No intervalo do recreio, Ian estava sentado sozinho em um dos bancos do pátio da escola Jonjune, admirando um anel discreto que circulava seu dedo indicador direito. Tinha recebido o objeto de Cosmos logo depois de encontrá-lo, com Norah, e relatar o que tinha acontecido na torre dos fundos da Ala Principal.
O garoto achou que o Regente estava tentando disfarçar a preocupação pelas coisas estarem saindo do controle e isso fez seu coração bater mais rápido por um segundo.
De volta ao continente de origem, ele olhou as pessoas ao redor e sentiu uma ponta de inveja da vida normal que elas levavam. As preocupações delas eram apenas se o boletim estava com notas boas ou ruins, o que teria no almoço quando chegassem em casa e se choveria no fim de semana.
Quando ele ouvia que agosto era o mês do desgosto, nunca achava graça na rima, que julgava imbecil. Mas ali, debaixo do sol quente do inverno fajuto do Rio de Janeiro, ele percebeu que seria um mês desgostoso para ele. Mais do que apenas em agosto, mas em todos os meses, anos e décadas seguintes ele carregaria o fardo da nova vida que fora obrigado a viver.
Um feixe de luz solar bateu na superfície dourada de metal do anel e refletiu em seus olhos. Era uma joia bonita, um aro grosso com um desenho rústico de um sol entalhado, dentro de um símbolo de traços simples no formato de um olho, simetricamente amendoado.
Com aquele objeto no dedo, Ian entendia perfeitamente como Norah se sentia ao usar o bracelete, já que o anel também servia de máscara para esconder a herança na testa.
A partir daquele momento, ele teria que usar o objeto sempre que estivesse fora de Terraforte e teria que conviver com o medo constante de perder o anel ou ser roubado, e isso chamar a atenção das pessoas. Seria considerado uma aberração que aparece nos programas televisivos sensacionalistas de domingo.
Ele e os outros foram imediatamente mandados de volta para casa depois do ataque de Gabriel. Cosmos enviou guardas até a torre dos fundos e encontrou apenas as pobres vítimas de pelúcia jogadas pelo lugar e nenhum sinal do irmão mais velho de Marcus e Benício. Com o alerta, a segurança foi intensificada e os cinco adolescentes retornaram para o Rio.
Cosmos acreditava que fora de Terraforte eles estariam mais protegidos, mesmo que tivessem sofrido um ataque – de Marcus – fora do continente mágico. Norah não contou sobre as ameaças que recebera de Gabriel. Isso era um segredo dela com Ian e os outros três.
O Regente nem mesmo prolongou o assunto ao entregar o anel para o garoto. Foi objetivo e claro quanto ao uso permanente e função do disfarce. Os treinamentos foram suspensos até segunda ordem. Ian e os outros sabiam que até segunda ordem significava depois que Cosmos e os outros fossem até Zero e resolvessem o problema. Se é que resolveriam.
O que Cosmos mal sabia era que Ian e seus amigos não precisariam voltar para Terraforte tão cedo, se não quisessem. A desconfiança, quase certeza, de que a caverna na praia da Birutinha poderia levá-los até Zero não exigiria nada dos cinco adolescentes que tivesse a ver com o continente misterioso.
A passagem – ou entrada, ou o que quer que fosse aquele lugar – estava bem ali, algumas esquinas depois da vila onde Ian e Mabel moravam. E eles já tinham decidido ir até lá e encarar o desconhecido.
Perdido em pensamentos, Ian não viu Mabel surgir do meio de um grupo de alunos que caminhava na direção da cantina, no lado oposto de onde ele estava sentado. Ela estava com um croissant generoso em uma das mãos e uma caixa com suco de uva na outra. Nem o perfume leve de melancia da menina fez Ian se animar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)
FantasyA Ferida da Terra precisa ser contida. O tempo corre. A situação piora. Mas o que ela é, Ian não sabe. Ele não sabia nem mesmo da existência de um novo continente, vizinho ao Brasil, assustadoramente mascarado por uma magia que não poderia ser denom...