Ian estava impaciente esperando por Mabel na entrada da vila. Apesar de ser quase cinco da manhã não havia o menor sinal de sono. Nem mesmo mil doses de cafeína o deixariam mais acordado do que estava. Na situação em que se encontrava, seria impossível sequer bocejar e ele desconfiava que os outros estariam tão despertos quanto ele.
Um som quebrou o silêncio da vila e sumiu na noite: Mabel estava abrindo o portão de casa. Quando ela chegou até ele, nenhum dos dois se cumprimentou com um bom dia. A frase educada foi substituída por outra e nem Ian e nem Mabel se importaram com isso:
— Mal dormi essa noite – disse ela.
— Eu também.
Embora não existisse sono, a tensão misturada ao pavor fez com que cada um deles andasse todo o caminho até a Praia da Birutinha perdidos em seus próprios pensamentos e eles não conversaram. Só quando estavam chegando ao calçadão e Mabel viu que Higino, Norah e Rafaelo já estavam lá, foi que ela abriu a boca:
— Que vergonha. Moramos aqui do lado e somos os últimos a chegar.
Mas Ian estava com o coração batendo na garganta, nervoso demais para prestar atenção na menina. Quando ele viu o trio de pé, esperando por eles, a sensação de que aquilo era real caiu sobre ele.
A constatação de que eles estavam caminhando na direção do problema, que estava poucos metros longe deles. E aquele resto de madrugada, aquele fim de noite nunca pareceu tão assustador.
O silêncio somado com as luzes dos postes trazia um medo sorrateiro, o fato de saber que a cidade ainda dormia enquanto cinco adolescentes eram ousados – ou estúpidos, eles não sabiam dizer – o suficiente para peitarem um perigo colossal, era devastador.
Por fim, a dupla encontrou o trio no calçadão e todos estavam mentalmente sintonizados, nos bons e nos maus sentimentos. Também não houve bom dia, existiam coisas mais importantes para serem ditas, ou perguntadas:
— Deixaram seus celulares em casa? – Higino lançou a pergunta. Todos assentiram.
— Que bom que ninguém esqueceu de vir com calça – reforçou Ian.
— Está tudo ajeitado. Eu disse para os meus pais que sairia cedo para fazer uma viagem curta com amigos. Eles não perguntaram muito sobre – disse Rafaelo, e embora não tivesse demonstrado vacilo na voz, Mabel percebeu que ela tremeu de leve.
— Eu falei o mesmo para minha mãe. Para todos os efeitos, estou na casa de vocês – disse Ian para os irmãos.
— Deixei um bilhete para o meu pai com a mesma desculpa. Ele não dormiu em casa de novo – disse Mabel.
Higino e Norah riram.
— Espero que isso não dê confusão. Eu disse que estaríamos na sua casa, Mabel – falou Higino.
— Foi uma tacada de mestre. Como seu pai não tem ficado muito em casa, se meu pai ligar, é provável que ninguém atenda. Ele pode achar que saímos para passear e só em último caso acho que ele ligaria para o seu pai. E o celular dele só vai ter sinal se ele estiver fora de Terraforte – disse Norah com orgulho, como se a ideia tivesse sido dela.
— Cara, você é incrível! – Ian abraçou o amigo meio de lado.
— Assim ganhamos tempo até perceberem nossa ausência. Muito bom, Higino! – Mabel também comemorou.
Os cinco ficaram um ao lado do outro, na divisão entre o calçadão e a areia, sentindo a brisa do mar sob o céu que começava a clarear sem pressa. Os olhares convergiam para um mesmo ponto enegrecido na lateral esquerda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)
FantasyA Ferida da Terra precisa ser contida. O tempo corre. A situação piora. Mas o que ela é, Ian não sabe. Ele não sabia nem mesmo da existência de um novo continente, vizinho ao Brasil, assustadoramente mascarado por uma magia que não poderia ser denom...