Capítulo 18

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Uma única fresta era responsável pelo raio de luz da sala, iluminando o suficiente para enxergar. Havia passado duas horas desde que se trancaram e seus agressores pararam de tentar derrubar a porta, mas era possível ouvir o movimento de pernas eventualmente.
A papa de sangue virou uma poça e deixou o ambiente com cheiro enjoativo de ferro. Tirando Michel e Naomi que continuavam ao lado da parceira que recobrara a consciência havia vinte minutos, os outros três reviraram todo o lugar atrás de qualquer coisa que ajudasse.
Naomi olhou para a amiga machucada e reconheceu que se não fosse por Samuel, a garota teria morrido devido ao coágulo que se espalhava de forma anormal. Com as costas da mão direita, sentiu a temperatura da outra que queimava em febre. Colocaram a calça nela novamente, mas cortaram uma das pernas para não interferir no ferimento.
O longo corte estava inflamado pela brutalidade imposta contra a carne, mas como estava queimado, não corria o risco de infeccionar, mas todos sabiam que viraria uma cicatriz.
— Acharam alguma coisa? – perguntou Livya, esforçando-se ao falar.
Bia sentiu que desde que a novata acordou, ela agia de forma diferente, mais decidida, não querendo ser um peso morto. Admirou a companheira por isso, respondendo-a:
— Fica deitadinha aí, estamos tendo uma ideia.
— Sério? – indagou Naomi, com uma nova esperança no rosto.
Samuel foi até um dos barris no canto da sala e deu tapas no ferro antigo. Sorrindo satisfeito, fala:
— Nestes barris têm gasolina, podemos usá-la para criar uma barreira de fogo. Deve ser o bastante para sairmos. Então, sim, estamos falando sério.
— O problema é que mesmo se derrubarmos o galão na porta, iria demorar um pouco para todo líquido ir de um lado ao outro – disse Gabriel, que encarava um canto da sala. – Por isso, eu e Bia vamos entrar no duto de ventilação e tentar achar alguma coisa que ajude.
Naomi quase riu. Então, o plano dos três era baseado em sorte. Mas diante da situação atual, ela não teria conseguido pensar em nada melhor. Aceitou aquela loucura, e pela postura de Michel, o Corvo pensou o mesmo.
— Por que não tentam abrir um buraco maior na fresta, para sairmos? – perguntou Livya, apontando para o teto com a cabeça.
— Muito arriscado – concluiu Bia. – Sim, estou ciente que essa é uma ideia tão perigosa quanto a nossa, mas pense bem, se der errado, todos morrem, agora se a nossa der errado, só eu e o Gabriel morreremos.
— Não é muito animador – disse Gabriel, ajudando Samuel a empurrar um dos barris para baixo da entrada do duto. – Mas é o melhor que tem para o momento.
Samuel passou o isqueiro para Gabriel, que agradeceu, e pegou sua Magnum, carregando os espaços de munição que estavam vazios no barril. Bia fazia o mesmo, chegando seus cartuchos. Ambos tentavam com todas as forças transparecer calma, mas a incerteza remexia em suas cabeças como um animal encurralado.
— Mas não tem como saber se terá mais aranhas – falou Naomi, preocupada com o parceiro.
— Não mesmo – concordou Bia. – Mas depois do que Gabriel fez com aquela grandona, duvido que irão desistir da gente tão fácil. Parecia até ser um vespeiro e a vitela a rainha.
— Pois é – concordou Livya fazendo caretas. – Adorei ver ela explodir.
O nervosismo da dupla era tanto, que riram alto feito dois idiotas, fazendo alguns dos aracnídeos se chocarem contra a porta.
— Não perca esse ódio! – disse Bia para Livya.
— Vamos logo. – Gabriel apressou, encaminhando-se ao tambor.
— Gabriel – chamou Naomi. – Não se atreva a morrer!
— Essa é a ideia.
Bia pegou o pedaço de calça rasgada da amiga, cortou a parte da canela que não havia sofrido dano, e com mais alguns cortes, tirou duas faixas. Jogou uma delas a Gabriel, que olhou confuso para a colega.
— Melhor amarrar no rosto – advertiu enquanto prendia o pano como se fosse uma máscara. – Sabe-se lá quanta poeira parada vamos encontrar na ventilação, não estou com vontade de ter um ataque de rinite.
O rapaz concordou e amarrou o pano igual à colega. Enquanto isso, Samuel tirou a tampa do túnel de ventilação usando sua faca, sendo preciso subir em um tambor para alcançar.
Pulou de volta para o chão, colocando o pedaço de metal velho escorado na parede, bateu as mãos tirando os pedaços de ferro e poeira, e analisando o túnel uma nova vez, fala:
— A situação dele não é boa. Tomem cuidado em alguns lugares, se ceder, vai saber aonde irão cair.
A dupla concordou, e ambos tiraram suas armas de fogo, analisando a munição. Gabriel recarregou os espaços vazios na Magnum, enquanto a outra checava seus pentes. Samuel pegou o isqueiro e o passou para Gabriel.
— Melhor ir à frente, com uma arma dessa não deve correr risco com nada em linha reta.
Gabriel assentiu, aceitando o objeto de ferro com um desenho de um cavalo empinando, e deu uma última olhada aos quatro que ficavam. Enfim, subiu no tambor enquanto acendia a chama do isqueiro. Respirando fundo, levantou metade do corpo para a fresta, mirando a arma na mesma direção das chamas. Analisou ambos os lados e viu que não havia aranhas.
A outra, que aguardava para subir, o ajudou fazendo um apoio com as mãos. Gabriel se espremeu até conseguir ficar deitado no ferro que rangia sob seu peso, arrastou-se em direção ao escuro mal-iluminado, dando espaço o suficiente à outra.
Esperou enquanto Bia lutava para caber, praguejando diversas vezes pelo aperto.
— Pronto – sussurrou a mulher.
Esticando o braço com a luz para frente, o Corvo começou a se arrastar desbravando a escuridão. A cada movimento, sentia a sujeira de anos em todo corpo. Ficou satisfeito pela ideia da companheira de usar máscaras.
Ambos sabiam que não era uma boa ideia disparar em um espaço tão apertado, pois havia mais aranhas do que eles tinham em balas. Também notaram antes, que elas simplesmente passam por cima das que caem. As armas não tinham o propósito de serem usadas nos aracnídeos.
Um parafuso raspou no ombro de Bia, grudando em sua roupa, seguido pelo som de pano rasgando. Ela parou no mesmo momento e mexeu o ombro até sentir a camisa se desprendendo. Sentiu alívio por não ter se machucado nele, pois era tétano na certa. Os pés do rapaz à frente eram a única parte que conseguia distinguir. O resto era somente algo se mexendo, e a luz era quase toda tampada.
Passaram por outra entrada do cano, mas era impossível ver algo, pois a escuridão encobria todo o alojamento. Vez ou outra, Gabriel olhava para trás, mas não conseguia ver qualquer coisa.
Mantiveram um ritmo frenético. O suor empapava seus corpos e roupa, fazendo toda a poeira grudar neles. Respirar era cada vez mais difícil, parar não era uma opção. O pânico flertava com a mente dos dois o tempo todo, a falta de ar, o calor, os corpos espremidos, a escuridão e a constante vigilância de que algo com oito pernas aparecesse a qualquer momento, fazia o tempo se arrastar muito para a dupla.
Então uma luz apareceu.
Vários metros à frente, era possível identificar o fim do túnel, e para alívio dos dois, havia luz. Mantiveram o ritmo, agora desesperados pelo fim. A claridade fazia seus olhos doerem, então, por fim, Gabriel conseguiu colocar as mãos na grade.
O túnel continuava para as laterais, mas não era necessário se manter nele. Preservando o pouco de controle que ainda tinha, Gabriel analisou pelas frestas a possibilidade de perigo. Viu um pátio com diversas lojas contra as paredes, a maioria deteriorada pelos anos, um pedaço do teto desabado pela metade e diversos resquícios de mesas, uma praça de alimentação.
— O que está esperando? – sussurrou Bia, com o desespero querendo tomar conta da voz.
Apagando o isqueiro e guardando tanto ele quanto a arma, o rapaz usou ambas as mãos para empurrar o ferro, que cedeu facilmente, caindo sem fazer barulho. Gabriel colocou a cabeça para fora, vendo o ferro caído sobre as plantas.
Espremeu-se para fora igual a um bebê nascendo e caiu na vegetação ao lado do pedaço de ferro, que pegou e tirou de lá. Logo em seguida, Bia apareceu com os cabelos brancos de tanto pó, fazendo o mesmo que o outro.
Ambos estavam completamente cobertos de poeira e pedaços de ferrugem. Bia retirou a máscara improvisada guardando-a para a volta, e começou a se bater retirando o pó que caía incansavelmente. O colega fez o mesmo, ficando nisso por longos minutos, pois o pó não parecia ter fim.
— Melhor que isso não vamos ficar – resmungou Bia.
— Pois é.
— Então? Alguma ideia do que podemos achar de útil por aqui?
— Sinceramente, não. Se a Livya não tivesse se machucado, daria para passarmos todos pelo duto.
— Difícil – comentou a jovem. – Samuel tem um problema sério com lugares apertados, ele iria simplesmente travar.
Gabriel fez uma careta enquanto sacudia os cabelos. Então, dependia dos dois. Olharam em todas as direções, para as vitrines, que antes continham vidros e agora eram um pedaço aberto com manequins faltando partes e com alguns resquícios de roupas penduradas.
Semelhante à entrada, o lugar não tinha vida, exceto a vegetal. O Corvo andou em direção à entrada de uma das lojas, vendo estantes antigas de ferro e restos de madeira podre no chão. Uma livraria, mas como todo o papel não existia mais, desistiu dela.
Bia fazia o mesmo. Olhava as entradas e julgava se algo poderia ajudar, mas nunca parecia satisfeita. Entrou, por fim, em uma loja que tinha sobre a porta uma chapa de ferro em formato de bateria. Seguindo o exemplo dela, Gabriel foi até a de roupas.
Era estranho pensar que há centenas de anos, pessoas andavam por lá calmamente. Elas jamais imaginariam o que o futuro reservava nem quais seriam os novos habitantes. Pulando o braço de um manequim, Gabriel se perguntou quando foi a última vez que uma pessoa entrou lá.
O balcão conseguiu se manter intacto por ser de mármore. Uma entrada levava aos fundos, e com o intuito de explorar, ele vai em direção à sala, mas ao passar pelas pedras rachadas do balcão, de canto de olho, Gabriel vê algo que o paralisa.
Sob a mobília, um corpo redondo e peludo estava encolhido num canto. Oito olhos redondos completamente negros, do tamanho de maçãs, encararam-no. Longas pernas se mexeram, movendo o corpo dividido em duas partes. Uma era um tronco pequeno e a outra um abdômen inchando para trás, fazendo metade do animal ficar para fora do esconderijo.
Abaixo dos olhos, duas presas negras reluziam de veneno, as pernas dianteiras se levantaram dando um ar maligno ao aracnídeo, e um pouco abaixo dos ferrões, havia algo rosa, que lembrava um pequeno tubo.
Gabriel travou, olhando fixamente contra o predador em sua frente. Nunca, em toda sua vida, se sentiu tão indefeso e frágil. Havia guardado a Magnum, manteve o contato visual com a criatura, sentindo o corpo ficar molhado de suor, mais do que ficou no túnel de ventilação. Não conseguia piscar, pois sentia em seu inconsciente, que se fizesse qualquer movimento, o menor que fosse, seria morto.
As pernas traseiras da aranha começaram a se flexionar para dar o bote, quando algo cinza a acerta no abdômen, fazendo-a cambalear. Logo em seguida, Bia, com um pulo, enfia a lâmina de sua espada curta no animal, e com ambos os braços na empunhadura, fez o metal efetuar um longo corte, abrindo a aranha. De dentro do animal, saiu algo branco, enquanto se debatia, lutando para manter as entranhas.
Do mesmo modo que a Corva apareceu, ela recuou. Após cometer o ataque, Bia pulou para trás, puxando a arma. Não demorou para que a aranha se virasse de barriga para cima e começasse a dobrar as pernas enquanto a vida saía de seu corpo.
— Gabriel – chamou Bia, tirando o outro de um estranho transe de terror. – Gabriel!! Você está bem?
— Sim! – As palavras saíram estranhas da boca seca dele. – Como você percebeu que tinha algo errado?
— Vim te chamar porque achei uma coisa interessante e vi você parado como se tivesse visto um fantasma. Logo em seguida, um pedaço do bicho apareceu.
— Entendo, obrigado.
Com as pernas um pouco fracas ainda, o rapaz se arrastou para longe da loja com a sua salvadora em seu encalço.
— Vou te falar uma coisa, Bia. Prefiro muito mais encarar outra pessoa. Pelo menos dá para sentir alguma coisa vindo dela.
— Se mijou?
— Vá se foder – retrucou, conseguindo sorrir. – O que ia me mostrar?
— Espere um momento – falou, enquanto disparava em direção a uma lanchonete, voltando um minuto depois com um vidro. – Vodca!
Gabriel olhou para a garrafa, com curiosidade. Ouvia histórias que falavam sobre os Antigos beberem aquela bebida, mas nunca chegou a ver uma pessoalmente. Perguntou para a outra:
— Como sabe se é vodca mesmo?
— Está escrito aqui – respondeu, mostrando a garrafa. – Em grandes letras azuis! Qualquer um pode ver. Quer provar?
Por um instante, o rapaz cogitou negar, mas depois do que aconteceu, não se importava mais e aceitou. A outra, satisfeita, abriu o vidro antigo e deu um gole, mas fez uma cara de decepção. Ele pegou a garrafa e entendeu o porquê. Era mais fraco que qualquer destilado que já provara, mas tinha álcool, e foi então que teve uma ideia.
— Acho que sei como podemos sair daqui. – Havia um estranho brilho em seu olhar. – E talvez acabar com esse metrô.
— Como?
— Quantas dessas você achou? – questionou Gabriel, ignorando a pergunta de Bia.
— Cinco.
— Vai servir. – Deu mais um gole e disse: – Já ouviu falar de coquetel molotov?


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