Capítulo 4 - Meninas Más Morrem Primeiro

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Não era incomum ver Norah reclamar. E naquele momento o alvo da irritação era o clima, que estava demasiado abafado, mesmo para o rotineiro inverno quente do Rio de Janeiro. Ela caminhava pela calçada ao lado de suas únicas e suficientes amigas, Jéssica e Angelina, que igualmente amaldiçoavam o calor enquanto abanavam as mãos sobre si mesmas.

— Ligaram o maçarico hoje? Não tem como ficar de bom humor assim – Norah revirou os olhos.

— Nem me fala! Estou irritadíssima em usar esse uniforme – reforçou Jéssica.

As três usavam o traje da escola, uma calça jeans e uma camisa branca com o símbolo do colégio. A peça que cobria as pernas do trio era mais justa no corpo, de forma que a silhueta fosse modelada sem exageros. A camisa seguia o mesmo raciocínio, não exibindo qualquer parte larga.

Norah mexia com impaciência no laço com presilha que estava na cabeça, tentando afastar os fios loiros e brilhantes que insistiam em grudar no rosto.

— Estou morrendo de fome – disse Angelina, ao olhar o relógio-pulseira preto.

— Pelo menos naquela droga de galeria tem ar-condicionado e algumas opções de comida. Não quero comer o de sempre hoje – retrucou Norah.

— Não vejo a hora de chegar – disse Jéssica, prendendo o cabelo ruivo, liso e comprido em um rabo-de-cavalo.

— Ultimamente as coisas lá em casa estão insuportáveis. Ainda prefiro comer na rua do que em casa, mesmo com esse calor nojento – resmungou a loira. – as coisas lá estão cada vez piores. Estou sem paciência.

— A cretina da sua madrasta já mudou para lá? – perguntou Angelina.

— Nem sonhando! A Emília só vai morar lá depois que casar.

— Não engulo aquela sonsa – disse Angelina.

— Ninguém gosta dela. Só o meu pai.

— Ah, ela até que tem uma personalidade interessante – zombou Jéssica.

— Você é ridícula – Angelina riu. A ruiva também.

— Aquela vadia solteirona é má – disse Norah.

— Solteirona ela já não é faz tempo, fofinha – disse Angelina ao girar o dedo indicador no ar, apontando para Norah.

— E ainda vai infernizar a sua vida quando chegar – a ruiva reforçou.

— Meu pai é um trouxa, isso sim.

— Trouxa é o esquisito do seu irmão. Aquele infeliz deve ser adotado. Não é possível. Aliás, você e ele vão rodar em breve. Contagem regressiva para a chegada da madrasta cheia de estilo! – a voz carregada com o deboche de Angelina violentou os ouvidos de Norah.

— Estilo? Aquela mulher é uma brega. Se veste como um trapo. Exagerada, histérica. Ai, como me irrita! Acorda, Angelina, estilo quem tem somos nós. Ninguém do primeiro ano se mete com a gente. Todas querem estar em nosso lugar.

— Ah, é verdade – disse Jéssica fechando os olhos e inclinando a cabeça para o céu azul e quase sem nuvens. – todas-querem-ser-como-a-gente.

— Querem, mas não vão ser, meu bem – Angelina ajeitava a flor de pano branca que começava a cair do cabelo.

— Não posso fazer nada se esse pessoal não tem o mesmo berço que eu. Imagina se eu vou me misturar com os retardados das outras turmas. Nem meu irmão, que tem meu sangue, é bom o bastante para estar perto de mim. De nós – o tom frio da voz de Norah poderia impactar alguém que ouvisse de fora, mas era banal para as duas amigas.

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora