Capítulo 16

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O Oásis já havia desaparecido há muito tempo na imensidão de areia com raras moitas secas. Vento entrava pelas laterais do carro, que diferente da parte da frente, não possuía vidros.
Felizmente, não existia dunas, o que deixou o trabalho do veículo muito mais simples. E se tivesse, nenhum dos Corvos achava que o carro iria conseguir ultrapassar. O sol estava no centro do céu, fazendo os seis suarem. Se não fosse pelos vidros faltando que faziam o ar entrar, estariam muito piores, mesmo que fosse o mormaço.
— Pessoal – disse Livya. – O que é esse metrô?
— Não ensinam mais nada no treinamento? – indagou Samuel, incrédulo.
— Um modo de locomoção – respondeu Naomi, ignorando o outro. – Acredito que já deve ter visto alguns vagões de trem. É igual, só que subterrâneo.
— Igual uma caverna – falou Michel. – Uma artificial, no caso.
Outra rajada de ar quente acertou o grupo, fazendo Samuel esfregar os olhos que havia acabado de entrar areia. Livya gostou disso.
— Mas o que me deixa inquieto – foi Gabriel que disse do colo de Naomi. – É o que eles iriam querer naqueles túneis.
— Isso se forem eles – resmungou Bia, do volante.
— Ainda assim, se forem – continuou Gabriel. – Não tem nada lá. Bom, a última vez que passei perto foi há quatro anos, mais ou menos.
— De um jeito ou de outro – respondeu Samuel que havia conseguido se livrar da areia nos olhos. – Vamos acabar descobrindo.
Onde antes havia somente areia, começou a brotar pedaços de pedras, concreto e até mesmo longos trechos no chão de asfalto dos Antigos, fazendo o carro dar solavancos vez ou outra. Um dos pulos foram tão fortes que fez Samuel bater a cabeça contra o teto, causando um ataque de risos em Bia.
— Não sabe dirigir, não? – disse esfregando a cabeça.
— Não – respondeu ainda rindo.
— Naomi – disse Gabriel.
— Oi?
— Da próxima vez você que vai no meu colo.
— Jamais. Sua bunda é mais macia que a minha.
Bia que estava quase se recuperando do ataque de riso, caiu em outro, e Samuel ao seu lado colocou a mão no volante por precaução.
— Não precisava ter falado isso alto – respondeu Gabriel, vermelho.
— Cala a boca, bunda fofa – Bia conseguiu dizer enquanto lutava para respirar.
Livya que também se divertia com toda a situação, ficou um pouco admirada. Quem não conhecia os Corvos ou somente ouvia as histórias sobre serem monstros sem sentimentos, acharia tudo aquilo quase alienígena.
O deserto foi acabando lentamente enquanto era engolido por restos de uma cidade. Havia algumas paredes de pé, entulho e poucos postes conseguiam se manter inteiros, a maioria havia se quebrado. Estavam nos restos de uma cidade dos Antigos.
Casas quase desmoronando ou desmoronadas flanqueavam todo o caminho, e até onde a vista dava, Bia teve que dar a volta em um telhado que havia caído e tampava um pedaço da estrada. A única coisa mais intacta era o asfalto, e este já sofrera o bastante com pedaços faltando ou ruas que haviam se perdido totalmente no tempo.
Todo o ambiente descontraído sumiu de uma hora para a outra. Livya entendeu o porquê. Olhava de um lado ao outro igual a todos. Estavam em um lugar perigoso, de certo que havia bandidos.
Samuel pegou no porta-luvas o contador de radiação. Com o mais profundo silêncio e com alívio nítido, devolveu-o ao seu guardado. Bia então virou para a direita em uma rua, diminuindo a velocidade.
— Melhor pararmos por aqui – disse, virando-se ao grupo.
— Sim – concordou Naomi. – Só precisa achar um lugar para guardar o carro.
Bia concordou e seguiu pela rua de terra, olhando para os dois lados, tentando achar algum lugar. Michel disse de supetão:
— Ali!
Bia olhou para onde o homem apontava. Uma parede ao fundo, em bom estado, se estendia atrás dos restos de uma casa. A altura era mais do que suficiente para esconder o carro.
Sem dificuldade, Bia entrou no vão que era mais largo do que imaginava, inicialmente. Assim que desligou o carro, o silêncio reinou.
— Como vamos fazer? – questionou Bia.
— Um grupo vai até o metrô e o resto fica de olho no carro – respondeu Michel.
Todos concordaram. Livya olhava de um para o outro, percebendo que ninguém queria ficar, mas ela sentia um nó na garganta de nervoso, quase desejando aquilo.
— Eu e Livya vamos – disse Michel.
— Melhor não – foi Gabriel quem disse. – Ela ainda é novata.
— Só vai ser uma exploração do lugar, pessoal – continuou Michel. – Duvido que seja perigoso.
Com olhares receosos, o grupo por fim aceitou. Livya sentia o coração bater nos tímpanos. Saíram todos e esticaram-se por conta da longa viagem. Naomi ajudou Bia a checar todos os equipamentos, e Michel o fez sozinho.
Depois de preparados, Michel saiu na frente, olhando em todas as direções, para ver se não foram seguidos. Ao se dar por satisfeito, fez um sinal para Livya segui-lo.
— Boa sorte – falou Samuel à jovem.
Isso a deixou perplexa, pois não sentiu nenhuma morbidez, como era de costume. Agradeceu com um sinal da cabeça e saiu no encalço do outro.
Seguiram pela calçada, e como no treino, Livya sabia que deveria olhar tudo à esquerda, pois estava atrás. Já Michel era responsável pela direita. Continuaram assim por algumas ruas, até que seu parceiro perguntou:
— Nervosa?
— Um pouco. – Vendo o olhar que ele mandou a ela, corrigiu: – Muito, na verdade.
— Só não baixe a guarda, vamos virar aqui – disse entrando à esquerda em um cruzamento.
— Conhece esse lugar?
— Vim algumas vezes. Bandidos e sequestros, sabe? Sei onde fica o metrô, não cheguei a entrar.
— Estamos longe?
— Não muito.
Seguiram caminhando ainda em fila, passando por um antigo sinal de trânsito completamente enferrujado. O excesso de lugares para se esconder, deixava Livya desesperada, pois poderiam estar sendo vistos há muito tempo e não teria como saber.
Foi então que o som dos veículos os atingiu. Vinha da estrada que pegaram, o que fez ambos olharem para trás, desconfiados.
— Eles estão vindo por quê? – indagou Livya, referindo-se aos companheiros.
— Espere um momento – pediu Michel, fazendo sinal com a mão para que a outra ficasse em completo silêncio. Prestando mais um pouco de atenção, falou rápido: – Não são eles! Rápido, precisamos nos esconder.
Correram para trás de uma parede com diversos pedaços faltando, e se deitaram com o peito no chão, lado a lado. Livya sentia as mãos suarem, um pouco trêmulas. O Corvo pegou a arma e ficou estático enquanto esperava. Logo três veículos passaram, duas caminhonetes e um carro com um compartimento grande.
Mantiveram a posição até que os veículos sumissem à frente. Michel foi o primeiro a se mexer, ainda segurando a arma. Com um pouco de esforço, a jovem consegue se pôr em pé.
— Michel, eles tinham veículos, como isso é possível?
— Não sei, e acredito que sei aonde eles foram. Para o metrô.
Livya também pegou sua arma e ficou lado a lado com o parceiro que começou a liderar o caminho, e diferente de antes, a tensão estava palpável. Mexiam-se por ruas desertas e ouviam somente o assovio do vento.
O Corvo parou e levantou a mão para que a parceira fizesse o mesmo. Olhou em volta e quando se deu por satisfeito, virou-se para ela.
— Vamos nos mover para o segundo andar daquela construção. – Apontou para os restos de um antigo edifício que conseguiu não desmoronar. – Vamos conseguir ver perfeitamente todo o metrô.
— Estamos perto? – perguntou a garota, mas foi completamente ignorada.
Com cuidado extra, ambos seguiram para a posição. Conversas começaram a aparecer, vários homens e mulheres discutiam, mas era impossível entender o que falavam. Michel passou pelas pedras que já foram um portão e se abaixou, mexendo-se com leveza. Livya pisava nos mesmos pontos do outro.
Ao chegarem às escadas, Michel se colocou contra a parede, indo devagar. Sentia o corpo inteiro tenso e cansado. Sabia que se esgueirar era mais cansativo do que um confronto direto. Olhou rápido pelo ombro e viu muitas linhas de suor no rosto da colega.
No fim da escada, voltou a se deitar com o peito no chão, arrastando-se até um pedaço da parede que era grande o suficiente para que enxergasse o que aquelas pessoas faziam. Sentiu pedaços de concreto antigo rasparem contra seus antebraços e barriga, mas não ousava soltar qualquer som.
Olhando pelo buraco, conseguiu ver o metrô. Os três carros estavam parados e seus tripulantes conversavam com outros seis. Desviando a sua atenção deles para o lugar, percebeu uma guarita de segurança feita havia pouco tempo e uma escadaria que acabava no cadáver de uma colossal construção. Lá estava a entrada: um grande buraco escuro que mais lembrava uma boca faminta.
Uma movimentação nos caminhões fez a atenção do Corvo voltar a ele. De uma das caminhonetes, retiravam uma máquina que lembrava bastante um barril. Esta tinha uma entrada no centro para a mangueira, e com cuidado extremo, uma mulher retirou um frasco de vidro oval, que encaixou na parte superior da estranha máquina.
Cinco homens tiraram uma grossa mangueira enrolada que lembrava um prato branco. Deixaram ao lado da máquina e colocaram uma das pontas na entrada.
— Vamos alimentar elas primeiro! – gritou um homem baixo, perto da grande caçamba ainda fechada.
Abriram as portas da caçamba e puxaram com cordas presas em coleiras, cinco porcos que mais pareciam amoras de carne. Cada um dos homens ficou responsável por um dos animais, enquanto outros três ficaram com a mangueira. Levavam, então, os animais em direção à boca aberta do metrô.
Dois arrastavam a mangueira junto à comitiva de animais, e um outro segurava a máquina para que não fosse puxada junto. Antes de entrarem na caverna, todos pegaram aquelas estranhas armas que Thomas havia mostrado.
Michel teve que esfregar o rosto no ombro para limpar o suor, e sua parceira respirava pesadamente a seu lado. Ele a cutucou com a ponta do pé, para que Livya controlasse a respiração.
Os homens saíram quase correndo do metrô. Desciam as escadas de dois em dois degraus. Deixaram os porcos e a mangueira para trás. Era nítida a cara de alívio deles enquanto se distanciavam do lugar.
— Tudo certo? – perguntou uma mulher que cuidava da guarita.
— Sim – respondeu um dos que levara a mangueira. – Foi tranquilo desta vez, agora é só esperar.
Todo o lugar ficou em completo silêncio por cinco minutos, mas que pareceram horas, quando aconteceu. O grito de terror dos animais ecoou para fora da boca da caverna. Livya sentiu o peito gelar e todos os pelos do corpo arrepiarem. Nunca, em toda a vida, ouviu algo tão desesperado.
Os homens mantiveram os pés nos lugares em que estavam, mas todos tinham as armas em punho enquanto miravam para as escadarias, como se esperassem por algo que não veio. Todos os sons de desespero se cessaram tão subitamente como quando iniciaram, ficando somente o vazio.
— Vamos logo com isso – conseguiu dizer o homem perto da estranha máquina. Apertou um botão em sua lateral.
Sons de algo sendo bombeado saíram do barril, e o líquido que ficava no frasco soltava bolhas enquanto era sugado para dentro, com um som baixo de motor. Da boca do metrô, gás esverdeado descia até alguns dos degraus, e toda a entrada ficou com uma cor pastosa.
Quatro pessoas pegaram, na caminhonete que levava a máquina, vários objetos peculiares. Eles tinham o corpo em formato de balde transparente e uma bola de plástico rosa na ponta com uma entrada pequena no centro. Junto aos itens, todos pegaram máscaras de gás.
— Pessoal! – Perto da escada, a garota que mantinha a arma de prontidão, chamou. – Vocês têm cinco minutos.
Sem esperar mais, o grupo mascarado subiu correndo e adentrou a escuridão. Aqueles que ficaram para fora estavam tensos, alguns chegavam a andar de um lado para o outro. Dois homens que olhavam para o frasco que esvaziava a cada momento, pareciam ansiosos.
Michel fora pego pela atmosfera do lugar igual à sua parceira, e compartilhavam a tensão junto a todos, o que era meio irônico, afinal eram inimigos. De dentro da névoa, o primeiro saiu e logo os três que faltavam.
Os estranhos traziam potes cheios de uma substância branca-leite. A máquina foi desligada no mesmo instante e os dois que antes observavam o líquido descer, deram início ao puxar a mangueira para fora.
O grupo foi ajudar os quatro pegando com delicadeza os plásticos e levando a uma das caminhonetes e colocando todos em uma caixa de madeira.
— Algum sinal dos porcos? – indagou uma mulher que ajeitava a caixa cuidadosamente.
— Nem sinal – respondeu outra, que tirou a máscara e enxugou o rosto na camiseta. – Parece que elas os levaram para o fundo.
— Elas? – sussurrou Michel para si mesmo.
Assim que ficaram satisfeitos com o modo que a caixa ficou protegida, partiram para a mangueira, enrolando-a enquanto outros voltavam a máquina ao veículo.
— Agora temos com o que trabalhar – falou satisfeita a mulher que ajudou a guardar a mangueira. – Vamos indo, então.
Todos voltaram aos carros, despedindo-se, e logo em seguida partiram. Michel voltou a atenção para quantos haviam sobrado. Dois ficavam perto das escadas e mais dois dentro da casinha. Mantiveram a posição, os turnos mudavam a cada uma hora, mas eram sempre os mesmos quatro.
Já com os braços um pouco dormentes, Michel cutucou a parceira fazendo sinal com a cabeça para que ela o seguisse. Voltando lentamente de costas por onde veio e aproveitando o fim da luz do dia, ambos podiam se mover mais rápido, e assim que atingiram a rua, o resto do percurso ficou mais rápido.
Pareciam gatos passando pelas sombras quando algo lhes chamou a atenção.
— Ei! – O som veio da lateral.
Com armas em punhos, os Corvos se viraram ao mesmo tempo, mas relaxaram ao verem que era Samuel.
— Sou eu! Abaixem essas coisas.
— Quer levar um tiro? – retrucou Michel, bravo, enquanto guardava o revólver. – O que veio fazer aqui?
— Estavam demorando demais, daí pediram para que eu viesse ver se estava tudo certo.
— Vimos umas coisas estranhas – Livya conseguiu dizer.
Samuel olhou para ela com repentino interesse, mas não perguntou nada. Afinal, era melhor eles contarem a história somente uma vez do que duas.
O recém-formado trio seguiu para o caminho em que o resto do grupo esperava, sem nenhum contratempo. Livya percebeu que por ter se arrastado, sangrava de um pequeno corte na coxa direita, mas como era um corte mínimo, ignorou totalmente.
Seguiram pela rua que faltava e Samuel se anunciou antes de voltar ao beco. Os outros esperavam impacientes, mas o alívio era quase palpável. Naomi foi até Michel dizendo palavras de simpatia, já Gabriel com um tapa no ombro, parabenizou Livya.
— Ouvimos carros – falou Naomi. – Pelo menos, mais de um.
— Nós também – respondeu Michel. – Vimos eles de perto.
— Isso não faz sentido. – Devaneou Bia. – O único com veículos é o Bunker, exceto se...
— Sim – complementou Gabriel. – Eles roubaram de alguma caravana ou comitiva.
— Mas eles terem veículos é um fato. – Michel cortou. – E não é somente este o problema. – E contou tudo aos outros.
Ouviram atentamente, sem interromper, e ficaram pasmos com o fato de terem mais máquinas do que somente os carros. Bia sorriu de forma agressiva ao saber que estavam em grupo, mas logo empalideceu na parte dos porcos.
— Alimentavam alguma coisa – concluiu Samuel. – Não conseguiram ver nada mesmo?
Ambos fizeram que não, o que resultou em Samuel fechando a cara e se perdendo em pensamentos. Naomi, por sua vez, recostou-se no capô do carro, perguntando:
— São quatro então, certo?
— Sim – respondeu Livya. – Dois de guarda e outros dois na guarita.
— Devemos supor que eles tenham aquelas armas estranhas – concluiu Bia. – Vamos atacar hoje?
— Creio que é o melhor – falou Gabriel.
— Vamos na estratégia básica então – emendou Naomi. – Gabriel e Bia ficam encarregados dos dois vigias, afinal combate à distância é com vocês. – Ambos concordaram. – Michel e Samuel na retaguarda, caso algo dê errado. Sobrando para mim e Livya a parte de dar cabo aos dois da guarita. E não se esqueçam, deixem um vivo.
Estava tudo decidido. As novas duplas se juntaram enquanto checavam os equipamentos.
Livya chegou a Naomi, perguntando:
— Por que eu com você? Qualquer outro tem mais experiência do que eu.
— Simples. Somos Ponta de Lança – falou simplesmente enquanto checava o fio da faca presa à perna. – Combate direto é nosso trabalho.
Livya concordou, mas não foi o suficiente para acalmar as borboletas que voavam livres em seu estômago. Prontos, partiram com o fim do dia.
Michel guiou a equipe, mesmo não havendo necessidade, afinal, todos conheciam a área. A cidade que de dia era uma imagem triste de uma civilização caída, de noite, passava a mesma energia que uma história de terror.
Cada estalo ou assovio do vento fazia Livya fechar as mãos cada vez mais forte, deixando os nós de seus dedos brancos. Os grilos e sapos eram o único som. A passos leves, o grupo chegava.
Dividindo-se em dois grupos, sendo o primeiro Gabriel e Bia. Eles começaram a escalar por entre os entulhos para ficarem com os dois guardas na mira. A outra equipe foi flanqueando a construção, mantendo-se abaixados, utilizando pedaços e restos de paredes como cobertura. Assim se aproximaram.
Novamente, a equipe se dividiu. Naomi se deitou ao chão, arrastando-se em direção à casa. Livya, com um último olhar para Michel, que ficava para trás junto de Samuel, seguia o exemplo da outra Corva.
Naomi sentia todas as imperfeições do solo contra o peito e a barriga, mas isso não a impedia de manter o ritmo. Movia os antebraços como apoio e as pernas para impulso. Assim que ficou a menos de três metros da entrada, prendeu a respiração para fazer o mínimo de barulho possível. Levantando-se com suavidade e colocando-se contra a parede, esperou pela outra que não demorou a ficar do mesmo jeito que ela.
Ficando de cócoras, a Corva pegou a faca presa à coxa, e pelo som de ferro atrás de si, percebeu que a novata fez o mesmo. Esperou mais algum tempo pelo sinal dos outros dois.
Uma fogueira feita no chão de terra, perto da escadaria, era responsável pela iluminação de todo o lugar. Ambos os homens conversavam descontraídos perto do fogo, e pelo som mais próximo, ficou claro que havia mais dois logo atrás da porta, na parede em que a dupla estava escorada.
O sinal então veio. Um reflexo rápido entre os escombros no ponto direito, e logo em seguida, o mesmo no lado esquerdo, o que deixou claro que ambos já estavam preparados. Naomi, usando a lâmina da faca, também usou o fogo para produzir uma luz semelhante.
Livya sabia, pelo menos na teoria, o que iria se desenrolar assim que Naomi correspondesse o sinal. Durou somente cinco segundos o momento entre a comunicação e todo o ataque. Contou cada um deles em sua cabeça, chegando até o zero.
Ambos, perto da fogueira, levaram a mão quase ao mesmo momento e tombaram devagar. Quase junto a isso, a porta a menos de um metro de Naomi se abriu e uma mulher saiu armada para ver o que estava acontecendo, mas a Corva, já esperando por isso, deu um bote contra ela. Usando a mão livre, ela segurou firme a boca de seu alvo e enfiou a lâmina no pescoço dela. Utilizando o movimento, posicionou-se novamente contra a parede, com a mulher convulsionando em seus braços.
Livya passou pela colega e entrou no aposento pronta para render o último que faltava, mas então ficou perdida por um breve segundo. Nos fundos do quarto, uma cama no chão escondia um quinto membro que acordou com toda a movimentação. O momento perdido foi o suficiente para que o homem mais acordado puxasse sua arma, mas o treinamento da Corva falou mais rápido. Ela arremessou a faca na mão do indivíduo que guinchou de dor quando a lâmina arrancou dois de seus dedos. Ela avançou contra o homem que ainda gemia, e pegando sua machadinha, fez um movimento em meia-lua, descendo e acertando o peito do homem.
Sentiu a carne rasgando, os ossos das costelas e o interno se quebrando com o impacto. Uma nuvem de sangue borrifou na face dela e o alvo caiu sem vida. Com o movimento rápido, ela pegou a pistola e apontou contra o que restava.
Naomi entrou com os olhos frios e sem vida, analisando toda a situação. Ficou satisfeita que a novata conseguiu resolver tudo sozinha, mas não tinha tempo para isso. Foi em direção ao último que faltava, esticou sua faca ainda suja de sangue a ele, dizendo:
— Quieto ou morre.
Não foi preciso mais do que isso para que ele ficasse em total silêncio. Vendo que Naomi tomou conta da situação, Livya guardou o revólver e puxou o cabo da machadinha para fora do tórax do morto. Precisou usar as duas mãos para conseguir tirar a lâmina. Ela saiu com um som repulsivo e junto a uma linha de sangue grossa, do corpo para o metal. Sentiu o estômago revirar.
Mantendo a compostura, a jovem saiu do quarto, deu somente cinco passos e vomitou. Gabriel e Bia passaram por ela, ignorando-a completamente e entraram no quarto. Não demorou para aparecer os que estavam na retaguarda.
Quando Michel viu Livya, acelerou até ela com Samuel em seu encalço.
— Você está bem? – indagou o homem.
— Sim, nada deste sangue é meu. – Olhou para as mãos completamente vermelhas. – Não estou muito acostumada com isso ainda.
— O pior já passou.
— Areia – disse Samuel, enquanto passava por ela, indo em direção à porta. – Areia ajuda a tirar o sangue.
Livya achou a atitude do Corvo a coisa mais estranha de todo aquele dia, mas seguiu o conselho e acabou que era verdade.
O quarto era pequeno, com somente uma porta que servia tanto de entrada como saída, uma grande fresta que ficava em frente ao metrô e um colchão onde um homem acuado olhava para os quatro. Passava os olhos nervosos de um ao outro.
— Vai me dizer tudo sobre este lugar! – falou Naomi, com uma frieza assustadora na voz. – O que aquelas pessoas pegaram no metrô, sobre a S.L. e principalmente sobre quem é esse Grande Irmão.
Pela primeira vez, o homem aparentou não ter mais medo. Ao ouvir sobre o Grande Irmão, sua atitude mudou; era a determinação falando.
— Eu jamais vou trair o Irmão. Corvos idiotas realmente acham que são os primeiros atrás da gente, mas são somente mais um grupo que logo estará morto ou pior.
— O que quer dizer? – perguntou Samuel, com ódio na voz.
Mas então o homem pegou uma das estranhas armas escondida debaixo do travesseiro, e com um movimento atirou contra a própria cabeça, de baixo para cima, fazendo o prego estourar a parte superior de seu crânio, chamuscando os quatro com pedaços de carne e sangue.
— Que porra foi essa? – praguejou Gabriel, saindo do quarto junto dos outros.
Michel apareceu junto a Livya, ambos com armas em punho, olhando para eles.
— Se matou – respondeu aos dois. – Simplesmente se matou.
— Filho da puta – Bia falou baixo.
Todos se sentaram contra os escombros, em choque. Gabriel então saiu e foi em direção à fogueira. Naomi, que limpava a faca em um pedaço de roupa rasgada de um dos corpos, começa:
— Não temos nenhuma alternativa. – Sua voz veio carregada de raiva. – Vamos ter que ir.
— Sim – respondeu Michel, cabisbaixo.
— E eu achando que o dia não podia piorar – resmungou Samuel.
— Esta é uma luta que nem eu quero – complementou Bia.
— Ir aonde? – indagou Livya, perdida.
— Vamos entrar no metrô – respondeu Michel, sem emoção.
A jovem sentiu o sangue desaparecer do rosto, lembrando inconscientemente dos gritos dos porcos, mas a única pessoa que poderia dizer algo sobre isso, acabara de explodir a cabeça, deixando suas opções limitadas.
Gabriel voltou pálido.
— Bia – o rapaz a chamou, de supetão. – Por acaso você fez algo com os corpos dos guardas?
— Não – respondeu a colega, desconfiada. – Por quê?
— Eles sumiram, alguma coisa os pegou.
Levaram as mãos às armas, fitando a grande boca escura que os encarava de volta, e na escuridão a imaginação fazia com que as imagens de monstro os olhassem, cheios de fome.
— Sei que vamos ter de entrar – falou Gabriel. – Mas vou fazer isso amanhã, de dia.
Ninguém discordou.


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