Capítulo 23 - A Espada Celestial

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Era um fim de tarde de céu rosa alaranjado e sem nuvens. Rafaelo estava sentado com as pernas cruzadas e os olhos fechados enquanto inspirava e expirava pausadamente. Desde que saíra do ginásio e tinha se separado dos outros era a terceira tentativa de meditação que fazia.

Nas duas anteriores acabara dormindo. Uma brisa leve alisava seu rosto com pequenos intervalos de tempo e o som do ambiente era basicamente do mar batendo forte nas pedras.

Ele estava na passagem em forma de arco, a mesma que tinha atravessado voando com os outros no dia em que conhecera o castelo de Sorin. E ali apenas a calmaria estava presente, um quase silêncio que era quebrado unicamente pelas ondas que estouravam no relevo irregular de pedras.

O garoto tinha chegado àquele lugar pela mesma técnica fascinante dos pássaros de energia e ele fez questão de elogiar Isla por isso. Era mais que magia. Uma arte espetacular, algo que ele não compreendia.

Rafaelo não entendia também como a paciência dela não oscilava. Ele estava tentando desde cedo, o corpo esgotado física e mentalmente. Seu sono durou horas em ambas as vezes que fracassou em meditar, mas a mulher estava li, calma e aguardando que ele reagisse.

A serenidade dela era algo que o próprio garoto, Ian e os outros comentavam de vez em quando. Mesmo diante da situação tensa que ameaçava explodir, Isla demonstrava um equilíbrio invejável.

O garoto também notara uma postura semelhante em Cosmos e na Dirigente Williana. Acreditava que todos os outros, no entanto, se esforçavam para esconder a apreensão que morava no íntimo de cada um. Ele mesmo dormia e acordava com o coração acelerado, com medo de alguma coisa acontecer a qualquer momento, de ser atacado dormindo.

No colégio era o valentão popular, de certa maneira temido e adorado. Ali era apenas um garoto de quinze anos vulnerável como qualquer outra pessoa. Talvez ainda mais exposto, já que não era um descendente e nem herança carregava.

Não poderia usar técnicas e seria apenas um estorvo para as pessoas que corriam o real risco de morrer. Ele não se incluíra na lista dos ameaçados de morte apesar de alimentar uma angústia crescente a cada dia. Rafaelo estava se perguntando a razão de estar ali, começando um treinamento. Não fazia sentido algum ele praticar qualquer coisa se não possuía o mesmo histórico que Ian, Mabel, Higino e Norah.

Mas havia as luzes. Aqueles pontos que o acordaram na madrugada. Que o fizeram seguir noite adentro para um rumo que ele não imaginaria. A praia, a luz forte da lua, a caverna e o menino deitado inconsciente no chão.

Uma claridade e depois sua casa. Sua cama. Seu cachorro. O coração do menino sacudiu quando ele pensou em Gota. Era a saudade que raspava seu coração como uma navalha. Uma dor sutil, mas terrivelmente incômoda.

Toda a pose que sustentava na rua era dissipada no aconchego de seu quarto, nas tantas vezes que jogava a bolinha verde babada e com marcas de dentes para que seu companheiro de quatro patas fosse buscar e Gota a abocanhava e voltava incansavelmente para ver o dono feliz. O cão sentiria sua falta, mas Rafaelo não tinha certeza se os pais sentiriam o mesmo.

Toda uma vida focada em trabalhar e o tempo restante era dividido entre descansar e dar atenção ao filho. Ele concordava com as pessoas que diziam que advogados eram seres humanos frios. E ele tinha duas pedras de gelo em casa. Apenas não conseguia decidir qual dos pais era o que menos se importava com ele.

Estranhamente, o garoto sentia-se mais confortável ali no continente novo do que no de origem. Mesmo com a cabeça a prêmio por estar envolvido com os descendentes, gostava de sentir a preocupação de todos com ele. E era por essa preocupação que ele estava meditando naquele momento.

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora