Capítulo 3 - Corpo Gelado

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O céu pintado em laranja marcava um fim de tarde cinematográfico. Na parte mais funda da piscina Higino permanecia sentado, abraçando os joelhos. Os olhos estavam fechados. Usando apenas uma bermuda fina, sentia o contato da água com a pele de forma quase mística, enquanto mantinha o corpo imóvel.

Não era uma piscina comum. Mais se assemelhava à um rio largo, que circundava a robusta casa onde morava. Para que a construção não ficasse ilhada, duas pontes construídas no mesmo nível do chão permitiam o trânsito entre a moradia e os arredores, mantendo a água da piscina repousando abaixo. Um dos acessos ficava na frente da casa e o outro nos fundos, onde Higino costumava ficar.

Naquele diminuto paraíso artificial, palmeiras frondosas de tamanhos diversificados adornavam uma construção menor, conhecida como a Casa da Piscina, que dava suporte ao lazer oferecido pela ilha artificial. Um jardim bem cuidado enfeitava o lado oposto da estrutura de alvenaria.

Rodeado de tanta riqueza, era mais um dia comum para Higino, recluso no ambiente que mais gostava. Estava naquele local há horas, submerso, desde que tinha voltado da escola.

Ficar sozinho era um dos seus maiores prazeres.

Tinha uma profunda relação de respeito e admiração ao silêncio.

A água sempre fora seu universo particular. Quanto mais isolado, mais em paz ficava. Tanto amor o fazia desejar que algum dia pudesse desbravar águas salgadas, perdendo-se da margem. Ansiava por perceber o oceano nos poros, milhas distantes do mundo civilizado.

Ninguém poderia incomodá-lo no mar, ao contrário da piscina, onde o espaço era menor e qualquer um poderia ter acesso. Seu transe foi quebrado quando sentiu uma leve movimentação na água. Higino abriu os olhos sem pressa e olhou para cima. Viu uma imagem borrada da mão de um homem que mexia de um lado a outro, chamando sua atenção.

Saiu da posição que estava e deu um leve impulso, chegando à superfície. Olhou para aquele que o chamara: alto, de meia idade, cabelo grisalho penteado para trás, olhos castanhos e um bigode arrumado.

— Oi, pai, o que foi?

O homem sentou em uma das espreguiçadeiras que estavam perto da borda:

— Só vim avisar que a Emília vai chegar daqui a pouco para jantar com a gente. Julliette também vem e Emília quer que finalmente ela conheça a nossa casa – respondeu Ricardo.

— Ah... Tá – a ausência de empolgação era nítida.

— Ei, que cara é essa? Pedi para a Verinha fazer salmão grelhado só por sua causa.

Higino esboçou um sorriso. O pai continuou:

— Sua irmã não vem. Vai dormir na casa da Angelina.

— Novidade. Eu vou tomar um banho, então, e tirar esse cloro.

— Tá bom. Higino... Você está bem, meu filho? Quero dizer...Você tem passado muito tempo aqui na piscina...

— Está tudo bem, pai. É que às vezes bate muita saudade da mamãe – a voz embargou, mas ele conseguiu disfarçar.

— Filho, não importa o que aconteça, mesmo que eu me case com a Emília, ela nunca vai substituir a sua mãe, entendeu?

— Eu sei, pai...

— Acho que essa viagem de férias vai fazer bem para você e para sua irmã. Sua mãe vai estar sempre olhando por nós, onde ela estiver. Então se anime, porque a viagem já é amanhã!

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora