curvou no mesmo instante. O que estava atrás, teve tempo de puxar uma faca e desferir um golpe que frisava os olhos do rapaz, mas Gabriel foi mais rápido e girou o corpo inteiro para a esquerda, fazendo a lâmina desprender do primeiro e voar sangue em formato de arco contra as paredes. A lâmina acertou precisamente a garganta do segundo.
O rapaz teve tempo suficiente de levantar o braço direito para se defender do terceiro homem que usou sua arma como se fosse um bastão, acertando a defesa de Gabriel.
Gabriel sentiu o braço inteiro ficar dormente por um breve momento e depois uma dor aguda. Com lágrimas nos olhos, ele conseguiu dar um pontapé no outro. Este caiu para trás, e com uma estocada em direção ao peito do homem caído, o Corvo eliminou o último que faltava.
Levou a mão ao braço, mas ficou aliviado por perceber que não havia quebrado. Somente um calombo nascia do dano que sofreu. Os sons de luta vinham de todos os lados junto à gritaria. Até o momento, ele não havia escutado nada, pois estava no transe da batalha. Correu corredor adentro até chegar à porta em que ele terminava. Abriu-a de supetão, mas algo a empurrou de volta, acertando-o no rosto, fazendo-o cambalear para trás com o nariz sangrando e soltando sua arma.
Um homem apareceu segurando uma faca e atacou. Gabriel, ainda confuso, conseguiu segurar o ataque e lutou com o seu agressor, que tinha mais força, colocando-o contra a parede. Sentia os braços perderem a força, levantou uma das pernas fazendo seu calcanhar descer feito uma estaca contra o peito do pé de seu agressor.
O som de ossos quebrando junto ao urro de dor, deixou Gabriel satisfeito, afinal, o homem havia se distanciado pulando em um pé só, sentindo o sangue do nariz encher sua boca do gosto de ferro. O rapaz acertou um soco de esquerda no queixo do indevido, que caiu pesadamente, e o finaliza dando um pisão no pescoço do caído.
— Não!!! – gritou uma moça, que também estava dentro da sala, e diferente do outro que atacou com uma faca, ela segurava a estranha arma.
Ainda entorpecido, o Corvo se abaixou novamente e levou a mão para a arma que o morto levava presa ao cinto. Pegou-a, levantou-se se jogando contra a parede no mesmo instante que a outra disparava. O prego acertou o chão e fez um barulho ensurdecedor ecoar por todo o corredor. Gabriel, então, com uma só mão disparou. No momento em que a estaca saiu, o coice foi tão forte que a arma voou de sua mão. Mas ela fez o serviço. Da testa da jovem, um prego brotava. Logo, ela caiu no chão.
— Que recoil é esse!? – gritou Gabriel para si mesmo, pois seus ouvidos zumbiam.
Com a mão meio dormente pelo impacto, o rapaz entrou na sala que lembrava bastante um refeitório e saiu na porta contrária. Havia recuperado sua arma novamente. Ele saiu em um corredor que ficava contra o centro do galpão, um lugar mais abaixo, que estava repleto de objetos, mas ele não tinha tempo de prestar atenção nisso. Conseguiu ver Naomi na parte de baixo, enfrentando três pessoas, outras quatro já estavam caídas e mortas.
Para a esquerda de onde estava, uma porta se abriu de supetão. Dela, saiu Michel, que empalava um homem no peito, colocando-o contra a proteção da passarela.
Michel se desvinculou do outro que caía se esvaindo em sangue e viu o companheiro. Acenou para ele positivamente, voltando por onde veio, logo em seguida.
Gabriel ficou surpreso, mas logo os passos que vinham pela sua outra lateral, fizeram sua atenção voltar a outros três; o primeiro mirava para ele. O rapaz teve tempo de se jogar contra a parede, em tempo de desviar da estaca que passou raspando em suas costelas abrindo um corte, não profundo, mas longo.
O ódio tomou conta de si quando sentiu o sangue descer pelo ferimento junto à cara de satisfação do trio.
— Vocês chamam isso de arma? – falou Gabriel, queimando em ódio. – Isso é uma arma de verdade. – Retirou sua Magnum do guardador enquanto falava.
Não deu tempo de eles fazerem nada, apertou o gatilho e estourou a barriga do primeiro, apertou mais uma vez e arrancou o ombro junto do braço e parte do peito do segundo.
O último que sobrou caiu de joelho se mijando, seus olhos se esbugalharam para o Corvo, que apertou uma vez mais o gatilho, estourando a cabeça do que faltava.
Abaixou a arma, que soltava um pouco de fumaça da ponta, e voltou a atenção para Naomi, mas ela já tinha cuidado de tudo. E pelo silêncio sepulcral que começava a reinar em todo o lugar, não fora a única.
Seguiu a passarela que terminava em uma escada e levava ao mesmo lugar que a parceira. Não demorou para se juntar a ela. Naomi não tinha um único machucado e ficou parada, observando-o se aproximar enquanto fazia uma careta.
— Te pegaram de jeito – falou.
— Que bom que está bem também – retrucou Gabriel, irritado.
— Vai ter que ser costurado de novo? – indagou Bia, que vinha por um caminho interno.
Ela estava com o lábio inferior rasgado junto a um corte no antebraço direito.
— Não vou ser o único, então – respondeu Gabriel, ácido.
Michel apareceu logo em seguida com um olho roxo e dois dedos quebrados. Samuel foi o último a aparecer, mancava da perna direita e com um corte na bochecha.
— No fim das contas, deu tudo certo! – falou Naomi, satisfeita.
— Ainda fico impressionada por você nunca se machucar – resmungou Bia, cheia de adrenalina.
— Vou buscar a Livya – falou Michel. – Antes disso, qual de vocês foi visto?
Trocaram olhares especulativos. Não tinham motivo para ficarem irritados uns com os outros, mas iriam tirar muito sarro do responsável por aquilo. Naomi então fechou a cara e disse:
— Fui eu.
— Porra, Naomi! – praguejou Samuel.


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